O juiz decidiu ditar a sentença no mesmo dia em que estavam agendadas as apresentações das alegações finais (as alegações finais são as últimas manifestações do advogado no processo antes de a sentença ser proferida), mas o que aconteceu é que as alegações nem chegaram a acontecer porque os advogados foram retirados da sala de julgamento.
A Lei diz que nestes casos o tribunal tem de nomear advogados oficiosos para defender os arguidos, o que não aconteceu, como constatou o Novo Jornal.
Na sessão desta quarta-feira, as partes foram notificadas apenas para darem corpos às alegações finais. No entanto, antes foram apresentados pretextos de excesso de prisão preventiva dos oito arguidos, entre eles um superintendente-chefe da Polícia Nacional.
A confusão começou quando o juiz da causa, Fernando Kiculo, quis partir directamente para as alegações finais, enquanto os advogados dos arguidos e o Ministério Público (MP) entendiam que se devesse abordar as questões prévias em que a tónica dominante era o despacho do próprio juiz, exarado dias antes, onde estendia o tempo de prisão preventiva dos acusados.
Com base na Lei, os advogados defendiam que os prazos de prisão preventiva dos arguidos estavam expirados e que estes deviam já estar em liberdade enquanto aguardavam a decisão do tribunal.
O advogado David José diz que no ordenamento jurídico angolano, o prazo de prisão preventiva cessa quando, desde o seu início decorrem quatro meses sem acusação do arguido.
"A alínea B do nosso ordenamento jurídico diz que é quando decorrerem seis meses sem o arguido ser pronunciado. A alínea C, 12 meses até à condenação em primeira instância, a D, diz 18 meses sem haver condenação com trânsito em julgado", refere.
O causídico sustenta que o juiz, ao prorrogar o prazo para mais dois meses, violou de forma grave a direito dos arguidos.
O Novo Jornal sabe que os arguidos estão em prisão preventiva há 14 meses e o juiz Fernando Kiculo, após tantas discussões, decidiu ditar em acta que dá sem efeito a decisão do despacho que havia exarado antes.
Por isso, os advogados e o representante do MP, António Verdade, exigiram que os arguidos fossem colocados em liberdade, imediatamente.
O magistrado pediu em tribunal que se promovesse a alteração da medida de coação, alegando que se o tribunal não o fizesse, estaria a colocar-se numa ilegalidade que clamava por um Habeas Corpus.
António verdade, o procurador do MP, disse que caso contrário, o tribunal estaria a violar grave e grosseiramente a Constituição.
Nem com esta posição do magistrado do Ministério Público, que acusou os arguidos, o juiz decidiu promover a liberdade dos acusados.
Foi assim que decidiu, de novo, ditar em acta, reiterando o seu posicionalmente anterior, ou seja, não alterando a medida de coação.
Daí, segundo os advogados, surgiu a confusão na sala de julgamento, "como se estivessem todos numa praça informal do País". "Uma coisa feia de se ver em tribunal", dizem.
A Polícia Nacional, assim como os efectivos do Serviço Prisionais, e os funcionários do tribunal, por sua vez, assistiam sem muito poderem fazer. Foi aí que os advogados decidiram sair da sala, sem fazerem as suas alegações finais e sem participarem na discussão dos quesitos.
O inédito aconteceu quando o juiz Fernando Kiculo, decidiu dar início ao julgamento, com a leitura do acórdão, com os arguidos a estarem sem advogados constituídos, ou então oficiosos a representá-los.
António verdade, o magistrado do MP, ao tomar a palavra, disse que há injustiça no julgamento, segundo a lei.
"É preciso que se oiça a voz do povo! A voz que traz aquilo que se produziu ao longo do julgamento. Não pode haver subjectivismos e condenar os inocentes e deixar os culpados de lado", disse o magistrado, visivelmente indignado, mas pedindo ainda assim a condenação de quatro arguidos e a absolvição de outros quatro, dos oito arguidos no processo.
Por sua vez, o juiz Fernando Kiculo, decidiu sentenciar o julgamento, condenando sete dos oito arguidos, a uma pena de nove anos de prisão maior, por tráfico de droga.
Apenas um arguido foi absolvido por insuficiência de provas, de todas as acusações, e foi mandado para casa. Os sete condenados foram ainda sentenciados a pagar uma taxa de justiça de 250 mil kz, a favor do tribunal.
Francisco Muteka, jurista, disse ao Novo Jornal que o tribunal ignorou de forma categórica a Lei e realçou que a atitude do juiz só mostra a fragilidade dos tribunais angolanos.
"O juiz nem sequer nomeou aos arguidos defensores oficiosos. Isso é uma ofensa absurda à liberdade do direito e da Constituição da República", disse.
Entre os arguidos condenados está um oficial superior da Polícia Nacional (PN), de 56 anos, com a patente de superintendente-chefe, afecto ao comando geral da Polícia, e seis funcionários da empresa DP World, que opera no Porto de Luanda.
O superintendente-chefe foi supostamente contratado pelos restantes arguidos para proteger a mercadoria ilícita na sua viatura em troca de 20 milhões de kwanzas, e era tido como o protector dos demais implicados.
Segundo a acusação, o navio atracou no Porto de Luanda no dia 13 de Maio de 2023, proveniente do Brasil, e estava carregado de contentores frigoríficos com diversas mercadorias.
Entretanto, entre os contentores que o navio trazia, estavam três que continham alimentos perecíveis, que também traziam escondidos no sistema de ventilação 38 pacotes de cocaína.
Conforme a acusação do MP, os arguidos, de forma consertada, participaram, cada um com tarefas específicas, na retirada das drogas no contentor, nas instalações da empresa DP World, localizada no Porto de Luanda.
A acusação refere que 16 pacotes foram movimentados e entregues a um dos acusados, para retirar o produto do Porto de Luanda, na sua viatura.
Um deles acabou sendo monitorado pelos operativos do Serviço de Investigação Criminal (SIC), do Porto de Luanda, que o detiveram em posse dos 16 pacotes de droga numa mochila.
Segundo o SIC, diligências foram feitas e detectou-se que no mesmo contentor havia outros pacotes de droga que foram aprendidos e levados para o laboratório, onde se concluiu tratar-se de cocaína.