O argumento usado para justificar a rejeição do pedido foi de que o assunto se encontrava sob "investigação das autoridades competentes", pelo que a Assembleia Nacional (AN), na óptica da bancada do "maioritário", deveria respeitar o " princípio da separação de poderes e não se pronunciar sobre matérias ainda em fase de instrução criminal".
Apesar de o deputado da UNITA, Olívio Kilumbo, ter argumentado que se tratava de um "simples" acto de condenação à intolerância política e ao uso da violência, o facto é que a bancada do MPLA não abriu mão da sua decisão.
Em defesa da sua "dama", o deputado dessa bancada parlamentar Milonga Bernardo manifestou a sua solidariedade para com as vítimas dos incidentes, mas alegou que a AN não se devia antecipar ao trabalho dos órgãos judiciais e de investigação criminal, a quem, segundo ele, cabia apurar a existência ou não de actos de intolerância política nos referidos acontecimentos.
O gesto pode ser interpretado como uma fuga para frente ou, num outro ângulo de leitura, uma gritante falta de coerência política, já que num primeiro momento, a AN não se coibiu de condenar os nefandos acontecimentos. Nessa ocasião, não feriu o princípio da separação de poderes, do segredo de justiça, como alega agora, ou a presidente da AN tomou uma decisão precipitada?
Paradoxalmente, a rejeição do pedido da UNITA surgiu duas semanas e meia depois de a presidente da AN ter manifestado publicamente a sua "profunda indignação" pelo incidente de violência ocorrido no dia 31 de Maio, na referida localidade, que envolveu o deputado Apolo Yakuvela, da UNITA, e membros da sua delegação.
Numa nota divulgada dois dias depois dos incidentes, Carolina Cerqueira repudiou o ataque e manifestou a sua solidariedade para com o parlamentar e os membros da sua comitiva que o acompanhavam nessa visita a uma das localidades da província do Huambo.
Nas imagens postas a circular nas redes sociais, o deputado do maior partido da oposição aparecia ligeiramente ferido, com um fio de sangue a escorrer-lhe rosto abaixo.
"Solidarizamo-nos com o deputado Apolo Yakuvela e augurámos que possa retomar brevemente à sua função como representante do povo legitimamente eleito", lia-se no comunicado.
A presidente do Parlamento apelou, na ocasião, aos órgãos competentes à tomada de "medidas necessárias para o esclarecimento e responsabilização dos autores" do acto.
Apesar de o apelo pacificador de Carolina Cerqueira, o facto é que uma comitiva de deputados do partido do Galo Negro viria a sofrer um novo ataque, no dia 11 deste mês, quando se descolava para o novo município da Galanga.
A UNITA disse que comunicou previamente ao governador do Huambo sobre a sua deslocação àquela localidade e que terá inclusive recebido garantias de segurança da parte do governante, mas que Pereira Alfredo não terá honrado a sua promessa.
Num comunicado divulgado, o partido dos "maninhos" considerou o novo ataque de um "acto premeditado", que resultou no "ferimento de oito pessoas, uma das quais com gravidade".
De dedo em riste, a UNITA atribuiu a acção a supostas "milícias do Partido-Estado", que terão agido alegadamente a mando do MPLA.
"Esses grupos estavam armados com flechas, catanas, paus, varapaus e pedras e concentrados perto da Administração Municipal" referia o comunicado da UNITA, que dizia que um dos atacantes terá confessado à polícia que, no final da acção, seria financeiramente recompensado.
A Administração Municipal da Galanga e o MPLA negaram as acusações feitas pelo maior partido da oposição de que teriam instigado os atacantes, justificando a ocorrência dos factos com supostos "ajustes de contas" do passado da guerra, de um conflito, como se sabe, terminou há 23 anos.
Não se tem conhecimento de nenhum pronunciamento feito pela Polícia Nacional, a quem a UNITA acusa de cumplicidade nos referidos ataques por alegadamente não ter assumido uma posição de corporação republicana e imparcial.
No espaço público, sobretudo nos órgãos de imprensa, alguns deputados e políticos afectos ao MPLA tiveram uma dupla postura, condenando, por um lado, os acontecimentos e, por outro, procurando justificar os ataques com o argumento, aparentemente esfarrapado, de acções retaliatórias por parte da população contra o passado da guerra da UNITA. Numa guerra que, como se sabe, foram cometidos excessos por parte dos dois beligerantes, ainda que uns mais do que outros.
Numa entrevista que concedeu recentemente à TPA, o Presidente da República, embora não tivesse feito nenhuma referência directa aos acontecimentos da Galanga, deixou transparecer nos seus pronunciamentos que a UNITA era a causadora da "tensão política" no país.
Na polémica entrevista à televisão estatal, o PR alertou o líder da oposição para "não criar problemas" para depois "ir resolvê-los no Palácio da Cidade Alta".
Em alguns círculos de opinião, com o gesto, João Lourenço não escondeu a sua inclinação partidária, faltando-lhes sentido de Estado num imbróglio político em que deveria ter uma postura pacificadora, equilibrada e de reconciliação nacional.
Dentre os actos de violência política que ensombraram o panorama político angolano nos últimos tempos avultam os que se registaram há poucos meses quando, na antiga província do Cuando Cubango, uma caravana automóvel do PRA-JA foi atacada, por supostos militantes do MPLA.
Em Abril do ano passado, uma caravana da UNITA, da qual faziam parte três deputados dessa formação política, sofreu um ataque do género, na mesma província.
Em entrevista à VOA, o deputado da UNITA, Maurílio Luyele, disse na altura que "a meio do percurso encontramos uma barreira constituída por pessoas caracterizadas com camisolas do MPLA que bloquearam a estrada e que, de seguida, começaram a arremessar uma série de pedras para os nossos carros, tentamos ripostar como podíamos, mas tivemos de sair a correr".
Quanto às causas do ataque, aquele parlamentar afirmou que "da forma como a barreira estava posicionada, foi um ato premeditado".
Em face aos incidentes, a Polícia Nacional revelou que os órgãos de Polícia estavam " a trabalhar arduamente no sentido de identificar os seus autores, a fim de serem responsabilizados criminalmente", conclui a nota da PN.
Volvidos mais de 12 meses sobre os tristes acontecimentos, a PN, que dizia estar a "trabalhar arduamente", nunca mais voltou ao assunto, como se o mesmo nunca tivesse acontecido.
Neste país onde os resultados dos inquéritos policiais nunca ou raramente conhecem a luz do dia, por falta de uma gritante cultura de prestação de contas, o argumento usado pela bancada parlamentar do MPLA para evitar a condenação dos actos de intolerância política na Galanga foi, sem dúvida, uma hábil fuga para frente.

Verdade seja dita, a condenação pública de actos de violência política ou mesmo a abertura de um inquérito parlamentar em nada iria beliscar ou entrar em rota de coligação com o inquérito policial, já que uma das funções do Parlamento consiste em fiscalizar as acções do Executivo. As duas acções podiam correr, uma sem prejuízo da outra.