O analista político e docente universitário António Luvualu de Carvalho considera, nesta entrevista por e-mail, que Teodoro Obiang Nguema Mbasogo tem sabido responder às exigências que são colocadas e acredita que o momento da adesão está próximo.

Alguns membros da sociedade civil e políticos da CPLP escreveram recentemente um abaixo-assinado a interditar a entrada da Guiné Equatorial na CPLP. A que se deveu essa atitude?

As razões que estiveram na base da assinatura deste documento só os promotores é que poderão responder. Não posso comentar as suas motivações, nem os seus actos, porque cada um é livre de se expressar e todos nós temos as nossas convicções. Por outro lado, acredito que, conforme são promovidas iniciativas contra, também podem promover-se iniciativas a favor, num mundo cada vez mais democrático. Tudo depende da maneira e da perspectiva que se queira atribuir aos factos.

O presidente José Eduardo dos Santos garantiu este ano ao seu homólogo da Guiné Equatorial que entrará formalmente na CPLP. Mas o ministro angolano das Relações Exteriores disse, esta semana, em Lisboa, que isso depende da própria Guiné. Como se explica esta divergência?

Em diplomacia, nunca podemos falar de garantias absolutas porque, por mais que haja vontade de uma das partes envolvidas, os condicionalismos do mundo moderno e as próprias imprevisibilidades da vida, acrescidas ao actual estado do sistema internacional, caracterizado por crises profundas e por mudanças bruscas do cenário internacional, não permitem ter certezas absolutas. Na sua última visita a Luanda, a 22 de Maio deste ano, o presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é citado pela imprensa, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, quando regressava à sua pátria, como tendo dito que recebeu apoio das autoridades angolanas para o seu país aderir à CPLP. Do processo que temos acompanhado, desde a admissão da Guiné- -Equatorial, com o estatuto de Observador Associado, na VI Conferência de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Bissau, em Julho de 2006, Angola sempre deu todo o seu apoio para que este importante país do Golfo da Guiné fosse admitido como Membro de Pleno Direito da CPLP.

Qual tem sido o papel de Angola junto das autoridades locais?

Muitas das iniciativas promovidas pelo Executivo de Malabo, no que se refere à CPLP, são apoiadas por Angola e não nos podemos esquecer que Angola influenciou muito o Presidente Teodoro Obiang Nguema para que promovesse várias reformas inerentes ao uso, ensino e divulgação da língua portuguesa, o que acabou por culminar com a promulgação, a 20 de Julho de 2010, de um decreto que fez da língua portuguesa a terceira língua oficial do país, depois do espanhol e do francês. Estas reformas foram feitas muito próximo da Cimeira de Luanda. Mesmo assim, com o total apoio das autoridades angolanas, a Guiné-Equatorial saiu de Luanda com um voto de confiança e teve uma grande vitória diplomática, pois na declaração de Luanda, no seu sexto ponto, alínea IX, pode ler-se que Tendo em consideração o pedido formal da Guiné Equatorial de obtenção do estatuto de membro de pleno direito da CPLP, decidiram abrir negociações relativas ao processo de adesão, conforme as normas estatutárias da CPLP. Nesse sentido, mandataram a Presidência em exercício e o Secretariado Executivo da CPLP para elaborar um programa de apoio às reformas a concretizar pela Guiné Equatorial para dar pleno cumprimento às disposições estatutárias da CPLP, particularmente no que respeita à adopção e utilização efectiva da Língua Portuguesa.

Isso traduziu-se em quê?

