O INAC está satisfeito com a situação da criança no país?

Somos uma instituição de advocacia criada em 1991 com o principal objectivo de promover os direitos das crianças e investigar a sua situação naquilo que são os aspectos que podem colocar em risco a situação da criança.

Sendo a criança absoluta prioridade nós, enquanto Instituto de advocacia não podemos de forma nenhuma estar satisfeitos com a situação, quando nos deparamos com casos de violação sexual, de abuso.

Quando nos confrontamos com pais que não assumem a sua responsabilidade, crianças não cuidadas, negligenciadas, rejeitadas, com um impacto bastante negativo na sua saúde física e psíquico-emocional.

Casos desta natureza criam muitos traumas irreversíveis na vida da criança. Não podemos de forma nenhuma estar satisfeitos e isso dá-nos mais força para continuarmos a trabalhar em prol da defesa e promoção dos direitos das crianças.

Quais as vossas maiores preocupações?

A base do nosso trabalho é a prevenção. E temos outras componentes como a fiscalização, supervisão, acompanhamento, aconselhamento no âmbito dos sectores que fazem parte do sistema de protecção e desenvolvimento integral da criança, conforme estabelece a lei 25/12 sobre protecção e desenvolvimento integral da criança.

Esta lei compila vários instrumentos jurídicos e permite que o país tenha uma lei que agrupa e responsabiliza os sectores que fazem parte do Conselho Nacional da Criança. Os que fazem parte efectivamente da realização dos direitos, incluindo a instituição mais vocacionada que é a família. A nossa maior preocupação vai para o índice de negligência por parte das famílias, que é alto.

O facto dos adultos não assumirem a sua responsabilidade enquanto orientadores, educadores, professores. Enquanto pessoas mais ligadas às crianças que devem passar o testemunho, proteger, cuidar, essa é uma grande preocupação.

A família é a responsável pela situação que a criança angolana hoje vive?

Quando uma criança está com um comportamento inadequado, de risco ou entra em conflito com ela própria ou com o próximo é porque em algum momento da sua fase de crescimento, desenvolvimento, até mesmo na fase de gestação, houve alguma ruptura, dificuldade, vazio, ou falha de um adulto, que causou este transtorno.

Que complicou este processo de crescimento. Temos hoje crianças resultado destas situações que foram surgindo ao longo do crescimento. Outro aspecto são os números de casos de abandono por parte dos pais. Muitas crianças são órfãs de pais vivos. Por exemplo, no ano passado registámos no INAC 1601 casos de crianças abandonadas. Se juntarmos a estes os casos que não chegam à nossa instituição, podemos considerar a situação de preocupante. Precisamos de potenciar a família com conhecimentos para dotá-la de capacidades para gerir as adversidades e poder cuidar bem das nossas crianças.

Existem programas em cursos de integração com as famílias?

Temos alguns, embora numa fase incipiente. No caso dos serviços centrais temos um gabinete de apoio psico-social. E é oportuno agradecermos aos voluntários que nos têm ajudado a estender este serviço a todas as pessoas que precisam.

Quando os pais nos procuram remetemo-los para este serviço, mas ainda assim é incipiente porque o número de quadros que fazem este serviço de apoio psico-social ainda é muito reduzido para a demanda que temos. Há aspectos em relação aos quais precisamos de nos acautelar.

A família deve-se engajar mais no processo de crescimento da criança. Precisamos de dialogar e de aprender a ouvir a criança porque também tem opinião.

Qual tem sido a posição do INAC nos casos de crianças acusadas de feitiçaria?

Entre 2006 a 2011 este fenómeno floresceu e ganhou alguma dimensão. Mas graças ao trabalho das redes de protecção e das instituições religiosas, reduziu. Nenhuma criança nasce feiticeira. Existem adultos que se aproveitam da vulnerabilidade e da inocência da criança para justificar alguns actos. Este fenómeno está ligado a questões culturais. Práticas culturais que têm muito a ver com a identificação de práticas positivas que podem promover os direitos, como também existem as negativas que podem violar os direitos das crianças.

O Executivo e em particular o Ministério da Cultura, (e nós estamos preocupados com esta situação) temos estado a alcançar resultados bastantes positivos, porque há uma interacção muito grande das autoridades tradicionais na implementação dos compromissos a favor da criança.

A assunção dos 11 compromissos permite-nos ter no país uma estrutura como o Conselho Nacional da Criança, um mecanismo que reforça a protecção da criança. Mas, isso não tira responsabilidades às famílias. Pelo contrário. As obrigações da família acabam por ser uma das formas de cumprir com os direitos complementando a acção que o governo está a desenvolver em prol das crianças.

Estes 11 compromissos têm sido implementados na sua íntegra?

É um processo. O crescimento da criança é um processo. A solidificação das famílias é um processo. A implementação dos 11 compromissos também é um processo. Se me perguntar como está o nível de implementação desde 2007 até hoje, diria com toda certeza e confiança que cresceu.

Houve melhorias bastante significativas. Porque ao assumirmos os 11 compromissos a favor da criança também definimos as prioridades para cada um dos sectores. E várias acções resultaram da criação efectiva do Conselho Nacional da criança como órgão de concertação social que envolve o Estado, as Nações Unidas e as crianças, com opiniões sempre tidas em conta. Por isso é que há este progresso.

Há um horizonte temporal para a sua aplicação?

Não pode haver um horizonte temporal porque todos os dias nasce uma criança. Significa dizer que a nossa pretensão é sempre ir melhorando, dando mais competência à família. Aos sectores que dão respostas social às questões das crianças para efectivamente melhorar a qualidade dos serviços. Por exemplo, se levarmos a todos os municípios os serviços materno-infantis estamos a torná-los acessíveis.

Se trabalharmos na humanização destes serviços estamos a contribuir para a interacção entre a criança e mãe da criança. Enquanto Instituto Nacional da Criança temos o grande desafio de expansão das redes de protecção à criança. Porque é na comunidade onde ela está. É lá onde deve estar o olho clínico, fiscalizador, para que, numa eventual situação, os órgãos reagirem de imediato. É nesta senda que o Executivo está a trabalhar para que todos os compromissos e todos os programas e projectos sejam cabimentados e orçamentados para que possamos, efectivamente, dar resposta necessária, célere, eficiente e de qualidade.

A situação da criança não será o reflexo do estado da família angolana hoje?

Podemos ver a questão de uma outra forma. Se cada um de nós assumir que o amor deveria ser amar e utilizar este sentimento para nos unirmos mais e melhor? Se assumíssemos de facto que fazer o bem faz bem! Não haveria necessidade de haver leis que condenem este ou aquele infractor por causa de um determinado comportamento. Estaríamos conscientes que enquanto família, enquanto seres humanos, temos uma responsabilidade para cuidarmos de outro ser humano tão vulnerável como é a criança. A família é de facto a primeira instância que deve ser chamada a cuidar de uma criança. A criança deve ter sempre a absoluta prioridade na família.