O Novo Jornal assistiu ao primeiro dia do projecto: Viu como semblantes tristes de crianças, com doenças graves como tumores, anemia ou bactérias no estômago, mudaram quando entraram na sala do ABEL, no HPDB.
O projecto é inspirado no Abel, um jovem que vivia na rua, com um grave problema de saúde, conta Olga Leite, a "mãe" deste conceito de classe hospitalar, novo em Angola, e que deu os primeiros passos no Hospital Pediátrico David Bernardino (HPDB).
"Graças à generosidade e profissionalismo de uma equipa médica, o jovem Abel foi internado para cirurgia, e foi no Hospital Pediátrico David Bernardino (HPDB) em Luanda, que escreveu as primeiras letras e fez os primeiros desenhos. É um jovem muito talentoso que aproveitou a oportunidade. Hoje continua a estudar, gosta de futebol, aprendeu valores fundamentais de generosidade. Foi neste âmbito que sentimos que o hospital é um espaço que também tem a cura para a aprendizagem e conceitos de cidadania", explica.
As crianças hospitalizadas ou em tratamentos crónicos (em particular as dependentes de hemodiálise), impossibilitadas de irem à escola, passaram a ter acesso à alfabetização e educação para a cidadania dentro do hospital, graças a uma equipa de professores do ensino básico e de educadores de infância.

O projecto foi criado nesta dimensão para reavivar a estes meninos em idade escolar, que diariamente enfrentam sérios problemas de saúde - e muitos acabam por perder o ano lectivo, que é possível aprender a ler, a escrever...e a ser.
É o caso da Stela Gonga, que faria, este ano, a 7ª classe, mas devido à doença não está a estudar, apesar de a sua matrícula ter sido feita em Agosto.
Com 12 anos, residente em Luanda, a menina está hospitalizada há dois meses, por causa de uma bactéria no estômago. Quer muito voltar à escola no próximo ano lectivo 2026/2027, porém confessou que vai passar a frequentar a sala adaptada no hospital, "para continuar a poder ler e escrever".
"A classe hospitalar não vai ser uma escola com um plano curricular rígido, o objectivo é a alfabetização é trazer algum conhecimento às crianças, tendo como o principal foco a alegria, o amor e a estabilidade emocional, no sentido de ajudar a crianças a não se verem como doentes, disse ao Novo Jornal a "mãe" do projecto, Olga Leite.
"O projecto ABEL pretende ainda dar um forte contributo no equilíbrio emocional e psicológico às crianças e adolescentes hospitalizados, transformando o ambiente hospitalar num espaço humanizado, onde se aprende a ler e se contam histórias e onde também é possível sonhar", contou.
Gerson Magalhães, de 13 anos, tem um tumor que sobressai no seu rosto de criança. Sonha ser um advogado e contou ao Novo jornal que se sentia sozinho na cama daquele hospital. Foi um dos muitos que se juntaram de forma eufórica, para se socializar, aprender e fazer novas amizades na sala do projecto ABEL.
"Gosto de ficar aqui, para me divertir e aprender", disse Gerson Magalhães.

