Este empresário percebeu a tempo e, com alguns cliques na internet, concluiu que não só a jovem de beleza "desafiante" que lhe entrara pela janela virtual das redes sociais era falsa, como os agentes que mais tarde lhe ligaram na tentativa de consumar a chantagem e posterior extorsão também não existiam, de facto, sendo as suas fotos "pescadas" online para pressionar e impressionar no Whatsapp.

A ideia, se José de Sousa não tivesse percebido a tempo, era acusá-lo de pedofilia por ter trocado imagens íntimas com, afinal, uma "menor", e a acusação de possível homicídio involuntário ser-lhe-ia explicada posteriormente por um falso oficial da Polícia Nacional devido a um acidente grave ocorrido com a igualmente ficcionada mãe da "menina" ao descobrir a relação "vergonhosa" que esta mantinha com um homem adulto.

José de Sousa, que na vida real é um indivíduo com uma posição importante na sociedade angolana, não chegou a ser extorquido, mas o mesmo não sucedeu com outras vítimas, que, com medo de eventuais danos reputacionais, profissionais e familiares, aceitaram pagar.

E pagar é, logo a seguir a fornecer informação importante sobre a sua vida profissional e pessoal que depois é usada contra si, o maior erro que este tipo de "alvos" podem cometer, como explicou ao Novo Jornal o superintendente-chefe Manuel Halaiwa, porta-voz do Serviço de Investigação Criminal (SIC).

Há, efectivamente, cada vez mais casos de tentativa de extorsão de pessoas com posições relevantes na sociedade angolana que começam com alegadas jovens beldades a pedirem amizade no Facebook, passam por troca de fotos íntimas e acabam com falsos agentes da polícia a chantagearem as vítimas acusando-as de pedofilia e outros crimes.

O crescente número de tentativas de extorsão por este método está no radar do SIC, mas a investigação é prejudicada quando as vítimas optam por não avançar com a participação criminal temendo danos reputacionais profissionais ou familiares.

Os casos de tentativa de extorsão com maior crescimento em Angola começam quase sempre com pedidos de amizade nas redes sociais usando como "isco" jovens e belas raparigas, feitos a homens escolhidos através de informações disponíveis nos seus perfis ou, não menos vezes, ao acaso.

Este conhecimento online visa a troca de fotografias íntimas e posteriormente a manipulação do "alvo" através de chamadas de alegados oficiais da Polícia Nacional, via Whatsapp, alguns com a farda oficial, o que pressupõe que também ocorra o uso indevido de perfis de polícias verdadeiros.

É aqui que se dá início ao esquema de extorsão, com algumas variações, mas com este fio narrativo por base, alicerçado na acusação de que a jovem é menor e que, por acaso, ou é uma jovem conhecida ou mesmo familiar do alegado elemento da polícia que procura conduzir esta pessoa para uma posição entre a espada (pagar a chantagem) e a parede (detenção iminente e processo judicial).

O Novo Jornal teve conhecimento de vários casos, alguns dos quais levaram mesmo as vítimas a espalhar avisos pelos seus grupos nas redes sociais advertindo para a existência destes esquemas criminosos.

Num desses casos, tudo começou quando José Sousa (nome fictício), com uma posição destacada numa empresa angolana, recebeu um pedido de amizade no Facebook, de uma mulher bem-parecida mas com um perfil falso, nada indicando ser uma menor de idade, com quem acaba por trocar mensagens, sem ter aceitado o pedido de amizade inicial.

Esta conversa introdutória, cautelosa, levou alguns dias até que chegou ao momento em que ocorre a troca de fotos íntimas, os "nudes", o que reforça o contexto para que seja proposto, pela alegada mulher, um encontro a José de Sousa, já com a troca de números de telefone efectuada.

Neste caso, que foi relatado ao Novo Jornal por José de Sousa, tal encontro não aconteceu, mas, logo a seguir, é contactado de outro número, via Whatsapp, por um alegado superintendente-chefe da Polícia Nacional, que se apresenta como próximo da família da jovem, informando-o, em tom de ameaça, que se trata de uma menor e que a troca de fotografias íntimas constitui crime de pedofilia.

