A subida que o barril está a registar no Brent de Londres, o mercado de referência para as exportações angolanas, e no WTI de Nova Iorque, que define o valor do petróleo consumido nos EUA, a maior economia e o maior consumidor mundial de energia está a ser bastante modesta porque os problemas de fundo permanecem por resolver.

Entre estes, estão o quase esgotamento da capacidade de armazenamento estratégico das grandes economias planetárias, que a Goldman Sachs estima atingir o limite em menos de três semanas, a subida permanente e substancial registada pelo Instituto Americano do Petróleo (API) nos stocks norte-americanos, a continuação, embora com menor intensidade, do confinamento global para combater a expansão da Covid-19 e, sobretudo, a gigantesca distância que vai entre a perda na procura, que a Agência Internacional de Energia (AIE) estima ter passado de 100 mbpd para 70 mbpd devido a esta crise e os cortes de 10 mbpd da OPEP+, o que deixa ainda um buraco de 20 mbpd por tapar.

A matemática simples que sustenta esse buraco de 20 mbpd entre a procura pré-pandemia, que era de cerca de 100 mbpd, e a descida da procura para 70 mbpd, com a junção da parcela dos 10 mbpd cortados pela OPEP+ está no cerne das justificações dos analistas para a continuação do pessimismo para o sector caso não seja anunciada em breve a descoberta de uma vacina para a Covid-19.

Isto, porque assim que os cortes entrarem em vigor a 01 de Maio, como previsto no acordo alcançado há cerca de um mês, os mercados rapidamente vão começar a olhar para o "buraco" de 20 milhões de barris que diariamente se impõe entre a produção e o consumo de facto em todo o mundo.

Essa a razão que mais sobressai entre os argumentos avançados pelos especialistas para a pequenez do impacto de um corte de 10 mbpd que, noutras alturas, seria de dimensão tal que os mercados dariam um salto de gigante mas que hoje, perante o actual contexto de incerteza, está apenas a conseguir que o barril de Brent suba, perto das 10:00, 2,93 %, para 21,06 USD, enquanto no WTI, em Nova Iorque, a subida é mais expressiva, cerca de 13%, para perto dos 13 USD por barril, cujo impacto está limitado pelas avultadas perdas recentes.

Recorde-se que o Brent já perdeu, desde o início do ano, coincidindo em absoluto com o tempo da crise pandémica, 70% do seu valor, e o WTI já vai em 72 % negativo no mesmo período, sendo incontornável recordar que na semana passada, os futuros de Maio vendidos em Nova Iorque estiveram a transaccionar em valor negativo, o que nunca tinha acontecido na história desta indústria, e muito menos à dimensão a que chegou: -40 USD por barril.

O lento regresso à normalidade

Em contramão com este pessimismo surge o facto de algumas economias, como as europeias, a chinesa e a norte-americana estarem já a diminuir a severidade do confinamento social, com a reabertura de alguns sectores do comércio e industriais, como os sectores automóvel e de químicos, ou de bens e serviços, ou ainda a ideia em crescendo de que a Covid-19 está a ser derrotada devido ao cada vez menor número de casos na Europa e na Ásia, enquanto África se mantém como uma espécie de oásis, sendo os EUA e o Brasil, nas Américas, as excepções...

Igualmente importante para este ligeiro sentimento de retoma é a diminuição de 300 mil barris por dia provenientes da indústria do fracking, ou petróleo de xisto, que não estão integrados nos cortes da OPEP+, apesar de o Presidente dos EUA ter sido actor importante para o acordo a que o "cartel" assinou.

O fim da agressiva guerra de preços entre a Rússia e a Arábia Saudita, que nasceu do desacordo inicial, a 06 de Março, sobre a política de cortes na OPEP+, e que levou os sauditas a inundar os mercados de crude historicamente barato, gerando em grande parte a crise que as economias exportadoras de crude, como a angolana, vivem hoje, é um dos pilares em que assenta a expectativa de que alguma normalidade possa começar a ser reposta.

E esse regresso à normalidade é fundamental para Angola, porque, estando entre os países africanos mais afectados por esta crise, devido à sua dependência do petróleo - 95% das suas exportações e 35% do seu PIB -, o risco de entropia económica é grande, visto serem escassas as alternativas imediatas devido à lenta diversificação da sua economia produtiva e exportadora.

A título de exemplo surge a necessidade de rever o OGE 2020 quando o petróleo estava ligeiramente abaixo dos 40 USD, adequando o preço de referência a essa realidade, para os 35 USD, com o documento revisto prestes a ser aprovado entre Maio e Junho, mas já com o risco de ter de ser novamente mexido - o barril de Brent está hoje a 21 USD - se as circunstâncias não se alterarem em breve, especialmente no que diz respeito à pandemia da Covid-19 e a subsequente crise económica mundial.

Medo da repetição do cenário de 2014

Mas há no horizonte um medo difícil de esconder entre os países que produzem petróleo em geografias mais expostas à crise, como é a africana, destacando-se Angola e a Nigéria, os dois maiores produtores do continente, que é a repetição do cenário de 2014, quando a crise no consumo levou à queda abrupta do valor do barril, passando para baixo da fasquia dos 100 USD onde estava desde 2007, e, nesse seguimento, as grandes multinacionais colocaram as suas infra-estruturas em stand by, nalguns casos, abandonando-as literalmente.

Angola, que ainda hoje sofre as consequências dessa crise, apesar do esforço entretanto feito pelo Executivo de João Lourenço para reavivar o sector, especialmente com a aprovação de nova legislação, incentivos fiscais, a criação da ANPG e a reestruturação da Sonangol, com resultados visíveis, está de novo perante a possibilidade de as majors voltarem a reduzir a sua presença.

E há já sinais dessa "adequação", seja pela redução das sondas em actividade na área da pesquisa, seja com a diminuição importante da mão de obra expatriada e local, por vezes justificada com a necessidade de responder às medidas de contenção da Covid-19, o que poderá influir negativamente na capacidade de produção nacional.

Até porque, em cima da mesa estão as perspectivas apontadas pela AIE em Março do ano passado, sem ter em linha de conta a actual crise, para que, até 2023, Angola veja a sua produção cair para 1,29 milhões de barris por dia, quando estava, então, acima dos 1,4 milhões.