A par das notícias agradáveis para as petro-economias, como a angolana, que é o aumento do preço do barril e a antecipação por parte dos analistas de uma mais robusta procura nos próximos meses, no rasto do fim da pandemia da Covid-19, como cenário de fundo esses países têm a chegada certa e segura de um mundo pós-petróleo para o qual têm obrigatoriamente de estar preparados e a Nigéria parece ser o produtor africano com mais vontade de ir nessa direcção.
Apesar de ser já evidente que a economia mundial vai, em breve, deixar de depender dos hidrocarbonetos devido às transformações impostas pela urgência na redução das emissões de gases com efeito de estufa, a única forma de evitar uma catastrófica subida da temperatura do planeta, como a Agência Internacional de Energia (AIE) antecipa no seu histórico relatório divulgado este mês, para já é o burburinho da saída da crise pandémica que parece estar a focar todas as atenções.
Este boom económico era esperado pelos analistas com a progressiva saída da crise gerada pela pandemia, o que está já a suceder, apesar da persistência das infecções na Ásia, especialmente na Índia, sendo a valorização do barril de petróleo o sinal mais evidente dessa recuperação, que já é um dado adquirido nos EUA, na China e na Europa, as grandes potências económicas globais e os maiores consumidores da matéria-prima do planeta.
E é perceber como a OPEP+, a organização que, desde 2017, junta os Países Exportadores (OPEP) e a Rússia à cabeça de um grupo de 10 produtores independentes, vai reagir a este bom momento do sector na reunião mensal que está marcada para terça-feira, 01 de Maio.
Os analistas tendem a antecipar que o "cartel" vai, para já, manter o programa de cortes inalterado, ou com ligeiros acertos, o que consiste na manutenção de acrescentar mais 350 mil barris por dia (bpd) durante o mês de Junho e 400 mil bpd em Julho, de forma a aproximar o grosso dos cortes para os 5 milhões de barris por dia (mbpd).
O actual plano de cortes foi delineado no início da pandemia, (Março de 2020), e chegou a ser superior a 7 mbpd, estando a produção dos 23 países da OPEP+ a recuperar de forma progressiva e à medida em que os efeitos da pandemia vão sendo esbatidos com as campanhas de vacinação que se alargam a todo o mundo, embora algumas regiões do globo, como África, estejam claramente atrasadas nesse desígnio.
Na reunião de terça-feira, a OPEP+ terá uma questão em cima da mesa que pode, embora sem grande impacto esperado, levar a um ligeiro ajuste dos seus planos de cortes, que é a esperada chegada do Irão ao núcleo duro dos maiores exportadores do "cartel" assim que forem concluídas as negociações sobre o acordo nuclear com os Estados Unidos para o levantamento das sanções.
Os analistas estimam que o Irão vá, em breve, colocar 500 mil barris por dia no mercado, aumentando esta quantidade de forma progressiva, o que pode levar a que, nesta reunião, esse dado conduza a alguma alteração no calendário da retoma da produção.
Para já, estas notícias que apontam para uma crescente procura até ao final do ano, estimando-se mesmo que seja atingida a cifra dos 100 mbpd, valores existentes antes da pandemia, está a valorizar o barril de Brent, que serve de referência para as exportações angolanas, chegando aos 69,50 USD, perto das 10:00 de Luanda.
Embora a quantidade de crude consumido ainda não esteja em valores pré-pandémicos, o preço do barril já chegou a esse patamar há pelo menos dois meses, o sinal evidente de que a crise está a ficar para trás.
O problema é o futuro
Estas notícias simpáticas para as economias que mais dependem das exportações de petróleo têm, no entanto, um fim destinado e para breve, porque assim o exigem as medidas drásticas que visam a redução das emissões de poluentes que estão a provocar as alterações climáticas e a subida vertiginosa das temperaturas no planeta, o que se pode já hoje verificar de várias forma mas que, em Angola, são evidentes na crescente gravidade das prolongadas secas nas províncias do sul.
Como a AIE deixa claro no seu derradeiro e incontornável relatório sobre essa matéria, sobre o qual o Novo Jornal noticiou aqui, os países que dependem das exportações de crude, como Angola, devem avançar rapidamente para a procura de alternativas, porque já nada vai travar a caminha da humanidade para o fim da dependência do petróleo e do gás natural.
Para já, em África, apesar de Angola estar igualmente a investir na criação de fontes alternativas de energia, especialmente a solar e a hídrica, é a Nigéria o primeiro país a tornar oficial esse desígnio de se preparar para um mundo sem petróleo.
Sendo o maior produtor de crude do continente africano, a Nigéria já está a caminhar para se preparar de forma a não ser surpreendida pelo fim abrupto do crude como principal fonte de receitas, como o ministro da Ciência e da Tecnologia, Ogbonnaya Onu, disse recentemente num fórum sobre o assunto.
