A cor causa estranheza. Originalmente estava pintada de branco, conta. As referências a Sabino Luís Martins também não batem certo. Sempre o conheci por Sabino Correia, esclarece.

Finalmente, os rumores sobre a selecção de outro projecto como primeiro classificado do concurso público soam destoantes. Talvez tenham existido questões internas do júri [para conciliar], mas, segundo os resultados divulgados, eu e o meu colega Sabino fomos os únicos vencedores. De recordação em explicação, partilhadas com o NJ através de email - num contacto mediadopela filha Aline - António de Sousa Mendes revisita capítulos pouco conhecidos de uma das obras mais emblemáticas de Luanda: A Igreja da Sagrada Família.

O projecto foi feito fora das horas de trabalho, com muitas noitadas e o apoio de pelo menos três desenhadores e um maquetista, reconstitui o arquitecto, de volta aos primeiros esboços do edifício, rabiscados em parceria com o então colega Sabino Correia. Há muito desencontrado do percurso do ex-parceiro nos Serviços de Obras Públicas da capital - de quem só voltou a ouvir falar recentemente, por força de ecos da sua pretensa morte -, Sousa Mendes vasculha com a ajuda da mulher e dos dois filhos as memórias do projecto.

A começar no concurso público: Embora a inauguração da igreja tenha acontecido em 1964, a escolha do projecto efectuou-se algures em 1956. Na minha opinião, a apresentação da maqueta foi uma mais-valia, já que os restantes concorrentes não o fizeram. Também tivemos a preocupação de manter na planta princípios tradicionais, levando para os alçados uma maior liberdade de concepção, com traça mais moderna, descreve o arquitecto, sem esquecer a atenção dedicada às condições climáticas, no sentido de garantir uma boa ventilação.

Hoje, 50 anos vividos desde a inauguração da Sagrada Família, aromaria de fiéis, curiosos e estudiosos mantém o carácter renovável. O milagre da paróquia Esta é uma igreja que tem sido muito estudada pelas novas gerações, em termos de estrutura arquitectónica, destaca o padre Joaquim Eugénio, há quase 10 anos no comando da paróquia. Além das visitas de turistas e estudantes de arquitectura, que vêm para cumprir tarefas atribuídas pelos professores, o pároco destaca a preferência dos crentes, extensiva a fiéis de outras paróquias. Basta perceber que não termos um casamento aqui à sexta-feira é uma excepção.

Quando isso acontece, nós, padres, até brincamos: Hoje há um milagre na paróquia. Apesar de observar que a localização privilegiada, no coração da cidade, ajudou a transformar a obra numa referência de Luanda, o sacerdote destaca o facto de a construção preservar características de uma arquitectura moderna e especial dentro do contexto das igrejas.

Os traços distintivos, continua o padre Eugénio, evidenciam-se até mesmo entre as curvas do trânsito. Creio que se não for a única, é das poucas que está sinalizada até nas vias públicas. Quem vem do aeroporto ou do São Paulo vê facilmente as indicações para chegar à Sagrada Família. Os múltiplos atributos não chegam, contudo, para apagar as marcas dos anos, visíveis nos desalinhos de pintura e desgaste da construção. O tempo não perdoa e, à medida que vai passando, a igreja precisa de maiores cuidados. Por isso, há empenho no sentido de a recuperarmos para conservar toda a sua beleza, revela o pároco.

A cerca de 6 mil quilómetros de distância, o esforço não passa despercebido ao olhar de António de Sousa Mendes. No seu Portugal de origem, para onde regressou antes mesmo da construção da Sagrada Família - que visitou pelo menos duas vezes, a última antes da Independência -, o arquitecto redescobre a obra através de fotografias. Descontada a estranheza em relação à cor actual, Sousa Mendes foca a atenção nos esforços de preservação: Gosto de ver a igreja bem cuidada.

A homenagem ao arcebispo

Para além de imortalizar a obra arquitectónica, o esmero perpetua uma homenagem religiosa. A igreja foi fundada para celebrar os 50 anos da ordenação sacerdotal do primeiro arcebispo de Luanda, Dom Moisés Alves de Pinho, conta o padre Eugénio, desfiando a origem do nome da paróquia, confiada ao próprio homenageado.

Na altura da inauguração, ele preferiu consagrá-la à Sagrada Família de Nazaré. Mais do que decidir a denominação da Igreja, o arcebispo terá sido decisivo na escolha da sua personalidade arquitectónica. Lembro-me de receber reacções muito positivas sobre a obra, e até de algumas críticas, também favoráveis, publicadas em jornais, recorda Sousa Mendes, destacando as boas apreciações de D. Moisés Alves de Pinho, um dos jurados do concurso.

A sua opinião marcou-me, assinala, sem esquecer que vários outros membros do júri manifestaram igualmente o seu agrado. Os louvores ao projecto estenderam- se ainda a um dos candidatos vencidos, António Campinos, que, tal como a dupla vencedora, trabalhava no Serviço das Obras Públicas. Contudo, ao contrário de Sousa Mendes e Sabino Correia, que uniram contributos a partir do desafio lançado pelo primeiro, Campinos optou por avançar sozinho e fazer disso segredo.

Só quando tocámos no assunto é que ele disse que também estava a concorrer, reconstitui o arquitecto, cuja trajectória promete introduzir um novo marco nos anais das celebrações da Sagrada Família, abrilhantados pela visita do falecido Papa João Paulo II, em 1992. Pena não termos sabido antes do arquitecto, diz o padre Eugénio, entusiasmado com a descoberta: Vamos precisar de homenageá-lo, pelo menos com uma bênção papal, antecipa, lembrando que a galeria de históricos da paróquia ganhou um novo representante.

Por graça divina, é de salientar que todos os padres que foram titulares da paróquia estão vivos. Um por um, segundo a ordem de chegada, Joaquim Eugénio enaltece o contributo dos portugueses Lucas Mendes e José Bernardo, dos brasileiros Nazareto Magalhães, Dionísio e Rodolfo, e do seu antecessor, o angolano João Pedro. Tudo sem esquecer o apoio de um grupo muito vasto de colaboradores sacerdotes que passaram pela Igreja. Desde 12 de Abril de 1964.