Um preço esta manhã acima dos 82 USD para o barril de Brent é a melhor forma de acordar para as equipas económicas dos governos de países com economias petrodependentes, como ainda é a angolana, e é isso que, se os analistas estiverem certos no seu Outlook mental, se vai manter ao longo de 2024 e também para 2025.

Nos últimos dois anos tem sido a guerra na Ucrânia, especialmente com as sanções aplicadas à energia da Rússia pelo ocidente, que conduz o sector petrolífero pelas estradas da incerteza, e nos últimos meses é a guerra no Médio Oriente, com a violenta resposta israelita (30 mil civis mortos) ao ataque de 07 de Outubro do Hamas ao sul do país, 800 civis mortos, que aperta as curvas do negócio global do crude.

Mas é a segurança da economia chinesa, apesar da "montanha-russa" em que anda desde o fim da pandemia da Covid-19 e o início da guerra no leste europeu, que permite o actual optimismo, na óptica dos exportadores, para o sector petrolífero, onde a OPEP, mas também a Goldman Sachs e a JPMorgan, estimam não encontrar fissuras no barril à media que o calendário avança para 2025.

E também, sublinhe-se, os cortes à produção que a OPEP+, a organização que desde 2017 junta os Países Exportadores (OPEP) a um grupo de nove desalinhados encimado pela Rússia, para manter os preços em equilíbrio nos mercados, tem estendido no tempo e no pensamento dos analistas dos mercados que vêm no "cartel" conduzido por Moscovo e Riade um valor seguro para garantir que a oferta não supera a procura.

Para já, o barril, perto das 11:20, hora de Luanda, desta manhã de terça-feira, 20, o barril de Brent estava a valer 82,85 USD, -0,95% que no fecho anterior, uma ligeira perda de vigor mas sem importância, face às expectativas de que a economia chinesa está a reganhar músculo.

Se a recuperação chinesa é o garante de uma rede segura para eventuais tropeções, é, porém, a certeza da volatilidade no Médio Oriente que se traduz em efeitos mais nítidos no sobe e desde dos mercados.

Isto, porque nas últimas horas mais um navio comercial foi atingido por misseis solidários com o povo palestiniano lançados pelos Hutis do Iémen, elevando mais um patamar de risco na travessia marítima do Estreito de Bab-a-Mandab, que liga o Mar Arábico ao Mar Vermelho, até ao Canal do Suez, por onde passam 15 do comércio mundial de bem e 12% do crude consumido diariamente em todo o mundo, mais de 12 milhões de barris por dia (mbpd).

Mais que deixar em evidência o risco de novos ataques contra petroleiros, o pesadelo dos mercados, estes ataques mostram que as promessas norte-americanas e europeias de resolver o problema com o envio de forças navais para o Mar Vermelho deixa muito a desejar e, para já, não é a solução que se esperava, por causa da resiliência extraordinária dos rebeldes iemenitas apoiados pelo Irão.

Em pano de fundo para este turbilhão de surpresas no Médio Oriente está o avanço mortífero de Israel em Gaza, onde agora se prepara, contra as críticas cada vez mais severas dos seus tradicionais aliados, dos EUA aos europeus ocidentais, para atacar Rafah, cidade na fronteira com o Egipto, o derradeiro reduto de mais de um milhão de civis que ali se refugiam fugidos de todo o território.

Este ataque a Rafah pode ser a faísca que falta para incendiar o barril de pólvora que é o Médio Oriente, região que produz mais de 35% do crude extraído diariamente em todo o mundo, especialmente devido ao recrudescer esperado das iniciativas dos grupos pró-iranianos, como o Hezbollah, no Líbano, ou os jihadistas do Iraque e da Síria, contra objectivos militares dos EUA e de Israel nesta geografia.

É em Gaza que está o fusível

A destruição de Gaza que Israel tenta completar há quase quatro meses é a fonte das faíscas que estão a deixar o Médio Oriente a ferro e fogo, depois de o Governo de Benjamin Netanyhau ter definido, após o ataque do Hamas a 07 de Outubro, como objectivos a destruição total do movimento palestiniano e libertar os reféns levados para Gaza.

