O que isto quer dizer é simples: Lula acha que Bolsonaro e um "maluco" e Bolsonaro entende que Lula "é um bêbado".
Para a primeira entrevista de Lula, que há mais de um ano está detido depois de condenado no âmbito da Lava Jato, por corrupção, embora tenha visto a sua pena de 12 anos ser encolhida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para oito anos, não é pouca coisa, até porque parece ter conseguido o seu objectivo principal, como sublinharam logo de seguida alguns analistas brasileiros, porque conseguiu "levar" o combate directo da sua cela para a mesa de trabalho do Presidente Bolsonaro, claramente dois inimigos dispostos a um combate sem tréguas.
E isso sucedeu quando, na reacção à entrevista de Lula, Jair Bolsonaro, veio a terreiro dizer que o Brasil foi Governado, quando Lula da Silva era Presidente, por "um bando de cachaceiros", que é como quem diz, um "bando" de bebedores de cachaça, a típica aguardente de cana, responsável por milhões de alcoólicos no Brasil e de Lula é amiúde acusado de pertencer.
Segundo Lula, é tempo de "fazer uma autocrítica geral nesse país e o que não pode ser é o Brasil estar a ser governado por esse bando de malucos". O país não merece isso e sobretudo o povo não merece isso".
Para o antigo chefe de Estado, a elite brasileira deveria fazer uma autocrítica depois da eleição de Jair Bolsonaro para a presidência.
De acordo com a Folha de São Paulo, durante a entrevista, que durou cerca de duas horas, Lula da silva referiu-se várias vezes ao ex-juiz Sérgio Moro, actual ministro da Justiça do Brasil, e responsável por decretar a prisão do antigo governante, que afirmou ter uma "obsessão em desmascarar" o antigo magistrado.
"Eu tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, o Deltan Dallagnol [procurador do grupo de trabalho da Lava Jato em Curitiba] e a sua equipa. Eu ficarei preso 100 anos, mas não trocarei a minha dignidade pela minha liberdade. Eu quero provar a farsa montada", frisou Lula na entrevista aos dois jornais, citada pela Lusa.
Na resposta, Bolsonaro não perdeu tempo e afirmou que o Brasil, pelo menos, não é governado por um bando de bêbedos, avançando, com a ironia como artilharia, que o consumo de bebidas alcoólicas nas prisões é proibida, querendo com isto significar que se calhar o ex-Presidente voltou a contornar a lei para obter a sua bebida de eleição.
O antigo Presidente comentou ainda as eleições presidenciais brasileiras do ano passado, que ditaram a derrota do seu partido (PT) e a vitória de Jair Bolsonaro, declarando que "nunca viu tanto ódio nas ruas", como naquele período.
"Tivemos uma eleição atípica no Brasil. Vamos ser francos. O papel das 'fake news' na campanha, a quantidade de mentira, a robotização da campanha na Internet foi uma coisa maluca. E depois a falta de sensibilidade dos setores de esquerda de não se unir. A coisa foi tão maluca que a [candidata] Marina Silva, que quase foi Presidente em 2014 teve 1% dos votos. Eu nunca tinha visto o povo com tanto ódio nas ruas", afirmou ao El País e à Folha de São Paulo.
Lula da Silva descreveu "a tristeza" que sente na prisão, quando se lembra "das mentiras" que levaram à sua condenação.
"Quando vejo essa gente que me condenou na televisão, sabendo que eles são mentirosos, sabendo que eles forjaram uma história (...). Esse messianismo ignorante, sabe? Então eu tenho muitos momentos de tristeza aqui. Mas o que me mantém vivo, e é isso que eles têm que saber, eu tenho um compromisso com este país, com este povo", completou.
O juiz do Supremo Tribunal Federal brasileiro Ricardo Lewandowski decidiu esta quinta-feira que apenas o jornal Folha de S.Paulo e o El País poderiam entrevistar o ex-Presidente Lula da Silva, preso em Curitiba desde 07 de abril de 2018 por ter sido condenado em duas instâncias num processo da Operação Lava Jato.
No entanto, os juízes do Superior Tribunal de Justiça brasileiro decidiram na terça-feira, de forma unânime, reduzir a pena de Lula, de 12 anos e um mês para oito anos, dez meses e 20 dias de prisão.
Lula não deveria ter dado entrevista, defende Bolsonaro
"Em primeiro lugar, entendo que Lula não deveria ter dado entrevistas. Foi um erro da justiça conceder esse direito. O presidiário tem que cumprir a sua pena", argumentou Bolsonaro sobre a decisão do Supremo Tribunal que autorizou os diários Folha de São Paulo e o jornal espanhol El País a entrevistar, na prisão de Curitiba, o antigo Presidente do Brasil.
Bolsonaro alegou ainda que na entrevista Lula disse "patetices" sobre o seu Governo e desafiou-o a comparar as duas administrações do país.
"Quem eram os membros da sua equipa? Grande parte dela tem problemas com a Justiça. Os seus ministros estão presos ou a responder a processos. Podemos comparar os nossos ministros com os deles seja em qualificação, profissionalismo, patriotismo ou em fazer as coisas correctamente", questionou Bolsonaro.
O Presidente brasileiro lembrou que o seu Governo leva 110 dias e sem qualquer acusação como aquela que Lula e os seus ministros sofreram no passado.
Segundo Bolsonaro, os 13 anos de gestão do Partido dos Trabalhadores de Lula apenas deixaram ao Brasil "desgraças" e "sofrimento", as quais são ainda hoje sentidas.
Acrescentou que o Brasil retrocedeu muito na era do PT e que a sua intenção é substituir a demagogia e o populismo dessa época por responsabilidade.
Na entrevista, Lula criticou o Governo de Bolsonaro, a falta de um partido sólido que o sustente e alegou que o Brasil e o seu povo não merecem ser governados por um "bando de loucos".
O ex-Presidente, lembra Lusa, aproveitou também a sua primeira entrevista na prisão para insistir na sua inocência, manifestar que está de consciência tranquila e garantir que prefere continuar na prisão do que perder a sua dignidade.