Numa clara "peça" de guerra psicológica, Mikhailo Podolyak, o mais aguerrido falcão de guerra do regime de Kiev, vem, num comentário colocado no X, antigo Twitter, dizer que, em Moscovo, o Presidente Putin tem a sua legitimidade assente na ideia de que "ainda não perdeu a guerra", podendo este texto abrir as portas para negociações, embora seja uma hermenêutica dificil.

"O Kremlin percebe que é inevitável que quanto mais território a Rússia perde, menos apoio tem do povo russo", escreveu Podolyak, deixando um enigmático acrescento: "A Ucrânia não tem de ganhar todos os quilómetros com sangue derramado", o que pode ser interpretado como a defesa da ideia de que há outras formas além dos combates de atingir objectivos, como as negociações.

"Não será fácil, mas seria ingénuo pensar que a Ucrânia terá de reconquistar território ganhando cada quilómetro com sangue", diz Mikhailo Podolyak, numa formulação que também pode ser traduzida por um convite às negociações com Moscovo sem deixar de conter uma oportunidade para desmentir essa abordagem caso necessário.

No entanto, estas palavras, profundamente enigmáticas de Podolyak, não se ficam por aqui. Diz ainda no X que, "à medida que as forças ucranianas avançam no sul e se aproximam da fronteira com a Crimeia, alguns acontecimentos terão lugar de forma diferente, levando a que tido acabe de um momento para o outro de forma tão rápida como começou".

Estas palavras de um dos mais próximos conselheiros de Zelernsky, e que podem ganhar tracção mais facilmente visto que se trata de um dos mais acérrimos defensores da continuação da guerra até à capitulação da Rússia nestes quase 18 meses de conflito, surgem dias depois de o Presidente Putin ter dito, a partir de Moscovo mas no âmbito da Cimeira dos BRICS, na África do Sul, que a Rússia está, como sempre esteve, disponível para acabar com o conflito pela via negocial.

E lembrou que tal já teria sido possível ainda em Março de 2022, como o provam as negociações entre Moscovo e Kiev abruptamente terraplanadas pelo então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que impós a Zelensky a continuação da guerra até uma derrota estratégica dos russos, comprometendo todo o ocidente com apoio ilimitado a Kiev "durante o tempo que for preciso".

Face a uma já difícil de esconder fragmentação do Exército ucraniano, com centenas de milhares de baixas na guerra, milhares de peças de artilharia e carros de combate destruídos, incluindo as centenas de Leopard 2 alemães, Bradley norte-americanos ou AMX franceses, e depois de, por exemplo, Stian Jenssen, um alto funcionário e nome próximo do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, ter vindo dizer publicamente defender que a Ucrânia deve trocar territórios por paz com a Rússia, embora tenha depois sido fortemente criticado por Kiev, muito analistas admitem que Zelensky pode estar sem alternativa a uma paz negociada.

Mas tal seria unicamente possível com a anuência dos EUA e da NATO, o que a ser considerado razoável, só mediante uma saído airosa para o ocidente, compreendendo a eventual cedência limitada de territórios aos russos, com garantias de segurança robustas a Kiev mas sem entrada na NATO...

Do lado russo, que procura esconder o mais que pode os efeitos nefastos das sanções ocidentais na sua economia, que lida cada vez pior com os constantes ataques com drones ucranianos às grandes cidades, e que vive um drama social igualmente pesado com as elevadas perdas em vidas humanas nas trincheiras, a possibilidade de uma paz negociada terá sempre um forte apelo sobre o Kremlin, que terá de lidar com as eleições Presidenciais de 2024, podendo um acordo ser um forte "cartaz" para a propaganda de Vladimir Putin.

Robotine, o sucesso mediático de KIev

Entretanto, os media ocidentais têm, finalmente, um avanço significativo da Ucrânia na frente de guerra localizada na região de Zaporizhia, com a conquista de Robotine, uma aldeia com pouco mais de 400 habitantes, para comemorar, mas a realidade pode ser perversa: Esta povoação pode ser um novo "matadouro" como foi Bakhmut, na região de Donetsk, até Junho e por cerca de oito meses até ser tomada pelos russos do Grupo Wagner.