A Nigéria é o maior produtor africano, tem no crude cerca de 10 por cento do seu PIB, substancialmente menos que Angola, que é o terceiro maior produtor do continente (atrás da Líbia), que chega aos 50%, embora no que toca a exportações, a matéria-prima seja responsável por 95% das exportações nacionais e de 85% das exportações da Nigéria.
Uma das medidas em curso na Nigéria, segundo o ministro da Ciência e da Tecnologia, Ogbonnaya Onu, é a aposta no metanol como combustível de substituição para a queima de gás, o que permitirá reduzir de forma significativa o problema da queima de gás e a sua dependência interna.
Mas o Governo de Abuja não tem plano para reduzir a produção ou sequer para travar a captação de investimento para o seu principal sector económico, antes pelo contrário, o país tem mais de 100 projectos em preparação para os próximos cinco anos na área do gás e do petróleo.
E isso mesmo está subjacente ao anúncio, na passada semana, de um acordo entre a petrolífera nacional NNPC e as majors Shell, Exxon, Total e ENI para o desenvolvimento e exploração do projecto do campo gigantesco em águas profundas denominado Bonga, que promete catapultar de forma significativa a produção global nigeriana, desafiando de forma evidente as metas globais de redução da importância do petróleo para a economia mundial, que deve ter nas energias limpas o foco principal dos investimentos no sector energético.
Crude sob fogo cruzado
Isto, porque o petróleo está claramente sob fogo e na mira do mundo aflito com os efeitos da poluição atmosférica sobre o planeta, com esforços jamais vistos na procura de reduzir o seu consumo, como o plasmado no Acordo de Paris, que obriga à sua quase anulação até 2050, ou ainda às cada vez mais severas restrições a que os hidrocarbonetos estão sujeitos.
A ONU, como têm sido disso prova os repetidos recados do seu Secretário-Geral, António Guterres, que insiste no objectivo "emissões zero" para combater o aquecimento global através da redução da emissão de gases com efeito de estufa.
Essa é a única forma de garantir que o Planeta Terra não aquece mais que 2 graus centígrados até 2100, temperatura a partir da qual a vida deixa de ter condições de subsistir tal como a conhecemos, podendo o "desastre" ocorrer muito antes se nada for feito para travar o consumo de combustíveis poluentes, sendo o crude o inimigo público nº1 neste capítulo.
Face a este cenário, reforçado pela advertência das Nações Unidas às instituições financeiras e bancos globais de que devem deixar rapidamente de financiar projectos poluentes e apostarem rapidamente nos projectos de reduzidas emissões de carbono e com garantia de serem amigos do ambiente, apontando António Guterres as baterias às infra-estruturas de apoio à extracção e uso de energia fóssil, lembrando que estas estão condenadas a ser financeiramente um erro evidente.
"Não podemos suportar mais grandes infra-estruturas no sector da energia fóssil", disse Guterres, sublinhando, num importante encontro sobre o clima em São Petersburgo, na Rússia, que são evidentes as provas de que "as energias alternativas e limpas são hoje um investimento mais seguro e reprodutivo do capital investido".
E isso parece ser já uma evidencia para as grandes casas financeiras e bancos com alguns deles, como a Goldman Sachs, a mudarem o azimute das suas atenções para outras áreas, no universo das energias limpas ou de baixa emissão de gases com efeito de estufa.
Outros casos são já mais que um sinal de que o petróleo deixou de ser visto com bons olhos pela banca mundial e que, na primeira oportunidade, esta salta do barco, o que não pode deixar de ser um evidente aviso para os países produtores, como Angola, de que é chegado o momento de diversificar as suas economias e afastá-las da dependência da extracção de hidrocarbonetos.
Um bom exemplo é a decisão do australiano Banco Macquarie que se retirou da exposição aos projectos de extracção de carvão e petróleo estabelecendo como meta para isso 2024, outro exemplo vem do Deutsche Bank que deixou, com efeito imediato, de financiar projectos na área do gás e do petróleo onde estava, como os do Árctico, ou ainda a Goldman Sachs, que também anunciou a retirada do financiamento nalguns projectos que tinha em carteira.
E o recado parece ter chegado longe.
Pelo menos para as multinacionais do petróleo, isso é já evidente, como fica claro em declarações de alguns dos lideres do sector, sendo bom exemplo o que disse recentemente o CEO da Shell, Bem van Beurden, que entende ter o mundo já atingido o pico do consumo de crude e agora vai ser sempre a descer com a emergência das não-poluentes, enquanto a BP anunciou estar ciente de que as actuais reservas de crude "nunca serão esgotadas" porque as preocupações ambientais e as alterações climáticas estão claramente a afastar o interesse do petróleo.
