A notícia foi conhecida esta tarde e a reacção dos mercados não se fez esperar. Os governos saudita e russo optaram por prolongar os cortes nas respectivas produções, somando em 1,3 milhões de barris por dia (mbpd) a menos, até ao final do ano, quando os analistas esperavam que esta decisão não excedesse o mês de Outubro.
Com menos 1 mbpd dos sauditas e 300 mil bpd dos russos, os mercados mundiais ficam ainda mais curtos na resposta à procura global que, apesar dos problemas oriundas da China, o maior importador planetário, tem vindo a ganhar tracção, estando acima dos números pré-pandemia da Covid-19, a rondar a casa dos 103 mbpd.
E assim, perto das 15:40 de hoje, hora de Luanda, o barril de Brent estava a valer 90,13 USD, mais 1,26 que no fecho de segunda-feira.
Ameaças a esta impetuosidade
A Arábia Saudita tem sido, a par da Rússia, embora com menor exposição aos riscos da parte de Moscovo, o que se percebe devido à custosa guerra que trava com a Ucrânia, quem mais tem "sangrado" economicamente em nome do controlo férreo dos mercados petrolíferos, não só é quem mais cortou na produção, como ainda foi mais longe em 1 mbpd de motu próprio... mas essa boa vontade pode estar a chegar ao fim por imposição da sua própria realidade económica.
As reservas em moeda estrangeira sauditas estão a bater recordes de mínimos desde o início da pandemia, caindo mais de 16 mil milhões USD em dois meses, para os 406 mil milhões USD, resultado directo da diluição das suas exportações de petróleo no contexto dos mecanismos de controlo no seio da OPEP+.
Riade mostra estar disponível para esticat ainda mais a corda face a este complexo esquema de interesses onde é evidente o conflito entre a realidade económica interna e as suas políticas externas viradas para os mercados petrolíferos.
E a Rússia, um dos três gigantes da produção mundial, com sauditas e norte-americanos, e o segundo maior exportador do mundo, atrás da Arábia Saudita, está como voltou a vincar o seu vice-primeiro-ministro e homem do leme do sector petrolífero e Moscovo, Alexander Novak, dispostos a manter os cortes na produção até ao fim de 2023 para garantir que os preços não descem nos mercados internacionais.
Se russos e sauditas vão conseguir manter este esforço por muito mais tempo, de forma a que a procura se mantenha, em 2024, no equilíbrio pretendido pelo "cartel" com a oferta, isso depende agora claramente da pressão que uns e outros vão sentir internamente nas próximas semanas, mas as contas são simples de fazer: se apertando a produção, isso faz subir os preços pela pressão na oferta, esses preços mais altos compensa a quebra nas vendas em bruto?
A resposta depende do desempenho da economia global. E também aí pode haver novidades adstringentes, desde logo oriundas da economia chinesa, a atravessar tempos de tempestade, com quebra na produção/exportação, um sector imobiliário à beira de uma crise sem precedente e uma inesperada inércia face às medidas do Governo de Pequim, nomeadamente na gestão das taxas de juro directoras para ajudar a moeda nacional, igualmente sob pressão.
Esta crise chinesa, a segunda maior economia do mundo e o maior exportador planetário, tem ainda outras "sequelas", como, por exemplo, reduzir as margens do Governo de Xi Jinping paa aligeirar os compromissos com a divida de países como Angola, que tem no retomar dos pagamentos no pós-covid uma das causas para os seus apertos financeiros.
Situação vista de Luanda
Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, esta consolidação dos preços do Brent acima dos 90 USD é uma excelente notícia, porque permite diluir os efeitos devastadores da crise cambial e gera superavit face ao valor de 75 USD por barril com que foi elaborado o OGE 2023.
Se continuar assim por muito tempo, as consequências podem ser bastante positivas porque o sector petrolífero continuará a gerar superavit que serve ao Governo para investir além do básico. E os riscos de subfinanciamento do Estado face aos compromissos assumidos no OGE, podem ser reduzidos, devido ao papel insubstituível, para já, das receitas petrolíferas no PIB.
O petróleo representa hoje, ainda, mais de 90% das suas exportações, corresponde até 35% do PIB e garante cerca de 60% dos gastos de funcionamento do Estado.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.