Eu acredito que o apoio de Angola foi bem visível porque, no que diz respeito aos mecanismos básicos, os dados estavam lançados. Agora, como é que o processo evoluiu? Neste sentido, eu estou plenamente de acordo com o ministro Georges Chicoty: dependerá da própria Guiné-Equatorial a sua adesão de facto à organização. Na semana passada, escrevi um artigo para o Jornal de Angola, onde dizia que em Malabo, nos dias de hoje, muito facilmente encontramos várias escolas a ensinar a língua portuguesa e este fenómeno não é só de Malabo, estende-se a todo o país. Também não nos podemos esquecer que o ensino da língua portuguesa não será um quebra-cabeças naquele país, pois estamos a falar de uma nação com 616 mil e 459 habitantes que habitam num território com uma área total de 28 mil quilómetros quadrados.

O que ganha a CPLP com a adesão da Guiné Equatorial?

Estamos a falar de um país localizado no centro do continente africano e que poderá ser um actor importante na difusão da língua de Camões na sua região e no mundo, como está expresso no Plano de Acção de Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projecção da Língua Portuguesa, recomendado pela VI Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros, como também estamos a falar de um dos maiores produtores de petróleo do mundo e o país com o maior PIB per capita do continente africano. Em termos comparativos, o seu PIB base, no que se refere à paridade do poder de compra, é estimado em perto de 18 biliões de dólares, muito superior aos 2 biliões de dólares de Cabo Verde, 1 bilião e 500 milhões de dólares da Guiné-Bissau, 700 milhões de dólares de São Tomé e Príncipe, 600 milhões de dólares de Timor Leste, estando muito próximo de Moçambique, com 18,6 biliões de dólares perdendo apenas para o Brasil, que é um gigante, a 6ª maior economia do mundo, com 2, 355 triliões de dólares, e Angola e Portugal, com valores a rondarem os 200 biliões de dólares. Entretanto, se for a analisar pelos itens da geografia e da economia, a Guiné-Equatorial tem tudo para entrar na CPLP.

Como justifica a resistência à entrada da Guiné Equatorial?

É devido a alguns pontos de interrogação que se levantam sobre a questão dos Direitos Humanos e à existência da pena de morte na Guiné-Equatorial. Antes da última cimeira de chefes de Estado e de Governo de Maputo, em 2012, e quando era ouvido na Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros do Parlamento português, o anterior ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Portas, apontou estes dois motivos como sendo condicionantes da adesão do país à CPLP. Entretanto, a situação política e social na Guiné-Equatorial evoluiu muito nos últimos tempos, é só deslocarmo-nos ao país para presenciar isso.

Que tipo de evolução?

Vários indicadores estão à vista de todos, desde já a existência de vários partidos políticos, como o CPDS (Convergência para a Democracia Social), que inclusive possui representação no Parlamento, a União Popular e outros partidos. Do que pude acompanhar localmente, aquando da última visita do secretário executivo da CPLP, Murade Murargy, constatou- -se uma normalização da situação dos Direitos Humanos e o secretário executivo da CPLP chegou mesmo a não compreender alguns protestos expressos por organizações e deu o exemplo da não-existência de presos políticos na Guiné- Equatorial, como lhe terá sido garantido pela representante diplomática do Brasil em Malabo. No meu ponto de vista, estas duas questões são susceptíveis de ser debatidas e, se de facto são os únicos pontos que impedem a organização de aderir, deveria ser dado espaço às autoridades de Malabo para se pronunciarem.

A Guiné Equatorial é observador associado da CPLP desde 2008 e o seu pedido de adesão foi o tema quente das duas últimas cimeiras de chefes de Estado e de Governo, em 2010, em Luanda, e 2012, em Maputo. Será que esse braço-de- -ferro vai continuar nas próximas cimeiras?

Como vimos no início, foi solicitada à Guiné-Equatorial uma série de reformas que incidia principalmente no ensino e expansão da língua portuguesa. Nos últimos anos, temos observado que os objectivos têm sido alcançados e, em termos práticos, para quem realmente deseja ver, mais facilmente se aprende a falar português num país que fala espanhol que em outros onde as línguas tradicionais estão muito distantes das duas línguas. Acho que na Cimeira de chefes de Estado e de Governo de Díli no próximo ano, com mais trabalho por parte do Executivo central de Malabo, poderemos finalmente ter a situação ultrapassada.