Em quatro meses, o Governo israelita não conseguiu nenhum dos objectivos, mas conseguiu matar mais de 30 mil civis e deixar quase 80 mil feridos, na larga maioria, mais de 75%, crianças e mulheres tanto mortos como feridos, e como "bónus" deixou o mundo em polvorosa com o risco de incendiar o barril de pólvora que é o Médio Oriente, de onde sai mais de 35% do petróleo consumido em todo o mundo.

Uma das faíscas que mais está a remexer com os mercados internacionais de crude caiu no Mar Vermelho, onde os rebeldes Houthis, do Iémen, levaram, com persistentes ataques à navegação no Estreito de Bab al-Mandab, a que o trafego marítimo comercial no Canal do Suez deslizasse para 40% do normal.

Este dado é substantivo porque o Canal do Suez, no Egipto, é a via que liga o Oceano Índico ao Atlântico, através do Mar Vermelho e via Mar Mediterrâneo e é por onde passam 30% dos contentores comerciais em todo o mundo e cerca de 15% do petróleo globalmente consumido, o que impacta não só na inflação, porque os navios são obrigados a dar a longa volta pelo Cabo da Boa Esperança, no sul de África, para chegar aos EUA e à Europa vindos ou a caminho da China e da Índia (Ásia), como gera disrupções no fornecimento da matéria-prima energética mais consumida no planeta.

Mas, quando os mercados começavam a descontar estes perigos, fixando o barril na casa dos 80 USD, e com a guerra em Gaza a entrar numa espécie de limbo, com Israel a sentir as costas largas, apoiado pelos EUA e pela Europa ocidental, apesar de um crescendo de críticas à violência sobre os civis do território, eis que Telavive parece ter irritado a sério Washington e Londres com o anuncio de Benjamin Netanyhau de que as Forças de Defesa de Israel (IDF) vão entrar na cidade de Rafah.

Isto é importante por duas ordens superiores de razão: Rafah é a grande cidade de Gaza na fronteira com o Egipto, o que põe as forças egípcias na mira das armas ligeiras das IDF, e vice-versa, mas essencialmente porque esta é a cidade que Israel atribuiu como derradeira zona segura para os mais de 1,3 milhões de civis que ali procuraram refúgio para a destruição quase total do resto do território.

Os israelitas conseguiram o impensável com este movimento, que coloca o Egipto com os nervos à flor da pele, levando o Governo do Reino Unido, o mais acérrimo aliado ocidental de Telavive, a avisar Netanyhau para reflectir bem sobre o passo que está a dar, porque esse passo marcará um antes e um depois neste conflito.

E foi o suficiente para deixar os mercados em alvoroço, porque só a possibilidade, mesmo que remota, de uma entrada do Egipto neste conflito de forma mais física, porque o Cairo está desde 07 de Outubro na linha da retaguarda, onde as negociações ocorrem intensamente deste então, apesar de sem resultados volumosos para acabar com o conflito, é mais que suficiente para trazer à memória colectiva dos analistas do sector as severas crises petrolíferas das últimas três décadas do século XX.

O primeiro-ministro israelita já reiterou que nada o fará parar esta ofensiva sobre Rafah, porque, diz Netanyhau, é ali que está o grosso das forças do Hamas e que a sua destruição é im dos dois maiores objectivos da operação sobre Gaza para vingar o ataque do Hamas sobre o sul de Israel a 07 de Outubro, que deixou mais de 1000 mortos para trás além de dois mil feridos e cerca de 200 reféns levados para Gaza pelos combatentes palestinianos.

Gaza, nos seus exíguos 365 kms2, tem cerca de 2,3 milhões de habitantes (mais de 6.000 por km2) e mais de 1,3 milhões deslocou-se para o sul, junto à fronteira com o Egipto, em busca de refúgio, depois de mais de 75% dos edifícios de Gaza terem sido destruídos pelas IDF, dos 36 hospitais, apenas seis funcionam com relativa normalidade, grassa fome e a sede, faltam medicamentos e mais de um milhão de civis vivem ao relento.

Para Angola, as contas são simples de fazer...

Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 82 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.

Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.

O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.