Todavia, e como já vamos entrar na segunda metade de Janeiro, percebemos que o Ano Velho continua, alegremente, estendido pelo Ano Novo. Não se vislumbra uma diminuição do impacto da pandemia, apesar de começarmos a diminuir o nosso confinamento, a contraciclo de outros países quer africanos, quer europeu, quer americanos.
E, honestamente, nem se entende como conseguimos estar em contraciclo, quando vemos imagens televisivas e fotográficas de enormes ajuntamentos, nomeadamente em Luanda, e a larguíssima maioria sem máscaras. Provavelmente possamos ser um case study para a OMS, dado apresentarmos poucos infectados e muitos recuperados. Em vez de a OMS ir à China tentar saber como e onde começou a pandemia, deveria vir a Angola ver como somos quase imunes...
Entretanto, o mundo e o País, em particular, não param. Recentemente, fiz uma análise para o jornalista Carlos Gonçalves, através do seu (nosso) programa radiofónico "Café Central", em emissão transmitida quase em simultâneo na RDP-África e na Rádio Nacional de Angola, onde abordei, entre outros aspectos, alguns tópicos que aqui reproduzo, para a reflexão:
2. Sobre Angola, a perspectiva que o impacto da Covid-19 diminua com vista a um melhor desempenho económico e financeiro do País, face a alguns problemas sociais que já vêm de 2020, mas que podem tornar-se maiores em 2021, caso a pandemia não permita que as expectativas governamentais de investimento e criação e emprego sejam uma realidade. Continuamos fortemente dependente do petróleo e da sua enorme volatilidade no que tange aos preços do barril e que deveremos começar a ter em conta e à impulsão que as energias alternativas começam a ter nos países compradores, levando-os a comprar menos crude e, nalguns casos, com o avanço do hidrogénio, a diminuir a compra de gás, aliado ao facto de a maioria dos países europeus começarem a determinar o fim da era das viaturas de combustão fóssil. Nós, que tanto olhamos e vamos aos Emiratos Árabes Unidos, deveríamos começar a partilhar a forma como eles se estão a preparar para o fim da era petróleo! Mas, na realidade, só pensamos em visitas...
Ainda assim, as expectativas económicas e financeiras parecem angariar uma opinião favorável do Fundo Monetário Internacional (FMI) que, recentemente, anunciou ter desbloqueado de 487,5 milhões de dólares, ao abrigo do Mecanismo de Financiamento Alargado, mesmo face ao que à pandemia e ao registo de fracas receitas na indústria petrolífera diz respeito.
Mas não será só o problema económico - e o enorme desemprego que, ainda recentemente Sérgio Piçarra tão bem caracterizou num cartoon no Novo Jornal - que deverá centrar nas preocupações do Executivo do Presidente João Lourenço. É certo que este nunca afirmou quando seriam as eleições regionais autárquicas, mas deixou implícito que as mesmas poderiam ser a breve prazo. Ora, o prazo aceitável é 2021, sob pena de a população começar a descrer da vontade e da capacidade de encaixe eleitoral do Presidente e, em particular, do parido que sustenta o seu Governo, o MPLA (ou deste ou dos seus assessores que temerão, talvez, perder hipóteses de promoções qualitativas territoriais; para bom entendedor... E não podemos invocar a pandemia, até porque estamos a reduzir o condicionamento para não as realizarmos. Basta ver o que se passou em Cabo Verde (autarquias) e vai ocorrer em Portugal (presidenciais), onde a pandemia continua bem activa ou em ascensão.
3. Pois, de Cabo Verde, só se pode recordar que se mantém como o melhor país dos PALOP em todos os aspectos: financeiros, sociais, económicos e políticos. Um país sem grandes matérias-primas minerais, mas com uma excelente matéria-prima humana, solidária e activa. Apesar de ter como companheira diária a pandemia da Covid-19, e os condicionalismos que este impôs, não deixou de realizar as suas eleições autárquicas, com a particularidade de, ao contrário de nós, ser em toda a extensão territorial - a superfície do País não será desculpa par não as realizarmos.
4. Sobre a Guiné-Bissau, pouco há a relevar, salvo o impacto negativo no aspecto judicial, que teve negação da Interpol em mandar executar um mandado de captura internacional contra o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, e que teve como resultado imediato a demissão do representante desta força policial internacional na Guiné-Bissau. Se foi uma "ordem superior" ou uma "vontade bajulada" de um assessor jurídico junto da PGR, isso será um caso para o Presidente Umaro Sissoco Embaló procurar indagar para continuar a manter a ideia de um político inteligente. Ainda que nada tenha de inteligente conceder cerca de um milhão de euros de dotação orçamental para o Palácio Presidencial. Lá como em outros sítios e em alturas não muito antigas, há que manter satisfeito o "nosso" Presidente...
5. No que toca a São Tomé e Príncipe, creio que quase nada referi deste nosso país-irmão, porque pouco ou nada parece acontecer de relevo, salvo o recente veto presidencial do Presidente Evaristo Carvalho sobre a nova Lei Eleitoral, que afirmou ter sido "um veto político decorrente do poder de controlo" e porque considera que a nova "Lei Eleitoral limita os direitos civis e políticos", aliados ao facto de a nova Lei ter sido só aprovada por 29 dos 55 deputados e esperar que o "parlamento tire as respectivas ilações", esquecendo que a Constituição santomense, muito similar a portuguesa, parece indicar que uma nova aprovação por maioria simples e o Presidente terá de a promulgar, mas pode ser que os deputados tenham ou consigam ter uma revisão intelectual da Lei.
6. Finalmente sobre Moçambique, que merecerá uma abordagem futura mais alargada - ainda que já tenha escrito algumas ideias sobre o que se passa no Norte moçambicano - de referir que a crítica situação na província de Cabo Delgado, Norte desse país, com os ataques islamitas, e, ou, no Centro, nas províncias de províncias de Manica e Sofala, com os rebeldes dissidentes da Renamo, liderados por Mariano Nhongo, mostra-nos que a realidade político-militar não é a melhor. Se no caso do Centro a questão passa por ter de ser dirimida entre Maputo (Presidente Nyusi e Ossufe Momade, principalmente este) Gorongosa (a rebelde Junta Militar da Renamo), o que a torna interna, no Norte a situação é mais preocupante e tenderá, cada vez mais, a ser internacional, onde a Tanzânia - que sempre se mostrou parecer estar alheia - e Malawi terão de ter uma palavra a dizer para alterar a situação.
As riquezas em Cabo Delgado, que se prolongam a Norte, para a Tanzânia, e a Ocidente, para Malawi, aliados à falta de apoios sociais e económicos válidos para as populações locais, são, já de si, factores que causam a existência destas insurreições e da aproximação, quer Maputo reconheça ou não, de muitos jovens que se vêem sem hipóteses de desenvolvimento económico e social. Acresce, que a fronteira Norte, no Rovuma é consequência de "partilhas territoriais" da Tanzânia para Moçambique, ao abrigo de pagamento de dívidas e de danos de sangue, resultantes do armistício da 1ª Guerra Mundial. Ora, se a isto juntarmos como durante a guerra colonial, os povos desta área (mwanis e macondes) terem sido usados pelos dois lados (Portugal e Frelimo) indiscriminadamente, e entre mwanis e macondes não haver uma boa simpatia, aliado ao acto de, sob a defesa de sua salvaguarda, estarem a ser levados para zonas não-autóctones, não surpreenderá que este caso vá perdurar.
Veremos, aguardemos, que estas reflexões sejam desmentidas ao longo de 2021...
* Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto; Investigador associado do CINAMIL**
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