Quando a noite eleitoral em vários municípios e estados norte-americanos terminou, o desespero tomou conta do Presidente Trump, que viu não apenas os nova-iorquinos darem a vitória ao, como lhe chamou, "comunista Zohran" mas também a democrata Abigail Spanberger ganhar o estado da Virgínia e Mikie Sherril eleita para governadora de Nova Jersey.
Ao correr para a sua rede social, a Truth Social, para escrever que a responsabilidade pelo desaire eleitoral, que se alargou, com especial relevância, ainda a vários municípios na Califórnia, Donald Trump apenas conseguiu obter como eco nos media a descrição do seu pior pesadelo que, como o próprio tinha dito, foi "perder a sua querida primeira casa", que foi Nova Iorque, berço do seu controverso império imobiliário, para "um comunista".
Na publicação na Truth Social, Trump procurou alijar a culpa para o impasse no Congresso na aprovação do orçamento federal que já leva semanas, mantendo milhares de funcionários públicos sem salários, acusando os democratas desse bloqueio, mas os factos são factos e a derrota pertence-lhe quer queira quer não, porque nas semanas antecedentes, em todos as geografias eleitorais intercalares desta terça-feira, 04, a sua governação foi o combustível que alimentou a votação nos democratas.
E sim, esta votação, pelo menos nos locais onde teve mais impacto, como Nova Ioque, Nova Jersey, Virgínia e Califórnia, foi um cartão vermelho para a governação republicana na Casa Branca, considerando principalmente que Trump foi eleito com um discurso contra a política económica do democrata Joe Biden e contra o enfoque da sua Administração nas questões externas, como a guerra na Ucrânia.
A principal acusação feita a Trump e à sua Administração é que não apenas repetiu e continuou aquilo que criticava a Biden, como piorou os dados referentes ao desemprego e à inflação, o que levou a sua taxa de reprovação popular a ultrapassar a do seu antecessor, com mais de 60% dos norte-americanos a condenarem as suas políticas nos nove meses que leva neste segundo mandato na Casa Branca.
Esta eleição não é apenas uma derrota para os democratas de Donald Trump, como nota The Guardian, foi "uma boa noite para os democratas" que estão mais à esquerda que no tempo de Joe Biden, como ficou patente no apoio que o senador Bernie Sanders, a cara da ala socialista no Partido Democrata, deu a Zoharan Mamdani na campanha em Nova Iorque.
Esta noite eleitoral, fortemente focada em Nova Iorque, embora esta "cidade que nunca dorme" não possa servir de referência para as tendências eleitorais nos EUA, tendo sempre sido mais "livre e multiétnica" que as demais, foi aproveitada mediaticamente para golpear as políticas de Trump.
Isso aconteceu, seja contra o seu radicalismo económico neo-liberal, seja contra as suas políticas anti-imigração e contra tudo o que "cheire a comunismo" como chegou a referir, embora nas hostes de Trump qualquer laivo social-democrata seja apontado como "comunismo"...
Como referia um eleitor de Nova Iorque aos microfones da CNN, esta eleição foi entre o medo e a esperança e "claramente a esperança ganhou ao medo", o que emerge como uma forte advertência para Donald Trump que, dentro de pouco mais de um ano terá pela frente as duras eleições intercalares para o Congresso, onde, se este "filme" se mantiver, deverá perder as maiorias na Câmara dos Representantes e no Senado, encharcando de dificuldades a segunda metade do seu mandato.
Sabendo disso, Trump foi a correr para a Truth Social escrever que o seu nome "não estava nos boletins de voto", o que é verdade, mas nos media, e nas semanas que antecederam a votação, foi o nome mais falado, além de ter apostado claramente na derrota de Mamdani, apoiando o candidato democrata, Andrew Cuomo, antigo Governador de Nova Iorque, em vez do "seu" candidato republicano, Curtis Sliwa, porque aquele estava melhor posicionado nas sondagens. Tudo para evitar a vitória de "Zoharan, o comunista".
"Trump não estava nos boletins de voto e a paralisação do Governo federal (devido ao impasse orçamental no Congresso) foram os dois motivos pelos quais os republicanos perderam as eleições desta noite", escreveu o Presidente no seu primeiro comentário às eleições de terça-feira.
Os jornais norte-americanos referem que Trump fez mesmo declarações onde garante, citando institutos de sondagens não identificados, que se o seu nome estivesse nos boletins de voto, os republicanos teriam ganho.
Sabendo bem que esta votação tinha também como alvo Trump, Zoharan Mamdani, no seu primeiro discurso de vitória, dirigiu-se especificamente ao Presidente dos EUA, garantindo que vai usar o seu cargo para "combater as políticas de divisão" da Casa Branca, e, para reforçar esse desígnio, falando directamente para as câmaras de TV, afirmou: "Donald Trump, sei que estás a ver. Tenho algumas palavras para ti: aumenta o volume!".
E o que Mmdani queria que Trump estivesse a ouvir bem? Que ele seria, a partir da câmara de Nova Iorque, a "Luz num momento de escuridão política" nos EUA, porque ali "acredita-se que vale a pena lutar pelos que precisam, sejam migrantes, das comunidades LGBT, negros, mulheres... todos aqueles de quem Trump não gosta" e ali "nunca se esquece aqueles que lhe fazem mal".
E avisou que a partir desta "vitória histórica" qualquer "déspota com vontade de poder" será "derrotado nas suas intenções", porque esta não foi apenas a "forma como derrotamos Trump, é a forma como o próximo déspota será derrotado!", garantiu o novo "Mayor" de Nova Iorque, um muçulmano de 34 anos, nascido em África, no Uganda, com ascendência indiana, que chegou a Nova Iorque com seis anos e cresceu no Bairro de Queens, começando desde a adolescência a mostrar interesse pela política, fazendo todo o seu percurso na ala mais à esquerda, socialista democrático, do Partido Democrata, o que, por exemplo,na Europa Ocidental seria um moderado social-democrata.

