Com efeito, as grandes casas financeiras como a Goldman Sachs, ou os gestores dos fundos de risco - hedge funds - têm vindo a alargar as indicações e as apostas no petróleo e, agora, a francesa Total, uma gigante mundial do crude, antecipa que até 2025, podendo suceder mesmo antes, o mundo vai viver um défice de abastecimento de 10 milhões de barris por dia (mbpd).
Por detrás desta previsão da Total, uma das maiores investidoras no offshore angolano - é, por exemplo, a operadora do gigantesco bloco do Kaombo - está o desinvestimento na pesquisa por novas reservas e na manutenção das infra-estruturas do up stream, mas ainda por causa da solidez que aparenta a estratégia da OPEP+, nomeadamente os cortes na produção para garantir preços viáveis e ainda o desmoronamento do sector do fracking norte-americano devido aos preços muito baixos dos últimos anos, especialmente desde 2014, quando o barril baixou de forma substancial da fasquia confortável dos 100 USD.
Citada pelo site OilPrice, Helle Kristoffersen, que lidera as áreas da estratégia e da inovação da Total, nota que o risco de um buraco, no médio prazo, na oferta é real, explicando que isso se deve ao facto de a OPEP+, organismo que junta os Países Exportadores (OPEP) e um grupo de desalinhados liderados pela Rússia, estar a mostrar uma estratégia sólida para garantir a disciplina dos mercados à prova de fogo, de o petróleo de xisto, ou fracking, dos EUA estar a desmoronar e, ainda mais importante, o desinvestimento muito expressivo na indústria do petróleo como um todo.
Estes dados não são novidade no meio, até porque as grandes casas financeiras globais têm vindo a justificar o regresso ao sector por essa razão, e já em 2018, a então PCA da Sonangol, Isabel dos Santos, lembrava, citando um estudo da Mackenzie, que desde os anos de 1940 que o mundo não assistia a um tão baixo investimento na pesquisa por novas reservas com o resultado esperado a ser um défice relevante na oferta a prazo.
Esta operacional da Total avança ainda que este buraco de 10 mbpd até 2025 muito dificilmente poderá ser evitado em tão pouco tempo porque é "demasiado grande" face ao que é a realidade do sector hoje.
Este cenário resulta, no imediato, do efeito da pandemia da Covid-19, que levou a uma queda imponente na procura e a uma baixa nos preços historicamente nunca vista, com o barril a chegar aos 40 USD negativos em Nova Iorque no mês de Abril de 2020, mas é já visível entre especialistas desde 2014, o ano do início da crise, quando o barril desceu abaixo dos 100 USD e acabou na casa dos 20 USD, no início de 2016.
Esse período de fragilização do sector petrolífero foi resultado do efeito inverso, quando, a partir de 2007/08, as multinacionais, no rasto do barril muito acima dos 100 USD, fizeram fortes investimentos que levaram a um excesso de oferta, naquilo que é o efeito montanha russa de correcção exercido pelos mercados, a que as companhias reagem diminuindo ou aumentando custos mas que afecta de forma brutal as economias mais dependentes, como é o caso da angolana.
Recorde-se que Angola é uma das grandes vítimas deste desinvestimento, tendo passado de uma produção recorde no final da 1ª década desde século na casa dos 1,8 mbpd para os actuais 1,28 mbpd e com tendência para baixar, o que resultou numa substancial quebra das receitas do Estado, tanto pela via da menor produção como por causa dos preços baixos do barril.
Hoje, o barril de Brent valia, perto das 10:30 de Luanda, 61,13 USD, mais 0,59% que no fecho da sessão de quarta-feira, mostrando ma sólida resistência às correcções em baixa iniciais, tendo mesmo recuperado logo nas primeiras horas de transacções.
Este cenário de recuperação permite algum optimismo nas contas nacionais mas ainda longe de um regresso ao patamar alcançado a partir de 2008, com o barril, como exemplo, a chegar aos 147 USD no Verão desse mesmo ano, permitindo um boom económico como nunca visto até ali.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, citado pela Lusa, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.
Situação actual
A produção nacional actual está abaixo dos 1,3 mbpd e em constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção demora a arrancar para os patamares mais próximos daqueles que se viram no passado.
Para já, com o barril acima dos 60 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de mais de 20 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.