A pequena Maria Nkengue, de seis anos, proveniente do Zaire, entraria pela primeira vez para o sistema de ensino neste ano lectivo 2025/2026. No entanto, isso não chegou a acontecer, porque no princípio do ano teve de sair de sua provincia para Luanda para fazer tratamento.
A criança vai aprender as primeiras letras na sala de aulas adaptada no hospital, e, apesar de ser de poucas palavras, via-se nos seus olhos a emoção de sair da cama para uma sala onde iria interagir com outras crianças e aprender o básico.
Olga Leite conta que depois da criação do projecto, a procura de professores formados na área e com tempo para cuidar destas crianças "que merecem uma atenção redobrada devido ao seu estado patológico" foi um outro desafio, que acabou por ser superado.
Entre angolanos e portugueses, a escola conta com três professores e uma coordenadora que partilham uma única sala, em momentos distintos. Os meninos aprendem matemática, língua portuguesa, inglês, educação musical e desenho.
Evaristo Morais, professor angolano, exerce há seis anos e manifestou-se feliz por fazer parte da equipa, ressaltando que "não é muito difícil ensinar uma criança que padece de uma enfermidade, apesar de os cuidados serem redobrados".
Para a professora de música Teresa Correia, uma voluntária portuguesa, "o sorriso das crianças adoentadas é mais satisfatório do que qualquer recompensa".
"Vamos proporcionar momentos de alegria, de paz, apesar não conseguirmos tirar as dores e as doenças do corpo dos meninos", destacou a professora.
Para os encarregados de educação destes meninos, "este projecto no hospital pediátrico vai melhor bastante no humor e disposição das crianças, de maneira a acelerar o processo de recuperação".
Alguns pais disseram ao Novo Jornal que muitos acabam por ficar deprimidos ao verem os seus filhos naquelas condições, mas manifestaram-se felizes por esta iniciativa que veio para melhorar a rotina dos pacientes.
"É muito gratificante esta iniciativa, porque as pessoas estavam a ficar deprimidas", manifestou Maria Evaristo, que está com o seu filho há seis meses no hospital".
Dialongana Salomão, que se encontra com o seu filho hospitalizado também há seis meses, disse que ficou emocionado a ver o menino, que estava debilitado, a brincar na sala, realçando que a felicidade não é só pelo seu filho, mas por todas as crianças doentes.
"Um gesto que voou mais alto" - o começo do projecto ABEL
Posto no terreno com a ajuda de voluntários individuais e corporativos, o projecto materializou-se graças ao apoio de elementos da sociedade civil e empresas angolanas e internacionais, norteados por princípios de humanização.
O jovem que dá nome ao projecto, Abel, tem 15 anos e era um menino de rua que teve a sorte de se cruzar com Olga Leite na Baía de Luanda, em Junho de 2024. A portuguesa, há vários anos a morar em Angola, acabou por levá-lo para o Hospital Pediátrico David Bernardino por estar tão debilitado.
Abel não sabia ler nem escrever, mas, enquanto decorria o tratamento, Olga Leite comprou-lhe cadernos e livros de alfabetização para passar o tempo e o adolescente começou a escrever as primeiras letras dentro do hospital.
"Cada dia que passava na cama daquele hospital, o Abel evoluía na escrita e fazia desenhos cativantes. Meses depois do tratamento, o adolescente saiu do hospital curado e aprendeu a ler e a escrever", conta a "mãe" deste projecto.
"Actualmente, o adolescente, que vivia sem família nas ruas de Luanda, encontra-se abrigado num centro de acolhimento, onde, com ajudas dos membros do projecto, foi registado e enquadrado no sistema de ensino", explica.
"Se deu certo com o Abel porque não tentar com mais crianças?, questionou-se Olga Leite. Foi assim que no fim de 2024 foi elaborado o projecto ABEL e, em 2025 o primeiro conceito de classe hospitalar em Angola foi materializado.
"O que era para ser um simples gesto, voou mais alto", diz Olga Leite, explicando que "independentemente de cada uma das patologias de que padecem, são crianças que merecem brincar, desenhar, a ouvir uma história, música, ter um ambro amigo e estar fora da enfermaria num contexto de aprendizagem que também pode ser sério".

Sem olhar para as dificuldades que teriam durante a criação do projecto, Ana Nobre, outra participante desta iniciativa, aceitou o desafio de Olga Leite e decidiu dedicar-se ao projecto.
Conta que uma das suas motivações foi a morte de uma menina, que aconteceu literalmente nos seus braços. Depois desta trágica memória, sentiu que devia fazer alguma coisa para ajudar os pacientes do hospital pediátrico e os seus encarregados de educação.
"Dediquei-me a este projecto para promover o ensino destas crianças, que muitas vezes em casa não é promovido, por vários factores", declarou Ana Nobre, acrescentando que estes meninos precisam de ser motivados, não só porque estão doentes, mas também porque têm de sonhar e por serem o futuro do País.
Nesta fase inicial do projecto, os pacientes do Hospital Pediátrico David Bernardino, crianças e adolescentes, são os principais beneficiários. No entanto, a organização pretende expandir o ABEL a outros hospitais, "num futuro não muito longe", contando sempre com vários parceiros, que desde o início têm oferecido apoio, desde as carteiras aos materiais didáticos e aos uniformes.








