O primeiro ponto a destacar é a intenção de integrar a vacinação de forma definitiva nos cuidados primários de saúde. Trata-se de uma mudança de enfoque: a imunização deixa de depender apenas de campanhas intensivas e passa a ser pensada como serviço contínuo. Esta integração, se bem executada, tende a reduzir desigualdades territoriais, melhorar a previsibilidade do calendário vacinal e reforçar a capacidade dos centros de saúde municipais.
A estratégia sublinha ainda a necessidade de colmatar lacunas históricas, como a existência de crianças com zero doses - um indicador que reflecte não apenas distância geográfica, mas falhas no acompanhamento comunitário. Ao priorizar esse grupo, o Ministério tenta alinhar o país às metas internacionais de cobertura equitativa. Do ponto de vista de saúde pública, a atenção às crianças não vacinadas é uma medida essencial para reduzir riscos de surtos, sobretudo de sarampo, poliomielite e tétano neonatal.
Outro elemento relevante é o reforço das cadeias de frio (leia-se: sistemas completos de conservação, armazenamento, transporte e distribuição de vacinas) e dos mecanismos de vigilância epidemiológica. A manutenção da qualidade das vacinas continua a ser um desafio nacional, especialmente em zonas rurais onde a energia eléctrica é instável e os sistemas de armazenamento são frágeis. O documento aponta para a necessidade de investimentos nessa área, o que poderá contribuir para reduzir perdas, melhorar a logística e aumentar a confiança dos profissionais de saúde nas campanhas.
As metas estabelecidas para 2030 são ambiciosas, mas plausíveis se houver coordenação e continuidade. Entre elas destacam-se: 90% de cobertura vacinal; eliminação do tétano neonatal; manutenção da interrupção da transmissão do poliovírus selvagem; redução substancial do número de crianças com zero doses; resposta epidemiológica mais rápida e consistente a surtos.
É igualmente relevante a articulação com outros programas, como a recente campanha de vacinação contra o cancro do colo do útero, que prevê atingir mais de dois milhões de adolescentes. A estratégia aponta para a necessidade de avaliações regulares, com dados fiáveis, para medir impacto e identificar áreas críticas. Essa abordagem baseada em evidências é uma condição necessária para evitar retrocessos e corrigir falhas a tempo.
Os desafios operacionais permanecem significativos. A disponibilidade de recursos humanos, a formação contínua, a logística de transporte, a aderência comunitária e a comunicação institucional são elementos decisivos para que as metas sejam atingidas.
No plano prático, a estratégia pode produzir efeitos mensuráveis se houver continuidade de financiamento, estabilidade institucional e monitorização efectiva. As metas só serão alcançáveis se os centros de saúde forem equipados, se as equipas de terreno forem reforçadas e se a população for adequadamente informada. A experiência das campanhas anteriores mostra que a adesão comunitária depende de proximidade, clareza e confiança. Sem isso, nenhum plano técnico se traduz em resultados.
A avaliação recente das campanhas de vacinação - nomeadamente a de poliomielite e a de sarampo nas províncias do Cuanza-Sul, Cuando, Cubango, e Huíla - evidencia que o País continua a enfrentar focos de resistência vacinal e dificuldades logísticas. Mesmo assim, registam-se melhorias em alguns indicadores, reflexo da actuação conjunta entre Estado e parceiros. O documento aprovado aponta, justamente, para a importância de consolidar essas melhorias e reduzir a oscilação dos resultados.
A Estratégia Nacional de Imunização 2026-2030 é um instrumento de orientação que, se seguido com rigor, poderá fortalecer a resiliência do sistema de saúde. Ela responde a uma necessidade antiga: transformar a vacinação de um conjunto de iniciativas episódicas num serviço previsível, estruturado e acessível.
O desafio começa agora: transformar metas em resultados concretos e garantir que a prevenção se torne um eixo permanente da saúde pública em Angola. n

*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto