Os 25 vagões com 50 contentores carregados de minério, manganês concentrado, imprescindível na produção de ligas de aço e no fabrico de componentes para, entre outros, baterias, com destino às poderosas industriais metalo-mecânicas e siderurgias da Índia e da China, deixaram o Katanga, província encravada no interior profundo de África, na República Democrática do Congo (RDC), na segunda-feira e chegam hoje à costa atlântica angolana.

Por causa da guerra, há mais de três décadas, primeiro em 1984, e depois, em definitivo, em 1992/1993, que os quase 1350 quilómetros não eram percorridos em contínuo, entre o Luau, no Moxico, e o Porto do Lobito, com carga oriunda das minas do Kisenge, uma região do Alto Katanga mundialmente conhecida pelos seus depósitos de minério, como o manganês, mas especialmente o cobre, fazendo parte da não menos conhecida "cintura de cobre", ou "copperbelt", uma vasta jazida de cobre que abrange a RDC, a Zâmbia e, como ficou demonstrado pelo Plano Nacional de Geologia (Planageo), também Angola em pelo menos 100 mil quilómetros quadrados.

Se em 1903, quando os CFB foram construídos com investimento inglês, belga e português, num consórcio liderado por Londres, a ligação desta rica região mineira entre a Zâmbia e a RDC ao mar angolano foi a justificação essencial, agora, quando a reabertura aconteceu, em 2013, com financiamento chinês, numa soma próxima dos 2 mil milhões de dólares para reconstruir 1 344 km"s, o negócio do minério teve igualmente um peso fulcral na decisão do Estado angolano em avançar para este volumoso investimento.

Importante é também o facto de esta ligação permitir ligar o Atlântico ao Índico, através de uma complexa rede ferroviária que "fura" o continente africano, ligando Angola a Moçambique, passando por países como a RDC, a Zâmbia, a Tanzânia...

E a prova de que a rentabilidade do investimento pode ser demonstrada é este que se anuncia como o primeiro de muitos carregamentos de manganês entre Kisenge e o Lobito que rapidamente pode evoluir para o transporte do precioso cobre extraído na "copperbelt" da Zâmbia e da RDC.

E ainda porque, num prazo mais distanciado não pode ser afastada a possibilidade de produção de cobre em grande escala em Angola também porque, como já se disse, o país tem no seu território pelo menos uma extensão de 100 mil km"s quadrados dessa massiva jazida de cobre, que é hoje a principal fonte de rendimento de Lusaka e também importante para as contas de Kinshasa, sendo a facilidade de transporte para o porto de exportação um elemento decisivo na sustentabilidade financeira deste tipo de projectos.

Recorde-se que a Sociedade Nacional dos Caminhos-de-Ferro do Congo (SNCC), cuja ligação directa aos CFB data da década de 1930, apesar dos muitos problemas que enfrenta, nomeadamente o risco permanente de colapso financeiro, apostou forte nesta reabertura dos CFB, investindo o necessário para a adaptação de material ferroviário à dimensão dos carris na parte angolana, permitindo a esta companhia fazer a viagem directa entre as minas e o Porto do Lobito.

Para os próximos tempos estão previstos uma média de um comboio por semana com, pelo menos, 25 vagões com 50 contentores, estando os SNCC a preparar uma composição ainda com maior capacidade de transporte.

E material para transportar não vai faltar nos próximos meses porque, como já se explicou nesta notícia, com o eclodir da guerra em Angola e com o encerramento deste trajecto ferroviário, milhares de toneladas de minério ficaram em stock do outro lado da fronteira, podendo agora ser exportadas com a saída para o mar proporcionada pelos CFB.

A "Minière de Kisenge Manganèse", empresa que detém os direitos de exploração do manganês na região de Kisenge, tem à volta de 540 mil toneladas de manganês na forma de carbonato de manganês para exportar, sendo que é grande a possibilidade de o Porto do Lobito se revelar a forma mais economicamente aconselhável de o fazer.

Os depósitos de manganês do Kisenge, na RDC, foram descobertos em 1927, mas a sua exploração raramente foi considerada, nesta área, viável de per si, sendo, sim, aproveitado como produto secundário de outras explorações, como a do cobre, não sendo o Katanga, ao contrário do que acontece com o cobre, um dos mais importantes depósitos de manganês do mundo, estando esses concentrados na África do Sul, Austrália, Brasil, Ucrânia, Índia e China.

No entanto, a facilidade de acesso ao mar torna a sua exploração comercialmente apetitosa devido à diminuição dos custos de produção introduzidos pelo comboio. Mas os sentidos em Angola, provavelmente uma das razões para o volumoso investimento na reconstrução dos CFB, é a gigantesca produção de cobre no norte da Zâmbia, na província que tem o nome de "Copperbelt", devido à abundância deste metal, e do sudeste da RDC (Katanga).

O transporte de minério foi sempre a principal sustentação financeira dos CFB, e, antes da independência, especialmente no início da década de 1970, o transporte de produtos mineiros do interior de África para o Porto do Lobito era responsável por quase 100 por cento do sucesso comercial desta linha férrea.