Com as devidas distâncias e contextos, as cargas policiais sobre os estudantes trouxeram-nos à memória os tristes acontecimentos que ocorriam na África do Sul, quando este país estava sob a bota militar do regime racista do Apartheid.
De acordo com fontes convergentes, os musculados agentes policiais, não se limitaram a dispersar os manifestantes, com o pretexto de que a manifestação não sido autorizada pelo Governo Provincial de Luanda (GPL), mas também fizeram detenções em massa de mais de uma centena de estudantes e de quatro jornalistas.
Há relatos de que muitos estudantes só foram devolvidos à liberdade várias horas depois, mas em locais muito distantes do espaço onde decorreu a manifestação.
Soube-se que oito dos manifestantes foram levados à barra do tribunal, já no começo desta semana, mas que acabaram de ser libertados por insuficiência de provas.
Embora o porta-voz da corporação tenha afirmado que a polícia limitou-se a dispersar a manifestação, o facto é que os agentes perseguiram os manifestantes até aos locais onde eles tinham procurado refúgio, incluindo uma igreja, a fim de prendê-los.
À semelhança do que aconteceu noutras ocasiões, a polícia voltou a deter manifestantes para largá-los, à sua sorte, a dezenas de Km do local da manifestação, como se fossem pessoas indesejáveis ou marginais.
Convém lembrar que já ocorreram episódios de agentes policiais lançarem granadas de gás lacrimogéneo para os quintais de determinadas residências para desalojar os manifestantes que haviam procurado refúgio no seu interior, com o objectivo de detê-las.
No último sábado, os estudantes, não só se queixaram do uso excessivo de força, de forma desproporcional, como também de terem sofrido de actos de agressão física e verbal por parte dos elementos da polícia.
Por infeliz coincidência, a detenção dos profissionais de imprensa, que cobriam a manifestação, ocorreu numa altura em que se encontrava no país uma delegação do Comité de Protecção dos Jornalistas (CPJ). Esta organização já condenou o acto e manifestou a sua perplexidade pelos acontecimentos registados.
Tudo aponta que em matéria de imagem externa, a brutal repressão policial terá reflexos negativos na avaliação dos índices da liberdade de expressão e imprensa em Angola, que tem sido feita anualmente pelos diversos organismos afins, mais concretamente os Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a Freedom House, assim como a Amnistia Internacional.
A repressão policial trouxe, uma vez mais, à superfície a natureza intolerante deste regime que tem sérias dificuldades de conviver com a diferença e tolerar as manifestações de protesto.
A resposta brutal ao exercício de um direito consagrado na CRA deixou cair por terra os argumentos da ministra da Educação que, dias antes, afirmou, alto e bom som, durante o Café-CIPRA, que o Executivo acatava as críticas.
A manifestação foi o último recurso dos estudantes e seus representantes, depois de verem esgotados todos os mecanismos de diálogo com a tutela, tendo esta ignorado ou feito ouvidos de mercador aos diversos apelos dos estudantes.
Com o gesto, os manifestantes quiseram expressar a sua indignação às políticas públicas, aos poucos investimentos feitos no sector que todos os anos deixa milhões de crianças e adolescentes fora do sistema de ensino.
Ficou provado que o Executivo, do qual fazem parte as ministras da Educação e da Juventude e Desportos, não tolera vozes dissonantes, de jovens que pensam e agem pela própria cabeça.
Na linha de pensamento dos ministros Luísa Grilo e Rui Falcão, só fazem falta ao país os jovens que estão filiados na JMPLA, que participam de manifestações de apoio ao MPLA ou no endeusamento da figura do Presidente da República, João Lourenço, os críticos à má governação não entram na equação por eles desenhada.
Apesar de a manifestação ter sido inviabilizada, Francisco Teixeira e pares mostraram que eles não se guiam pela chamada democracia "orientada e disciplina", que limita o exercício da liberdade de pensamento e expressão dentro da instituição partidária MPLA.
A manifestação pode ter servido para chamar a atenção do Executivo para que este incremente o bolo orçamental destinada ao sector da Educação, em vez de continuar a privilegiar os sectores da Defesa e da Segurança ou suportar os excessivos gastos com a instituição Presidência da República.
Contrariando o pensamento de Luísa Grilo e Rui Falcão, os manifestantes quiseram mostrar no espaço público que estão contra as péssimas condições do ensino, de crianças que continuar a estudar ao relento, debaixo das copas das árvores ou em escolas degradadas, em salas de aulas apinhadas, sem água corrente e WC's.
Eles saíram à rua para apelar ao órgão de tutela sobre a falta de professores, carteiras, livros, manuais escolares, e queixar-se da péssima qualidade do ensino. Da falta de oportunidade de empregos, depois de concluídas as suas formações académicas.
Por caricato que possa parecer, os agentes policiais que foram usados para reprimir violentamente à manifestação estudantil, alguns deles têm, muito provavelmente, os seus filhos a estudar em condições degradantes nas mesmas escolas frequentadas pelos manifestantes, que na rua clamavam pelos seus direitos.
Está mais do que provado que os excessos de violência, as balas disparadas, os porretes, as prisões e condenações servem apenas para calar paliativa e provisoriamente os efeitos, mas não as causas dos protestos, cujas raízes são mais profundas do que parecem à primeira vista.
Por estas e outras razões é que muitos jovens optaram por emigrar, sujeitar-se no estrangeiro aos trabalhos duros e braçais, porque onde nasceram as oportunidades de singrar na vida são vez mais escassas, para não dizer inexistentes.