Para se ter uma ideia da hecatombe, que rapidamente se irá traduzir negativamente nas contas dos países com economias dependentes das exportações do sector petrolífero, como ainda é o caso de Angola, basta pensar que, ainda há uma semana, o barril estava nos 85 USD.

É uma queda de mais de 8 USD em seis dias, que resulta unicamente de uma decisão do "cartel" que junta os Países Exportadores (OPEP) e a Rússia à frente de um grupo de antigos desalinhados, na OPEP+, que anunciou no Domingo um fade out prolongado para os cortes.

Desde a pandemia da Covid19 que a OPEP+, agremiação criada em 2017 para forçar o equilíbrio dos preços, ganhando tracção global ao juntar os dois gigantes da exportação mundial, a Arábia Saudita e a Rússia, mantinha não apenas os cortes em vigor nos dias que correm, mas, essencialmente, a perspectiva de continuidade dessa medida.

De acordo com as contas oficiais, a OPEP+ tem em curso um corte diário de 2,2 milhões de barris por dia (mbpd), retirados por quotas directamente ligadas à produção média de cada um dos membros, e ainda 1,5 mbpd por decisão unilateral de russos e sauditas.

Até agora, bastava os mercados ressentirem-se de algumas das medidas assumidas pelas potências económicas importadoras, como a China, ou consumidoras, apesar de igualmente produtoras, como os EUA, que tem retirado crude das suas reservas estratégicas para forçar em baixa os mercados, que a OPEP+ anunciava uma extensão dos cortes e tudo voltava ao normal.

Agora é precisamente o contrário que se está a assistir; a OPEP+, numa reunião de topo, no Domingo, anunciou que a partir de Outubro teria início uma nova fase do programa de cortes, com um redução faseada.

Primeiro, de forma receosa, na segunda-feira, e depois, nesta terça-feira, 04, com a força de um terramoto, os gráficos dos mercados não só abanaram como também caíram e, por momentos de forma descontrolada, passando dos 82 USD, mais cêntimo menos cêntimo, para os 77 USD perto das 09:40, hora de Luanda.

O que não é para menos, porque, contas feitas por diversas agências e sites especializados, em Dezembro de 2024, mais de 500 mil barris vão voltar aos mercados, e em meados de 2025, serão mais 1,8 mbpd, o que, significa que em cerca de um ano, o mundo terá mais quase 2 mbpd disponíveis.

Mas é preciso estar atento, como notam alguns especialistas dos mercados, porque sauditas e russos podem estar a testar os mercados para verificar se os actuais preços são artificialmente manipulados ou se há uma dimensão orgânica, porque os 80 USD é efectivamente um valor alto.

Para já, uma resposta não é evidente, até porque, depois de uma queda torrencial, a verdade é que uma análise mais fina ao Brent, de Londres, percebe-se que a seta em direcção ao abismo começou, perto das 09:50, a curvar ligeiramente a trajectória, passando de 77,09 USD para 77,41 USD em minutos.

E a alimentar a tese de se pode tratar de um teste, uma mera medição da temperatura da economia global, está o aviso deixado pelo "cartel" de que este plano fica dependente das condições dos mercados, que é como quem diz, se o barril cair muito, o crude volta a escassear.

Mas não é apenas isso que permite direccionar a análise para a possibilidade de se tratar de um "truque" de sauditas, russos e iranianos... é que uma queda abrupta como se está a assistir agora beneficia, e muito, os adversários, na abordagem mais simpática, e inimigos, com base em factos, ocidentais, especialmente os Estados Unidos.

Nos EUA, cuja Administração do Presidente Joe Biden, que concorre ao segundo mandato a 05 de Novembro, não tem escondido a sua determinação em empurrar o valor da matéria-prima para baixo, porque isso é eleitoralmente determinante, deve estar a abrir champagne na Casa Branca.

E, efectivamente, um cenário em que a Rússia e o Irão, mas também a Arábia Saudita, estão a ajudar, e o termo é mesmo esse, a ajudar o arqui-inimigo norte-americano, é um cenário que precisa de explicações especializadas, porque, num primeiro olhar, não faz sentido.

E ainda menos sentido faz quando se sabe que esta decisão, num negócio que vive muito de "futuros", vai levar a uma retracção das compras a prazo para o final do ano, como adverte um especialista, Bob Yawger, do Mizuho, um dos maiores bancos japoneses, citado pela Reuters, o que pressionará ainda mais em baixa os mercados.

A explicação pode ser bastante razoável, como sublinham alguns analistas, que é a obrigatoriedade da OPEP+ de estar, por um lado, preocupada com a baixa dos preços e os efeitos que isso tem nas contas dos seus membros, muito deles petrodependentes, e, ao mesmo tempo, terem de se inquietar com os efeitos negativos a prazo dos preços muito altos na sustentabilidade da economia global, e a ocidental, em particular.

Isto, porque, por exemplo, a acentuada crise na Europa Ocidental, que ganhou dimensão após o corte umbilical com o gás e o crude russos, no contexto das sanções a Moscovo por causa da guerra na Ucrânia, que acumula com anos a fio de preços altos do petróleo e gás, pode levar este importante universo económico a uma degradação que a prazo seria negativa para o negócio da energia fóssil.

Especialmente a Alemanha, onde os indicadores denotam uma crescente fragilidade devido ao corte dos oleodutos e gasodutos do crude e gás natural russos, não apenas baratos como abundantes, e que durante décadas nutriram a grande potência industrial europeia.

Ou seja, russos, sauditas e iranianos, além dos restantes membros da OPEP+, podem estar a dar um balão de soro ao ocidente para não perderem bons clientes no futuro.

E a isso não é igualmente alheio o desfolhar do calendário da Primavera para o Verão no Hemisfério Norte, onde, especialmente nos EUA, as famílias fazem longas viagens nos seus carros de grande cilindrada e enorme sede por gasolina, levando as refinarias a aumentar a pressão nos tubos.

O que é ainda mais substantivo quando este gigante do consumo de energia, e a maior potência económica mundial, se prepara para ir a votos dentro de cinco meses.

O que é substantivamente importante para Angola porque...

... apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, Angola é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica.

E ter o Brent nos 77 USD, embora sendo ainda bastante acima do valor médio usado para elaborar o OGE 2024, 65 USD, o que permite diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária, a verdade é que mostra uma redução inquietante desse superavit.

Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.

O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.