Joe Biden tinha dito logo a seguir ao ataque que os EUA iriam perseguir e castigar os autores pelo ataque no aeroporto de Cabul, no qual morreram pelo menos 13 militares norte-americanos, perto de 180 afegãos e centenas de feridos deram entrada nos hospitais da cidade.

A reacção da Casa Branca foi, no entanto, diminuída na sua intensidade e vigor por notícias que confirmaram que o ataque do ISIS-K, a designação do grupo que se ramificou do `estado islâmico" no norte de Cabul, tinha sido antecipado por vários serviços secretos ocidentais, incluindo dos EUA, sem que fosse feito o necessário para o evitar.

O aeroporto de Cabul está desde 15 de Agosto atulhado de afegãos que anseiam por um lugar nos aviões que de hora a hora deixam o país de forma a escaparem da esperada vingança dos radicais islâmicos sobre todos aqueles que trabalharam para o Governo ou para as organizações internacionais, incluindo as forças militares da NATO, ao longo dos últimos 20 anos, o que soma largos milhares de pessoas e as suas famílias.

Desde que os taliban aproveitaram a debandada da NATO e dos EUA para reocupar todo o território afegão, estando agora à espera de 31 de Agosto para tomar o último espaço fora do seu domínio, precisamente o aeroporto da capital afegã, o aeroporto da cidade é a única porta de saída quer para estrangeiros, quer para os afegãos que procuram uma oportunidade para deixar o país.

E foi nesse caos humano que o ISIS-K, que, como se temia, aproveitou a saída das forças internacionais para, também, voltar a ganhar corpo e capacidade operativa, realizou o primeiro ataque bombista desta nova realidade, mostrando que os taliban não têm domínio completo sobre o território e que o perigo de o Afeganistão voltar a ser um campo de treino para jihadistas é real.

Inicialmente pensava-se ter sido protagonizado por dois bombistas suicidas mas, afinal, concluiu-se ter sido apenas uma explosão, estando por apurar se houve ou não a intervenção de um atirador.

Logo após a primeira contagem de mortos e feridos, Joe Biden correu para a sala de imprensa da Casa Branca para garantir que o ataque seria vingado e que o ISIS-K seria perseguido a todo o custo, tendo essa garantia começado agora, segundo garante o Pentagono, o comando militar central dos EUA, a ganhar corpo com a morte do homem que planeou o ataque no aeroporto.

As fontes do Pentagono citadas pelas agências de notícias internacionais garantem que o ataque norte-americano foi protagonizado com sucesso por um drone, em Nangarhar, província a norte de Cabul, embora não se conheça, para já, o número total de radicais eliminados pertencentes à célula do `estado islâmico" de Khorasan. O "K" que surge agora colado à signa ISIS resulta da primeira letra do nome desta província.

Apesar de os taliban serem donos e senhores da grande maioria do Afeganistão, incluindo Cabul, o ISIS-K, que nasceu da fragmentação do poder no Iraque e na Síria, é agora uma força a ter em conta e com contas para ajustar com os taliban, denominação para "estudantes de religião", que consideram pouco rigorosos na aplicação da lei islâmica, ou Sharia.

Os taliban vão ainda ter de lidar com as consideráveis forças da Aliança do Norte, que, no vale de Panshir, a norte de Cabul, e, ao que se julga, liderados pelo filho do histórico comandante Massoud, se preparam para combater, como sempre fizeram durante os anos de ocupação do Afeganistão pelos "estudantes", na década de 1990 (1996-2001), durante os quais reinaram com recurso a um radicalismo pouco ou nunca visto, especialmente sobre as mulheres e as meninas, que viram eliminados todos os seus direitos, mesmo os mais básicos, como se teme que agora, mesmo que de forma mais polida, voltar a suceder.

Quando em 2001, os EUA iniciaram a expulsão dos taliban do país, em resposta ao ataque da al-qaeda de Osama bin Laden, às torres gémeas em Nova Iorque, começou uma histórica recuperação dos direitos das mulheres, que puderam voltar a trabalhar, a votar e a integrar o Governo, e das meninas, que puderam voltar à escola.

Agora, 20 anos depois, com uma quantia colossal de dinheiro gasto, entre até 3 triliões de dólares, dependendo das fontes, o Afeganistão está à beira de voltar à idade das trevas, com taliban e `estado islâmico", as forças islâmicas mais radicais, a disputarem a supremacia neste país de 38 milhões de habitantes e situado numa das mais inflamadas regiões do mundo, com fronteiras que ligam o país ao Irão, Paquistão, China, Turquemenistão, Tajiquistão e Uzbequistão, não podendo ignorar-se as antigas regiões soviéticas e com laços fortes de proximidade estratégica à Rússia.