Esta recuperação, apesar de ligeira, demonstra que existe uma vontade entrincheirada nos mercados para soltar as velas e aproveitar os ventos de feição, apenas cerceada pelas teimosas notícias que dão conta de novos confinamentos devido à pandemia da Covid-19 na Europa e ainda porque as vacinas tardam a fazer aquilo que delas se espera ansiosamente: uma derrota absoluta do Sars CoV-2.
Como pano de fundo para o cenário actual está uma forte queda no valor do barril na terça-feira, atingindo o valor mais baixo desde o arranque de Fevereiro, tanto em Londres, onde o Brent determina o valor médio das exportações angolanas, como no WTI, em Nova Iorque, que dança ao ritmo da economia norte-americana, a mais pujante do planeta e o maior produtor de crude nos dias que correm.
Isto, depois de 2021 ter começado com vontade de fazer esquecer o terramoto que, ao longo de 2020, sacudiu o mundo com o surgimento da pandemia da Covid-19, fazendo mesmo esquecer os piores momentos - em Abril do ano passado, onde o barril atingiu os 40 USD negativos no WTI e rondou os 20 no Brent -, atingindo valores pré-pandémicos, acima de 70 USD, há cerca de duas semanas.
Traduzido em números, significa que o barril de Brent está hoje, apesar dos ligeiros ganhos, a perder cerca de 14% dos máximos atingidos no arranque de Março, o que é uma má notícia para as economias mais dependentes das exportações da matéria-prima, com Angola entre as mais expostas.
A valer, perto das 10:10 de Luanda, 62 USD, mais 1,96% que no fecho de terça-feira, o barril de Brent ainda mostra vitalidade, mas para as contas do Executivo angolano, as notícias já foram melhores.
Mas o "oráculo" já tinha avisado
Este cenário já tinha, no entanto, sido colocado em evidência pelo mais recente relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), onde este organismo, um dos mais robustos oráculos para o sector, estima que a procura de petróleo só voltará a ser semelhante ao tempo anterior à pandemia da Covid-19 em 2023 e põe de lado a possibilidade de o sector assistir a um ciclo de forte recuperação nos próximos meses.
Foi como um balde de água fria em cima do sector petrolífero que estava a viver uma espécie de "sonho húmido" com o Brent, em Londres, e o WTI, em Nova Iorque, a baterem recordes, tendo mesmo chegado, em Londres, aos 70 USD por barril, graças aos cortes na OPEP+, ao arranque das campanhas massivas de vacinação mas, essencialmente, por causa do optimismo que se instalou como uma epidemia depois de mais de um ano de aperto e desânimo provocado pela mais forte crise económica em muitas décadas na esteira da Covid-19.
Com a "temperatura" dos mercados a baixar abruptamente devido a um recuo no desanuviamento dos confinamentos na Europa, com o atraso nas campanhas de vacinação por causa da escassa produção de imunizantes, eis que os mercados são surpreendidos com a suspensão da vacinação com a droga da AstraZeneca/Oxford em mais de 20 países em todo o mundo devido ao surgimento de complicações, tromboses, que podem - estão a decorrer estudos para averiguar essa possibilidade - ser resultado da sua toma.
E, para piorar as perspectivas sobre o futuro do sector, os mercados estão igualmente a lidar com informações sobre uma forte retoma das descobertas de novas jazidas de crude, que passam essencialmente pelas Américas, mas também com foco em África, incluindo no offshore e onshore namibianos e Angola, com o poço Ondjaba, da Total, no Bloco 48, que deverá começar a ser perfurado nos próximos meses, batendo um recorde de profundidade, nos 3628 metros.
Está ainda em cima da mesa uma esperada alta no dólar norte-americano face às restantes moedas com uma reunião do Comité Federal dos Mercados do Banco Central (Reserva) dos EUA, e, quando a "moeda franca" ganha valor, o barril baixa no preço.
Angola hoje...
A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.
Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.
Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.
Para já, com o barril na casa dos 62 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de mais de 23 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
E no que respeita aos futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, citado pela Lusa, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.