Construído entre 1963 e 1965, o Bairro do Prenda, hoje com 58 anos, em acelerado estado de degradação por falta de manutenção e exposição aos elementos, tem uma importância histórica além da sua localização imponente sobre uma parte da cidade.

Essa relevância arquitectónica em Luanda vem ainda do facto de representar a "herança" da influência do mundialmente conhecido arquitecto suíço-francês Le Corbusier em África, através dos arquitectos e urbanistas Fernão Simões de Carvalho e Luiz Taquelim da Cruz, que o idealizaram no âmbito da expansão urbana de Luanda que decorria na década de 1960.

Apesar de se tratar de uma "jóia" da arquitectura luandense, a exposição ao tempo e aos elementos não poupou o Prenda e a degradação ao longo destes quase 60 anos é hoje visível em todos os seus blocos (lotes), desde a deterioração de pilares de sustentação a travessas, algumas delas apenas com impacto estético, fissuras em paredes até ao descolorido evidente e ao risco dos acrescentos feitos sem cuidado nem acompanhamento técnico especializado.

Isso mesmo ficou claro nas duas últimas semanas, com os sinais de iminente colapso do Lote 1, primeiro, que obrigou à evacuação do edifício, com quase meia centena de apartamentos, e, depois, já nesta segunda-feira, no Lote 9, com a queda de uma travessa, que acabou, depois de uma vistoria técnica, e com a presença do Governador de Luanda, Manuel Homem, além de equipas de Bombeiros e da Protecção Civil além especialistas do Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação, por se revelar menos grave do que se supunha inicialmente.

Os moradores deste edifício, com perto de 70 apartamentos, ficaram sob tormenta acrescida depois do que viram suceder aos vizinhos do Lote 1.

Apesar de terem voltado às suas casas, como o Novo Jornal constatou no local, esta terça-feira, 02, a quase generalidade dos moradores admite estar com receio de que uma tragédia possa suceder, precisamente porque tantos anos sem quaisquer cuidados de manutenção, dificilmente se pode dar como 100% garantido de que as noites serão sossegadas.

E é isso mesmo que o Novo Jornal ouviu da arquitecta Inocência Bucaca, que face ao que é o histórico deste loteamento, notando que há um acumulado de deterioração que é comum ao conjunto habitacional, "provavelmente os demais edifícios também passarão pela mesma situação se não receberem um tratamento técnico específico de imediato".

A falta de manutenção, segundo a arquitecta, é uma das principais causas da degradação destes prédios, que foram construídos há quase 60 anos e que estão a precisar de uma intervenção de fundo urgente.

A arquiteta Inocência Bucaca ressaltou ainda que, ao longo do tempo, sem reavivar a protecção, a "água da chuva causa rachas nas estruturas de betão e comento e quando não se intervém no momento, estas alastram com o tempo, tornando o edifício instável até que um dia fica claro que é um risco manter as pessoas nos seus apartamentos".

A arquitecta sublinha que a durabilidade de uma edifício resulta dos cálculos feitos pelos engenheiros face à localização, aos terrenos e à exposição aos elementos, ao clima regular da região, para a sua estrutura vital, mas uma manutenção bem feita ou a ausência dela pode alterar de forma radical o tempo de vida útil de um prédio como estes.

Face a este cenário, apesar de as equipas técnicas terem concluído que não existe risco imediato para os moradores, podendo estes regressar às suas casas na noite de segunda-feira para esta terça-feira, 02, estes, na generalidade, como verificou o Novo Jornal, não escondem o receio e defendem que seja feita uma intervenção adequada à revitalização da estrutura, além de definir um calendário para a manutenção, tanto deste como dos restantes blocos do Prenda.

A história

Como se pode ler na página do PIP (Património de Influência Portuguesa), o Prenda (foto como era nos anos de 1960), então denominado Unidade de Vizinhança nº1, foi elaborado entre 1963 e 1965, por Fernão Simões de Carvalho com a colaboração de Luiz Taquelim da Cruz, com clara influência de Le Corbusier e outros nomes grandes do urbanismo europeu e mundial, tendo em conta as necessidades sociais.

O Prenda, originalmente Unidade de Vizinhança nº1, estende-se por cerca de 30 hectares e conta com 22 edifícios residenciais, sendo "a integração de vários grupos sociais possibilitada através da definição de diferentes tipos de edifícios de habitação bem como alguns equipamentos, designadamente cinema e centros comerciais".

Esta Unidade, antes de ser envolvida por construção precária em grande quantidade, era composta por uma rua comercial e outra de acesso às habitações, tendo ficado por construir do projecto inicial vários equipamentos sociais, até porque o autor desta ideia de Unidade de Vizinhança, Fernão Simões de Carvalho, como se pode ler na página do PIP, "valorizou os aspectos socio-vivenciais em detrimento das questões climáticas, ou mesmo higienistas, que dominavam o planeamento nas colonias africanas".

"De qualquer modo o factor climático não foi completamente desprezado uma vez que foi adoptada, na escala da arquitectura, a solução em semi-duplex, que o arquitecto considera uma óptima solução para climas tropicais, pois facilitam uma boa ventilação transversal e nenhum dos blocos está implantado paralelamente às direcções predominantes do vento em Luanda (oeste-sudoeste: todo o ano / oeste-sudoeste e sul-sudoeste: de abril a junho)", diz ainda o mesmo texto (ver aqui) adaptado e escrito por Ana Tostões e Daniela Arnaut.