Com a possibilidade de a Rússia ver o seu petróleo e o seu gás natural fora dos mercados no âmbito das sanções que lhe estão a ser aplicadas pelo mundo ocidental, com EUA e União Europeia na linha da frente, as referências mais importantes neste negócio, desde logo o Brent, que determina o valor médio das ramas exportadas por Angola, estão a viver um momento frenético, como já não se via desde 2008, e as razões subjacentes são, desta feita, mais severas que as que levaram o barril em Junho desse ano aos 147 dólares norte-americanos.
Isto, porque se o mundo ficar sem os cerca de 8 milhões de barris que a Rússia coloca nos mercados globais todos os dias, e o seu gás natural, que é, tal como no crude, o terceiro maior produtor do mundo e o segundo maior exportador, num como noutro caso atrás apenas dos EUA e da Arábia Saudita, a economia planetária deparar-se-á com uma situação até aqui nunca vista e, como tal, sem mecanismos conhecidos de resposta, o que torna o cenário actual, não só muito volátil do ponto de vista dos mercados, como pode mesmo levar a que os países mais dependentes, as grandes economias mundiais, possam olhar para este problema como fulcral para a sua existência e isso leva a que outros patamares de perigo sejam alcançados.
Para já, como não ocorria há mais que 11 anos, o barril de Brent estava, perto das 09:50, hora de Luanda, a valer 127,5 USD, uma subida de mais de 8% face ao fecho da anterior sessão, mas chegou, por momentos, a bater nos 138 USD, enquanto no WTI de Nova Iorque, chegou, à mesma hora, aos 124,6 USD, com ambos as referências a alcançar valores históricos, e com uma das maiores subidas semanais desde que existe indústria petrolífera.
Este salto extraordinário do valor do crude é resultado directo da guerra no leste europeu, que levou os EUA a avançar para uma possível decisão de recusar comprar hidrocarbonetos Made in Russia, o que poderá ser seguido de imediato pelo Reino Unido e pela União Europeia, embora já hoje tenha havido uma comunicação do Governo alemão a dizer que Berlim não alinha na exclusão do crude, gás e carvão russos do seu cabaz de compras no sector da energia.
Com esta posição da Alemanha, os mercados estancaram ligeiramente o passo acelerado rumo aos valores de 2008, mas tudo pode voltar a acelerar se a posição alemã não vingar e as restantes potências europeias se mantiveram "submissas" à vontade de Washington.
A posição da China
A contrabalançar este terreno pantanoso em que se encontram os pés da indústria petrolífera russa está a China, a segunda maior potência económica mundial e o maior importador global de crude, que já fez saber que não vai alinhar com as potências ocidentais na aplicação de sanções económicas a Moscovo.
Esta informação, que já tinha sido admitida pelo Governo de Xi Jinping, foi confirmada já pelo presidente do organismo regulador do sistema bancário chinês, Guo Shuging, garantindo que o país vai manter as transacções económicas e financeiras normais com a Rússia.
"Nós não aprovamos a aplicação de sanções, especialmente as que estão a ser aplicadas unilateralmente por não terem base legal sólida e não haver qualquer certeza de que estas podem ter uma influência substancial na resolução dos problemas", adiantou o responsável.
Este posicionamento da China permite um importante alívio nas restrições que a economia russa está a enfrentar devido ao volumoso caudal se sanções ocidentais devido à invasão da Ucrânia.
Os precedentes
A Rússia é o segundo maior produtor/exportador de petróleo do mundo, logo a seguir à Arábia Saudita, com quem partilha a liderança da OPEP+, a organização que desde 2017 procura equilibrar os mercados petrolíferos abrindo e fechando as torneiras em função das condições dos mercados, o que torna evidente que qualquer perturbação na sua infra-estrutura produtiva e exportadora vai gerar uma tempestade global, podendo atirar o preço do barril para valores nunca visto.
Segundo alguns analistas citados pelos media especializados no sector, os valores do crude registados hoje podem ainda subir de forma descontrolada nas próximas horas ou dias se, como avisou antes desta acção do Presidente russo o Presidente dos EUA, Joe Biden, o mundo decidir "castigar" a Rússia incidindo sobre a sua infra-estrutura produtiva no sector dos hidrocarbonetos, que é a grande indústria exportadora do país e a sua principal, de longe, fonte de receitas.
Todavia, o mundo pula e avança e não fica aparado a ver passar sanções e o efeito das sanções sobre a Rússia pode ser diluído com a entrada no mercado de outro dos grandes exportadores mundiais de crude, o Irão, que está há vários anos sob rígidas sanções norte-americanas devido ao acordo nuclear de 2015, depois do anterior Presidente dos EUA, Donald Trump, o ter unilateralmente abandonado, reimpondo as sanções às exportações de crude sobre Teerão que tinham sido levantadas pelo seu antecessor, Barck Obama.
O Irão, segundo o próprio Presidente dos EUA, está a um passo de voltar a ver levantadas as sanções no seguimento de negociações que já duram há mais de um ano, com Teerão a comprometer-se com o cumprimento do acordo de 2015, que determina, entre outras imposições, que este país abandone o processo de criação de urânio enriquecido, que permitirá, no limite, a criação de armas nucleares.
E se isso suceder, como se prevê, nas próximas semanas, o Irão, que acaba de anunciar ao mundo uma gigantesca descoberta de reservas de crude e de gás no sul do país, pode fazer entrar no mercado global, no imediato, entre 2 e 3 milhões de barris por dia, podendo esta cifra chegar aos 5 milhões no espaço de poucos anos, ou mesmo meses, devido à sua condição de 3º maior produtor da OPEP.
A título de exemplo, em 2019 Teerão anunciou ao mundo a descoberta de um gigantesco campo de petróleo com mais de 53 mil milhões de barris, na zona do Khuzestan, a apenas 80 metros de profundidade, o que significa que, além de vasto, este campo garante não só uma extraordinária facilidade de extracção como garante um breakeven de sonho para qualquer multinacional do sector.
Este campo iraniano só fica atrás da sua estrela da companhia, o campo de Ahvaz, que contém mais de 65 mil milhões de barris prontos a ser extraídos.
Angola
No entanto, para já, esta crise que escala dia após dia para novos patamares no leste europeu, é uma garantia de preços mais elevados nos mercados internacionais, o que faz com que Angola, mesmo que o País se debata há anos com quebras sucessivas na produção, estando agora em menos de 1,1 milhões de barris por dia, mesmo abaixo da quota atribuída no contexto da OPEP, tenha um momento de relativa bonança pela frente, considerando que o crude representa, ainda, 95% das suas exportações, é responsável por 35% do PIB e garante quase 60% dos gastos de funcionamento do Estado.