Embora ainda distante da primeira linha das fortificações erguidas pela Rússia para lidar com a contra-ofensiva que começou a 4 de Junho mas esteve a ser anunciada durante meses, que está situada a cerca de seis quilómetros a sul de Robotine, ao observar os grandes media ocidentais, da Europa aos EUA, esta conquista ucraniana promete ser o início de uma nova e decisiva etapa da manobra militar de Kiev que visa chegar às margens do Mar de Azov/Mar Negro.

Mas ao ler os media russos ou os menos comprometidos com a propaganda ocidental/ucraniana, a realidade demonstrada é outra, porque, como notam vários bloggers de guerra, a retirada das forças russas de Robotine foi precedida da criação de uma linha de artilharia que conta com morteiros pesados, canhões e lança-chamas, além dos helicópteros Ka-52, que mantém as unidades ucranianas entrincheiradas nas ruínas sob intenso e permanente bombardeio, com baixas elevadas do lado de Kiev.

Apesar deste cenário, onde ucranianos procuram evidenciar os ganhos territoriais, com alguns jornalistas ocidentais no terreno a falarem já no rompimento da linha de defesa principal russa, como é o caso do correspondente da CNN Portugal em Kiev, Sérgio Furtado, embora esta informação não seja corroborada pelo major-general Agostinho Costa, especialista em defesa e analista do mesmo canal de televisão, tanto ucranianos como russos admitem que a contra-ofensiva está longe dos resultados inicialmente prometidos.

Agostinho Costa sublinha que a conquista de Robotine, que considera importante pelo novo elã que permite às forças ucranianas, e permite encurtar a distância para os objectivos principais, como sejam chegar à Crimeia e ao Mar de Azov, não permite concluir que a primeira linha de defesa russa, denominada Linha Surovikin (nome do general que a ideralizou e implementou) tenha sido atingida.

Essa linha principal ainda está a cerca de seis quilómetros de Robotine, assegura o general português, notando ainda que Tokmak, a cidade estratégia entre a linha de combate a costa do Mar de Azov, ainda está a mais de 20 kms e a costa seguramente a mais de 120 kms, o que, com avanço à velocidade conseguida desde o início da contra-ofensiva, a 4 de Junho, a Ucrânia só chegara ao seu objectivo em dezenas de anos.

No entanto, outros analistas, como o também major-general Isidro Pedreira, ainda na CNN Portugal, a lentidão ucraniana é resultado da gigantesca sementeira de minas anti-tanque à frente da principal linha defensiva, que, depois de ultrapassada, serão menos abundantes, facilitado o avanço das unidades de Kiev.

Outro ponto sublinhado por este general português é a dificuldade sentida devido à falta de apoio aéreo por parte dos ucranianos, o que deverá ser resolvido dentro de alguns meses, com a chegada a Kiev de um lote de 61 aviões de guerra F-16 de fabrico norte-americano, fornecidos pelos Países Baixos e a Dinamarca, estando previsto o início da sua operacionalização para o início de 2024.

Estes aparelhos serão pilotados por pilotos ucranianos que estão já a ser formados por diversos países, incluindo, entre outros, Portugal, Dinamarca, EUA...

Para já, é em Robotine que se concentra o sucesso militar ucranianos mais robusto de quase 90 dias de contra-ofensiva, embora as baixas, segundo alguns analistas, sejam em número absurdo face aos escassos resultados, podendo mesmo crescer de forma significativa com a forte concentração de fogo de artilharia pesada russa sobre a aldeia agora sob controlo ucraniano.

Entretanto, as forças russas estão a conseguir avanços que podem ser de dificl gestão por parte dos ucranianos na região de Lyman, na região de Donetesk, a norte de Zaporizhia, e ainda em Kharkiv, a região fronteiriça com a Rússia, de onde as forças de Kiev expulsaram as unidades russas em Setembro de 2022, naquilo que foi o grande feito de Kiev nesta guerra, mas onde, agora, a situação parece estar a inverter-se... como nota Agostinho Costa.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.