Ao confirmar a sua demissão, Mario Draghi é, depois do britânico Boris Johnson, a segunda vítima dos efeitos colaterais da guerra na Ucrânia, visto que, tal como em Londres, esta crise é um efeito do elevado custo de vida e da inflação galopante que tem a sua génese no conflito do leste europeu, desde logo a começar com os preços estratosféricos do gás e do petróleo.
E foi com a questão do gás natural, cuja dependência das importações da Rússia levou à crise presente, depois de a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, se ter empenhado com afinco na inclusão desta matéria-prima no pacote das sanções a Moscovo devido à guerra na Ucrânia, que Draghi se virou para África, Nigéria e Angola, como fonte alternativa.
Foi mesmo anunciada uma visita do primeiro-ministro italiano e antigo chefe do Banco Central Europeu em finais de Abril, mas Draghi acabou apanhado nas malhas da pandemia da Covid-19 e foi substituído na deslocação a Luanda para negociar contratos de fornecimento de gás natural pelos seus ministros dos Negócios Estrangeiros Luigi de Maio e da Transição Ambiental, Roberto Cingolani, detentor da pasta da Energia.
Agora, com esta saída de cena de Mario Draghi, e, naturalmente, dos seus ministros, as conversações com Luanda por causa do eventual fornecimento de gás a Itália e à Europa, terão, pelo menos, uma interrupção, o que permitirá avanços concorrenciais à Nigéria, o outro país com quem o Governo de Roma chefiado pelo agora demissionário primeiro-ministro iniciou contactos.
Por detrás desta nova crise governamental em Roma está o insucesso de Draghi em conseguir um amplo consenso em torno das suas propostas para lidar com a crise económica, desde logo entre os vários partidos que compõem a coligação que lidera e sustenta o Executivo, com três forças políticas desalinhadas, especialmente o 5 Estrelas, de Giuseppe Conte, a deixarem cair com estrondo o Governo.
Por detrás de todo isto está a proposta de aprovação de um pacote de perto de 30 mil milhões de dólares para fazer face ao crescente custo de vida em Itália, com Giuseppe Conte a mostrar desacordo total com a vertente energética deste pacote de combate à crise económica.
Agora, com dois dos mais fortes partidos italianos, a Forza Italia, de Silvio Berlusconi, de direita liberal, e a Liga de Mateo Salvini, da extrema-direita neo-fascista, a pedirem que Draghi forme novo Governo sem o 5 Estrelas, partido sem ideologia definida mas fortemente ambientalista, o Presidente Sergio Matarella deverá ver-se na contingência de ser obrigado a convocar novas eleições porque Draghi já disse que não forma Governo sem o apoio inequívoco de Giuseppe Conte.
Com esta crise em Itália, começa a ganhar forma a ideia de uma sucessão de crises entre os países da União Europeia como efeito colateral da guerra na Ucrânia, devido ao elevado custo de vida que afecta já todos os Estados-membros e tende a piorar com o aproximar do Inverno e das ameaças sucessivas de corte do fornecimento de gás por parte da Rússia devido às sanções europeias e aos problemas técnicos no principal gasoduto russo-alemão, o Nord Stream I.
Começou com a França, onde o Presidente Emmanuel Macron viu esvair-se a sua maioria absoluta, o que já não sucedia a um Presidente recandidato desde os anos de 1960, depois no Reino Unido, com o desabamento da liderança de Boris Johnson, e agora em Itália.
Mas, crises com a mesma origem se adivinham já na Alemanha, a maior economia europeia e o maior importador de gás russo, bem como noutros países, ~como Espanha, onde os socialistas de Pedro Sanchez estão a perder todas as eleições regionais, sendo a última na Andaluzia, província do sul que fora sempre socialista até há cerca de um mês, onde o Partido Popular venceu com grande margem, num castigo directo, segundo os analistas, ao Governo socialista por causa da degradação das condições de vida.