... uma provocação que enfureceu o Presidente norte-americano, que puxou a culatra atrás e disparou mais 50% de taxas alfandegárias contra o gigante asiático, somando assim, em apenas quatro dias, 104% de impostos extraordinários, com o intuito de castigar a China pela sua audácia de desafiar o "Tio Sam".
... o que aconteceu, contrariando os avisos do inquilino da Casa Branca, que tinha alertado, antes de acrescentar os 50% de taxas contra as importações chinesas, que Pequim devia ficar quieto, foi que os chineses não recuaram e dispararam também mais 50% de taxas contra as importações oriundas dos EUA que entrarem na China a partir de quinta-feira, 10.
Neste momento, os EUA têm 104% de taxas alfandegárias disparadas contra a China e os chineses ripostaram com 84% de tarifas contra os norte-americanos... quando a União Europeia também iniciou o contra-ataque aplicando 25% de taxas a dezenas de bens importados dos EUA.
Não fossem estes os dois gigantes da economia mundial, que são ainda os maiores consumidores de crude, e esta poderia ser uma guerra de filme que se vê com pipocas na mão...
Mas não é assim, e isso está claro ao olhar para os gráficos nos ecrãs dos mercados petrolíferos, que são sempre a guarda avançada das grandes crises globais que se verificaram já neste século, em 2008, com o subprime norte-americano e depois em 2020, com a pandemia da Covid 19.
Onde é que isto vai parar?
O barril de Brent, que serve de referência principal às ramas exportadas por Angola, já está abaixo dos 60 USD, a caminho dos 12 dólares de distância negativa dos 70 USD de valor médio com que o Governo de João Lourenço elaborou o OGE 2020, chegando aos 58,85 USD, numa queda de mais de 6%, perto das 14:00, hora de Luanda, mantendo este filme de terror a correr perante a angustiada plateia global.
E, perante este abrasivo momento nas relações comerciais entre os dois "elefantes", o capim, que é o resto do mundo, com escassas excepções, é quem sofre, e pode ainda sofrer mais se as previsões dos analistas mais pessimistas se confirmarem e o mundo entrar numa recessão generalizada...
Em síntese, com esta guerra entre chineses e norte-americanos, com os dados da economia chinesa a mostrarem fragilidades, com as bolsas nos EUA em queda livre, e uma recessão à porta do planeta, o petróleo poderá iniciar um ciclo de perdas que não será igual ao que sucedeu na pandemia da Covid 19, com quedas de mais de 200%, para valores negativos, mas aproximar-se de valores igualmente dramáticos.
O que para Angola é o pior cenário possível.
Sendo os 70 USD, que serviram de referência para o OGE 2025, um valor médio anual, a pressão no Executivo para proceder à revisão do documento base das contas nacionais ainda não é "letal".
Só que, com a insistência do Presidente Trump na sua guerra tarifária, que agora ganhou contornos jamais vistos, com um aumento de mais 50% de taxas contra a China, perfazendo 104%, e a retaliação de Pequim para os 84%, a inevitabilidade de mexer no OGE está claramente dentro do leque de possibilidades.
A decisão de Donald Trump acrescentar 50% aos 54% de tarifas já aplicadas às exportações chinesas, em escassas 72 horas, foi resultado da resposta de Pequim que, além de retaliar com 34% de taxas alfandegárias aos produtos Made in USA, garantiu que "vai lutar até ao fim".
E como se sabe desde sempre, quando dois elefantes lutam (as duas maiores economias mundiais e maiores consumidores de crude), é o capim (os países mais dependentes das exportações de petróleo e com menos lastro económico) que sofre.
É o caso de Angola, que, além de ter sido alvejada pela rajada de tarifas de Trump com 32%, está a ser flagelada pela redução abrupta do valor do crude (ver aqui) e ainda com forte agravamento da crise que já vinha de trás no sector diamantífero (ver aqui).
Apesar de ter entretanto recuperado ligeiramente, estando, perto das 09:15, hora de Luanda, o barril de Brent, referência principal para as exportações nacionais, nos 61:30, com perdas de 2,45%, no início da sessão chegou aos 60,28 USD, quase, quase 10 dólares abaixo do valor de referência usado para o OGE 2025 e um valor negativo recorde que remonta ao período da pandemia da Covid 19.
O cenário actual é dramático, não apenas para Angola, mas com forte impacto nas economias mais débeis e petrodependentes, como é o caso, mas pode ainda piorar se, como a Goldman Sachs e a JP Morgan antecipam, a economia global entrar numa densa recessão esmagada pelas tarifas de Trump, que, contra o que alguns analistas previram, mal, de resto, não parece que esteja para recuar neste "Armagedão" político-económico.
Entretanto, esta crise severa que se agiganta à frente dos olhos dos incrédulos analistas, pode ter uma resposta que, se não for suficiente para a extinguir, poderá gerar algum alívio, em Angola, por exemplo, se a OPEP+ vier a rever, como os analistas esperam - alguns dizem mesmo que o cartel não tem alternativa -, a sua política de retoma da produção eliminada nos últimos anos para repor o equilíbrio nos mercados.
Recorde-se que a 01 de Abril a OPEP+, que une sauditas e russos num cartel 2.0 desde 2017, deu início a um programa de recuperação da produção eliminada artificialmente desde 2020 - perto de 6 mbpd -, com mais uns escassos, mas simbólicos, 138 mil bpd.
Todavia, num momento em que o barril tomba em números recorde e a procura é ofuscada pela oferta, a OPEP+ não podia ter escolhido pior timing para dar início à retoma da produção, que, segundo alguns analistas, terá de rever, se Riade e Moscovo quiserem evitar o desastre completo.
Por exemplo, a Goldman Sachs, perante este cenário, procedeu a uma alteração substantiva no seu Outlook para 2026, airando o preço médio do barril de Brent para os 58 USD, sendo que não espera que em 2025 se observe uma recuperação relevante dos valores actuais.
O quer almeja Trump?
Embora não exista uma lógica solidamente descortinada pelos economistas para esta guerra de tarifas do Presidente norte-americano, na sua versão simples, Trump quer fortalecer o consumo de bens Made in USA em detrimento dos importados, que ficam agora mais caros.
Além disso, Trump pode estar a contar com a deslocalização de fábricas que estão actualmente no resto do mundo, especialmente na China, para os EUA de forma a evitas estas taxas, perseguindo a sua velha ideia de reindustrializar o país para "fazer a América grande de novo".
Mas os mais reputados economistas duvidam desta mecânica simples, antecipando ao invés uma generalizada crescente inflação e uma recessão a prazo garantida dentro dos Estados Unidos, no imediato, e no resto do mundo ao virar da esquina do tempo.
Como Luanda olha para este cenário global?
O actual cenário internacional, que não era tão dramático há anos, desde a pandemia da Covid 19, tende a empurrar os preços para ainda longe do valor estimado no OGE 2025, que é de 70 USD.
Essa a razão pela qual Angola é um dos países mais atentos a estas oscilações, devido à sua conhecida dependência das receitas petrolíferas, e a importância que estas têm para lidar com a grave crise económica que atravessa, especialmente nas dimensões inflacionista e cambial, onde o esperado superavit (preço acima dos 70 USD) poderia ser importante para contrariar.
Isto, porque o crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Governo deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,1 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.