No seu último artigo publicado no Novo Jornal, elenca um conjunto de pressupostos políticos que não foram cumpridos e que terão determinado os resultados das últimas eleições, fundamentalmente a ascensão da UNITA. Recorreu a uma analogia, fazendo referência a uma trajectória bem embalada da UNITA da Jamba para Luanda. O que eu lhe pergunto é: a UNITA já está em Luanda?

Pelos resultados eleitorais, sim. A UNITA, neste momento, tem a maioria dos eleitores em Luanda. Agora, do ponto de vista institucional, não, porque essa vitória da UNITA, em Luanda, não se traduz em poder concreto, até porque nós vivemos muito numa democracia em que quem ganha as eleições ganha tudo, quem perde as eleições perde tudo. Digamos que não há uma abertura para que quem perde, e principalmente quem perde numa diferença pequena como foi o caso, possa ter acesso a bens materiais, a lugares de chefia, digamos, no fim de contas, que possa ter algum poder. O poder é vedado a quem perde as eleições. E isso é fruto do modelo de democracia que abraçámos e da Constituição que aprovámos em 2010.

No artigo a que nos referimos, falava da meritocracia, da despartidarização dos órgãos do Estado... Mas, afinal, qual é o nosso grande problema? No caso do MPLA é a falta de quadros, é o sistema político? É o quê?

Eu diria que o problema começa no tipo de mentalidade que predomina ainda no seio do MPLA. O MPLA, durante muitos anos, foi um partido único, digamos na concepção era o partido que dirigia o Estado, porque não vivíamos numa democracia, vivíamos num regime de partido único, e esse partido geria o Estado e a sociedade com base no centralismo democrático, que tinha muito de centralismo e muito pouco de democrático. Esse tipo de prática perdura até hoje. Nós, em 1992, abraçámos uma democracia, uma democracia cheia de problemas nos primeiros tempos por causa da guerra, e, depois de 2010, já com outras nuances. Mas essa prática autoritária que vinha detrás manteve-se e perdura até hoje.

Como desfazer isso?

Penso que há várias maneiras de se resolver este problema. Claro que não pode ser resolvido do dia para a noite, mas era necessário dar alguns passos. E o primeiro passo era a despartidarização do Estado e da sociedade. Por exemplo, que deixasse de haver acumulação de cargos partidários com cargos de Governo, aos vários níveis, desde a comuna até à estrutura central. Muitas vezes, põe-se a questão do Presidente da República, que o Presidente da República tem de continuar a ser o presidente do partido. E, com consequência, diz-se que, no nosso caso, acontece isso porque temos um tipo de organização diferente daquele que existe na Europa; na Europa, quem gere o Executivo é o primeiro-ministro. Mas não me parece que isso seja um problema, porque o partido ganhador pode, perfeitamente, deixar de ter como líder partidário o líder do País, para que o Presidente da República possa agir nos seus actos de representação do Estado e de governação sem as amarras do partido, porque as amarras do partido são muito grandes. Isso não quer dizer que ele não tivesse que seguir a linha do partido. Vou dar um exemplo para ficar claro: Nos Estados Unidos, o Presidente não é o líder do Partido Democrático neste momento, o Partido Democrático tem as suas lideranças. Então, se começássemos a adoptar mecanismos deste género, poderíamos, então, iniciar um processo em que a separação do partido e do Estado começasse a ser mais nítida.

Por outro lado, quando falo de despartidarização, também estou a falar da exigência exagerada que existe no nosso País da militância do partido vencedor para ser nomeado para determinados cargos de chefia. Eu admito, perfeitamente, que um ministro, um secretário de Estado, um governador tenha que ter confiança política do Presidente da República, isso é absolutamente natural. Mas isso já não é natural quando estamos a falar de um director do hospital, de um director de uma escola, de um director de uma instituição científica, não faz sentido nenhum. Então, se iniciarmos com este tipo de prática, nós, aos poucos, poderemos vencer este imbróglio que existe no País. Deixa-me acrescentar algo que me parece importante: este tipo de cultura gerou outra situação que é a polarização que existe no nosso País entre os dois grandes partidos. Aqui ou se é do Petro ou do 1.º de Agosto. Não se aceita que alguém possa não ter um clube, ou seja, não se aceita que alguém não seja militante de um partido. O estatuto de independente na sociedade não é reconhecido, porque basta eu fazer uma crítica ao Governo ou um elogio ao mesmo, sou logo conotado ou sendo da oposição, ou sendo um aficcionado do governo. E não é nada disto. Um independente que se prese é aquele indivíduo que, em determinadas circunstâncias, pode dar razão, pode estar de acordo com uma prática governativa ou estar contra. Isso é a coisa mais natural deste mundo, mas, no nosso País, ainda não é natural. Isso não pode continuar a acontecer.

Falou de despartidarização e falava que este processo devia acontecer. Não se começou?

Não.

Não?

Não. Nos primeiros anos do mandato anterior, pareceu que iria haver algumas mudanças. Se repararmos, o protagonismo do partido no poder, nos primeiros anos do mandato anterior, foi muito menor do que era. Mas, aí a partir de mais ou menos no meio do mandato, o partido no poder voltou a ter o protagonismo que sempre teve e, portanto, não se pode falar de despartidarização. Estou convencido de que o MPLA foi penalizado nas eleições, exactamente porque manteve esse tipo de prática.

Acredita que podemos iniciar este processo agora que começa este mandato? Pessoalmente, acredita, tem expectativas?

Quando me fazem uma pergunta deste tipo, eu respondo sempre que é preciso separar o desejo das expectativas. Eu desejaria e muito que fosse assim, mas confesso que a minha expectativa não é grande.

Este cepticismo tem a ver com a actual estrutura do Governo? Onde é que ele se assenta?

O meu cepticismo deriva do facto de que... creio que, hoje mesmo [terça-feira, 21] o Jornal de Angola que vai haver conferências do partido em oito províncias, para eleger novos primeiros-secretários que, em princípio, serão os novos governadores, e isso indicia que a prática vai continuar a ser a mesma.

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