O Novo Jornal soube ainda que, quando se trata de um cidadãos estrangeiro, português, quase sempre, devido à língua, a vítima recebe chamadas de um alegado inspector da Polícia Judiciária portuguesa (polícia similar ao SIC) aconselhando-o a que trate do caso com o oficial da PN com quem tinha já falado antes que o assunto entre nos procedimentos normais e ocorra a detenção.

Existem ainda situações, relatadas ao Novo Jornal, em que a "quadrilha" alega ter ocorrido mesmo um acidente grave com uma familiar da menor quando descobriu o seu "relacionamento", forjando declarações de entidades sanitárias, como a delegação provincial de saúde de Luanda (ver foto no texto), exigindo à vítima que pague as custas hospitalares antes que seja tarde demais, podendo mesmo ser acusado, além de pedofilia, de homicídio involuntário.

Foto: CRÉDITO

Como explicou ao Novo Jornal Manuel Halaiwa, superintendente chefe e porta-voz do Serviço de Investigação Criminal, este contexto de pressão é criado para levar a vítima a sentir-se sob pressão e ceder às chantagens, motivado pela necessidade de evitar danos reputacionais profissionais ou familiares, que é com o que estes indivíduos contam para concluir com sucesso este tipo de crime de extorsão.

"E, em muitos casos, é a vítima que facilita a vida ao criminoso, cedendo-lhe, primeiro as informações que disponibiliza nas suas redes sociais, depois informações que cede nas conversas, como cargos profissionais que ocupa e outros, e depois cedendo mesmo o número de telefone através do qual o processo de tentativa, e por vezes, efectiva, extorsão decorre", explica o oficial.

Manuel Halaiwa confirma ao Novo Jornal que este tipo de casos de tentativas de extorsão, ou de extorsão consumada, se acumulam, avançando que já várias pessoas foram detidas e condenadas, mas que o trabalho dos investigadores é muitas vezes dificultado porque "as vítimas não avançam de forma decidida com as respectivas participações criminais".

"Alguns dos casos que nos chegam - ao SIC - são de pessoas que nos pedem conselhos oficiosamente, porque preferem não o fazer oficialmente na forma de participação criminal devido aos riscos de exposição e eventuais prejuízos profissionais ou familiares", lamenta o oficial da investigação criminal.

Mas este comportamento é "totalmente errado" porque uma participação criminal sólida e sem recuos é, sublinha Manuel Halaiwa, "essencial para que os investigadores possam contar com todas as ferramentas legais na perseguição a estes indivíduos".

O superintendente-chefe frisa que "em momento nenhum podem ser feitas cedências" aos criminosos, porque esse passo "é um convite à continuação do crime", havendo mesmo o risco de a chantagem continuar, aconselhando "todos aqueles que se encontrarem nesta situação a pensar que quem não deve não teme e seguir em frente pela via judicial".

Manuel Halaiwa asseverou ao Novo Jornal que o SIC já procedeu à detenção de vários indivíduos e grupos organizados em torno deste tipo de crime, mas, apesar desse registo ser até extenso, o crime parece compensar devido à relutância das vítimas em tornar as queixas em processos crime e fornecer aos investigadores toda a informação por receio, quase sempre infundado, de isso poder levar a algum tipo de exposição pública.

É por isso que o oficial do SIC insiste na ideia de que, ao contrário do que sucede muitas vezes, "não deve ser feita nenhuma cedência" aos criminosos e, pelo contrário, deve ser feita de imediato uma participação criminal, porque "essa é a via mais célere para a recolha de provas" que permitam desmantelar estes grupos ou deter estas pessoas, sendo evidente que quando assim não é, "a investigação é muito mais difícil".

Manuel Halaiwa sublinha que actualmente o SIC está no terreno a investigar vários casos que envolvem ou estão ligados a este tipo de crime.