Alguns analistas, como Alex Kimani avançou no OIlPrice, entendem que 2020 pode muito bem ter sido o ano em que tudo mudou no sector do petróleo e, em geral dos combustíveis fosseis, devido à mudança de paradigma em direcção às energias limpas, podendo mesmo, diz este especialista, mais de 900 mil milhões de dólares, o que corresponde a um terço do valor total das "majors" do crude e gás natural, estão em evidente risco de deixarem de ter qualquer valor.
Todavia, como este processo não tem paralelo na história da indústria das energias fosseis, é muito difícil para os analistas estimar com precisão o momento em que o mundo estará livre da dependência do crude e do gás natural ou mesmo do carvão.
Por isso, alguns analistas notam que existe o risco de as "majors" deixarem de investir na busca de novas reservas e as actuais estarem esgotadas sem que a transição energética esteja concluída, o que poderia levar, ironicamente, a uma explosão do valor do barril nos mercados para patamares jamais vistos.
Um sinal de que isso pode estar a suceder já está disponível nos relatórios internos do chamado "big oil", ou grandes companhias, que já observam um volume de redução das suas reservas superior à sua substituição por novas descobertas devido ao evidente desinvestimento, como o demonstrou a norueguesa Rystad, que disse que as cinco "majors", a ExxonMobil, a BP, a Shell, a Chevron, a Total e a ENI já não estão a repor o que extraem com novas descobertas em mais de 15% ou o equivalente a 13 mil milhões de barris, o que quer dizer que, em 15 anos, estas reservas estarão secas.
E Angola surge como um dos países onde esse desinvestimento parece estar já a afectar fortemente a produção do País, visto que esta tem estado a cair de forma pesada nos últimos anos, passando em cerca de uma década de 1,8 mbpd para os actuais, em queda acentuada, 1,2 mbpd.
Ameaça sobre Angola...
Mantém-se no horizonte uma séria ameaça sobre a produção angolana de crude, dando continuidade a um ciclo negativo que começou em 2014, quando o barril caiu para baixo dos 100 USD, chegando a menos de 30 dólares em 2016, o que gerou uma sucessão de acontecimentos, desde o desinvestimento das "majors" à perda de vigor dos poços activos, a uma menor pesquisa por novas reservas...
O que conduziu inevitavelmente a que Angola fosse relegada para o 3º maior produtor africano de crude quando ainda há meia dúzia de anos estava no topo dos produtores no continente, perdendo para a Nigéria, o histórico rival, e para a Líbia, um país dilacerado por uma guerra civil de mais de uma década.
A produção angolana chegou mesmo, nestes dias, a baixar para pouco mais de 1,1 mbpd, antecipando as piores previsões da AIE que estimava em 2019 que Angola estivesse a extrair do seu offshore 1,29 mbpd em 2023, estando agora a níveis de 2006.
Com o surgimento da pandemia da Covid-19, os esforços em curso para impulsionar a produção nacional foram por água abaixo e as multinacionais a operar em território angolano optaram por colocar quase tudo em stand by, retirando pessoal técnico, parando o escasso investimento em curso, a ponto de ultimamente não estar activa nenhuma plataforma de perfuração, por norma eram entre quatro a seis navios de pesquisa (drillship) nos mares de Angola.
Apenas a Total e a ENI mantiveram a chama acesa com projectos em curso que atenuaram ligeiramente os efeitos da debandada sentida no sector em Angola, apesar dos esforços do Executivo para criar um ambiente legislativo e de negócios mais amigo dos investidores.
O que sobressai neste contexto é que Angola acabou por perder quase metade da sua produção tendo em conta que em 2008 o País estava muito próximo de atingir os 1,9 mbpd, insuflado pelo boom nos mercados que estavam a comprar o barril de Brent, nesse ano, em Junho, a 147 dólares, um recorde histórico.
Esta quebra, que é de 40% no mínimo, tendo em consideração os valores de há uma década, é um reflexo notório de anos de desinvestimento no País pelas multinacionais, sendo que, numa realidade global adversa aos hidrocarbonetos, onde a transição energética para as energias renováveis, forçada pelo Acordo de Paris, coloca, cada vez mais em evidência que o petróleo está à beira de perder importância.
E isso leva ainda, como alguns analistas têm sublinhado, a que as petrolíferas apostem mais onde o breakeven é mais baixo, como o Médio Oriente, com o barril a sair do chão a uma média abaixo dos 8 USD quando em países como Angola esse valor pode subir acima dos 20 USD.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.
Ainda assim...
A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.
Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.
Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.
Para já, com o barril na casa dos 69 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 30 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.