Portugal é o único Estado que se tem oposto à entrada. Acredita na mudança da posição de Portugal?

Acredito que, em função dos últimos desenvolvimentos, a posição portuguesa tem mudado de sentido rumo a uma maior abertura e aproximação ao gigante da produção petrolífera no Golfo da Guiné. É só vermos que as autoridades portuguesas já autorizaram a abertura de uma Embaixada da Guiné-Equatorial em Lisboa e o primeiro embaixador do país em Portugal já vai sendo conhecido na sociedade. Em pronunciamentos à Agência Lusa, a 31 de Julho deste ano, à margem de uma visita à Reitoria da Universidade do Porto, José Dougan Chubum salientou que Portugal é um parceiro estratégico para o seu país entrar na Europa e enfatizou que os dois países estão unidos por laços históricos e vínculos de irmandade.Como já disse, no meu artigo no Jornal de Angola, a Guiné- -Equatorial também tem afinidades atropo-culturais com Portugal.

Que laços históricos e afinidades?

Os registos históricos mostram- -nos que os portugueses foram os primeiros europeus a explorar o Golfo da Guiné, em 1471. Fernão do Pó situou a ilha de Bioko nos mapas europeus nesse ano, procurando uma rota para a Índia, a qual baptizou de Formosa. Seguidamente, em 1493, D. João II de Portugal proclamou- -se, juntamente ao resto dos seus títulos reais, como Senhor da Guiné e o primeiro Senhor de Corisco. Os portugueses colonizaram as ilhas de Bioko, Ano Bom e Corisco, em 1494, e converteram-nas em postos para o tráfico de escravos. Em 1641, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais estabeleceu-se, sem o consentimento português na ilha de Bioko, centralizando ali, temporariamente, o comércio de escravos do golfo de Guiné, até os portugueses voltarem a fazer sentir a sua presença na ilha em 1648, substituindo a Companhia Holandesa por uma própria Companhia de Corisco dedicada ao mesmo comércio, construindo uma das primeiras edificações europeias na ilha, o forte de Ponta Joko.

As reformas que a Guiné tem vindo a fazer agradam aos membros da CPLP?

Quanto às reformas feitas pela Guiné- Equatorial, acredito que tenham sido do agrado da maior parte dos países da CPLP que até aqui não mostraram grande resistência à entrada do país na organização (pelo menos publicamente não se conhecem outras resistências, para além das reservas apresentadas por Portugal). Tenho a certeza que o diálogo e o bom trabalho feito pelas autoridades de Malabo servirão para a entrada na organização, na Cimeira de Díli, no próximo ano.

Acredita que a Guiné Equatorial atende urgentemente às exigências para concretizar a sua adesão à CPLP?

Do meu ponto de vista, é uma questão mais política que metodológica. As reformas no ramo do respeito pelos Direitos Humanos estão a ser feitas no país e vão muito de encontro à resolução dos direitos individuais e civis no espaço da CPLP, aprovada pelo Conselho de Ministros da organização, em Coimbra, no ano de 2003, e acredito que se não estivessem de acordo com este modelo, muito dificilmente Portugal, um Estado-membro da União Europeia, iria permitir a entrada no seu país (entenda-se abertura de Embaixada) de um país que estivesse tão distante dos seus ideais democráticos. Mas a questão chave é a pena de morte…

No que diz respeito à pena de morte, é preciso primeiro fazer-se uma aferição junto das autoridades locais de como é que ela tem sido aplicada, quantas vezes foi aplicada nos últimos 20, 30 anos. Enfim, há uma série de aspectos que podem ser analisados junto das autoridades, antes de se tirarem conclusões precipitadas. Acredito que, com diálogo, bom senso e razoabilidade, poderemos muito brevemente ter mais um Estado- -membro de Pleno Direito na CPLP.