Depois de este ano de guerra ter coincidido fortemente com a emergência de um bloco a leste formado pela China e pela Rússia, que afirmam dia após dia a sua parceria estratégica ilimitada e "sólida como uma rocha", como a definiu o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, tanto os EUA como a União Europeia apostam claramente em encostar Pequim à parede com ameaças de "castigos" severos caso essa aliança com os russos leve à entrega de armamento chinês às forças do Kremlin.

Mas Qin Gang, sem refrear o discurso, perguntou porque é que os EUA se mostram tão descontentes com a possibilidade de Pequim entregar armas à Rússia no contexto da guerra na Ucrânia quando se posicionam ao lado dos independentistas de Taiwan (ver links em baixo nesta página) e lhes fornecem armas de forma ilimitada? Porque é que se posicionam tão fortemente pela soberania da Ucrânia e não respeitam a soberania de Pequim sobre Taiwan?

Sempre com a questão de Taiwan em pano de fundo, com a China a ter, em dois momentos distintos, nos últimos dois meses, reafirmado a inevitabilidade de reintegração total da ilha na China Popular, sem afastar a possibilidade de isso ser feito pela via armada, e com Washington a manter a postura afirmativa da sua "aliança" com Taipé, começa a ser mais claro que nunca o surgimento de dois blocos opostos na disputa de uma nova ordem mundial, baseada em regras, como actualmente, assente na ONU, FMI e Banco Mundial, de acordo com os ditames ocidentais, e uma nova ordem, alicerçada na cooperação entre iguais e multipolar, como preconizam Pequim, Moscovo e um alargado número de países do denominado Sul Global, ao qual a Índia mostra cada vez mais proximidade, como ficou claro no discurso do seu primeiro-ministro, Narendra Modi, na último reunião do G20, em Nova Deli, onde desferiu um ruidoso golpe na hegemonia global norte-americana.

E começa igualmente a ser visível que o plano de paz "made in China" apresentado por Pequim na passada semana também não agradou ao bloco ocidental que apoia KIev.

Face a esta postura ofensiva da União Europeia e dos EUA, que ameaçam Pequim com sanções pesadas se enviar armamento para os russos, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Qin Gang, numa conferência de imprensa onde revelou uma postura jamais vista na diplomacia do gigante asiático, não só afirmou o fortalecimento das já historicamente sólidas relações com a Federação Russa, como acusou os Estados Unidos e os seus aliados de serem uma "fonte permanente de conflitualidade" no mundo.

Sublinhou que a parceria China-Rússia visa a estabilidade e a paz enquanto a postura ocidental é agressiva e tem como objectivo a "contenção e supressão" da competitividade chinesa, quando bastaria ver que a postura da Rússia e da China é totalmente diferente e pugna por uma cooperação global, "um exemplo para o que devem ser as relações internacionais".

E afirmou que, quanto mais instável for o mundo, mais se justifica "o estável avanço da parceria da China com a Rússia", considerando que esta parceria tem como âncora a amizade entre os Presidente Xi Jinping e Vladimir Putin e que "só vai crescer e fortalecer-se pelos anos vindouros".

Qin Gang, naquela que foi a sua primeira aparição em público, diante dos jornalistas, admitiu ainda, pela primeira vez desta forma, que a China e os EUA estão em rota de um conflito se Washington não mudar a sua abordagem a Pequim, colocando o fortalecimento das relações com Moscovo como uma linhá prioritária para os anos vindouros.

Numa frase que poderá ficar pra a história destes tempos, Gang, a propósito das duas medidas usadas por Washington, disse que "se os EUA não travarem a fundo e continuarem nesta aceleração pela estrada errada, não há segurança possível para uma despiste e será inevitável um conflito", avisou.

E notou que os EUA têm apostado fortemente no desafio à China, como ficou claro no episódio algo caricato do "balão espião" abatido pela força aérea norte-americana, quando Pequim garantia que era apenas um mero balão meteorológico que se desviou inadvertidamente da rota, ou ainda a ordem dada para que todos os telemóveis de funcionários públicos retirem a aplicação da rede social "Tik Tok" ou ainda a causação de que as gruas dos portos produzidas na China e colocadas em todo o mundo estejam a servir para "espiar" conteúdos de contentores americanos.