Os avisos têm-se repetido e chegam das mais diversas fontes, desta feita da Agência Internacional de Energia (AIE), que possui, de longe, o mais robusto registo histórico de dados sobre a montanha-russa que são os mercados energéticos.
Conta a AIE no seu último relatório que o triunfo da electricidade enquanto substituta da energia fóssil se começa a impor como uma caminhada da Humanidade sem retorno, como o demonstram agora os dados que apontam para uma redução do consumo de crude na China.
Este dado, por norma sustentado em percalços na economia chinesa ligados às exportações ou crises internas, é agora mais relevante porque a curva descendente do consumo de crude encaixa na curva ascendente do número de veículos eléctricos em circulação.
É isso mesmo que a AIE sublinha para dar um sinal de que o processo global de substituição da energia fóssil pelas energias verdes começa a consolidar-se face à consciencialização global de que ou é isso ou é o fim da sustentabilidade da vida no Planeta Terra.
"Este ano, a procura global pela matéria-prima aparece com dados muito mais fracos que nos anos anteriores e estamos à espera que assim continue devido à realidade chinesa", avisa Fatih Birol, director-executivo da agência numa entrevista à Boolmberg.
Para piorar o cenário, na perspectiva dos países exportadores e com economias dependentes dessas exportações, como é o caso, ainda, de Angola, apesar do esforço assumido pelo Governo para diversificar a sua base económica, a AIE enfatiza que o mundo vive um momento de excesso de oferta.
Além desse excesso de oferta, o consumo global, actualmente em torno de 103 milhões de barris por dia (mbpd) não constitui qualquer dificuldade para ser assegurado, visto que existe uma capacidade de extracção largamente superior às melhores expectativas para o crescimento da procura.
E isso mesmo, diz ainda Fatih Birol, ficará muito claro em 2025, com a evidência da existência de reservas muito além do risco de quebras de produção inesperadas, além de que os novos players somam de tal modo capacidade, como é o caso da Guiana, na América do Sul, com mais de 3 mbpd, que dificilmente os preços actuais poderão ser mantidos em breve.
Se era preciso um aviso mais flamejante para os países onde urge diversificar a economia, então, provavelmente, poderá não acontecer, mas, como sublinham cada vez mais analistas, quando acordarem será já demasiado tarde.
Ao contrário dos números que eram tidos como seguros ainda há seis meses, apontando para um crescimento de mais de 2,5 mbpd este ano, agora, segundo a AIE, tal fasquia não superará os 862 mil bpd, tendo descido perto de 65 mil barris em menos de 4 semanas.
E tudo porque na China está efectivamente a ocorrer uma transformação, aparentemente, sem dar muito nas vistas, das energias fosseis para as limpas, além de que isso também começa a ganhar tracção noutras latitudes, da Europa aos EUA, passando mesmo para os gigantes asiáticos como o Japão...
Este cenário está já mesmo a fazer a OPEP+ reverter os seus planos de fade out dos cortes estratégicos na produção de forma a controlar os preços em alta, podendo não apenas reduzir a margem que seria mantida como manter tudo como está...
A OPEP+ mantém actualmente cortes na ordem dos 5,6 mbpd, representando mais de 55% da produção global enxugada artificialmente, incluindo os 3,6 mbpd divididos pelos membros e 2,2 mbpd cortados voluntariamente por sauditas e russos.
Vale a pena, porém, lembrar que as crises em curso no Médio Oriente, esta principalmente, sendo mesmo a razão principal para os ganhos mais recentes, mas também na Península Coreana, em Taiwan ou mesmo nalgumas regiões de África, podem conduzir a uma alteração radical nas perspectivas mais razoáveis.
Para as contas de Angola...
... que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, este cenário pode indiciar um futuro difícil.
Mas, para já, ter o Brent quase nos 75 USD, claramente acima do valor médio usado para elaborar o OGE 2024, 65 USD, mantém a capacidade para diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, embora o país enfrente também o problema da persistente redução da produção diária.
Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes alimentam algum optimismo que pode ser ainda mais robusto se o país aumentar a produção o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Governo deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.