A decisão foi tomada depois de uma reavaliação feita à situação que, entre outras consequências, como a devastação da agricultura nacional em várias regiões do país, deixou a sua segunda maior cidade, com mais de 3,7 milhões de habitantes, Cape Town (Cidade do Cabo) a escassas semanas de ser obrigada a cortar todo o fornecimento público de água.
O chamado "dia zero", a partir do qual Cape Town deixará de ter água nas torneiras está situado em Abril, embora esta data, que simbolicamente marcará o arranque oficial da tragédia que o país vive, ainda não esteja totalmente definida, mas ocorrerá entre 12 e 18 de Abril.
Esta decisão foi tomada em reunião do Centro Nacional de Gestão de Situações de Emergência e o documento que a formaliza foi assinado pelo chefe deste organismo, Maphaka Tau, precisamente no dia em que o mundo acordou com a notícia de que o Congresso Nacional Africano (ANC) exige a saída imediata do poder ao Presidente da República, Jacob Zuma.
Na cidade do Cabo a água está racionada e as famílias podem apenas usar 50 litros por dia, havendo um plano municipal para criar 200 pontos de abastecimento de urgência na cidade, onde cada agregado poderá receber 25 litros de água potável, adivinhando-se o mesmo cenário para dezenas de localidades no país.
Esta situação de emergência obriga os organismos públicos a centrarem os seus esforços na procura de soluções, na construção de depósitos de água e abertura de poços, na organização de grupos de trabalho e, entre outras medidas, na aplicação das medidas criadas para racionar e poupar.
Parece um filme
Aquilo que alguma ficção cinematográfica mostrava como sendo uma realidade longínqua está a acontecer na Cidade do Cabo, onde as escassas nascentes de água nas montanhas em volta da segunda maior urbe da África do Sul estão a ser palco de luta de gangues pelo controlo do negócio da venda de bidons de 25 litros.
Há três anos que as chuvas teimam em manter-se longe da Cidade do Cabo, em particular, mas afectando praticamente e com intensidade, todo o pais, embora a mais conhecida cidade sul-africana e um dos locais que atraem mais turistas ao país, estar a ser utilizada como referência pela imprensa mundial para explicar o fenómeno que o país, bem como toda a África Austral, atravessa.
A situação já é, nesta cidade, considerada dramática e a presidente da autarquia que gere a urbe desdobra-se em apelos diários para a população poupar água.
Patricia de Lille aumentou recentemente mais uns degraus na escala do drama que esta cidade vive ao fazer avançar a data prevista para a última gota de água sair da última torneira da cidade, o já chamado "dia zero", de 21 de Abril para 12 desse mesmo mês, tendo em conta a diminuição da água registada hora a hora nas últimas represas que abastecem Cape Town, mas algumas medidas permitiram, posteriormente, fazer avançar o calendário da tragédia mais uns dias.
A "mayor" da Cidade do Cabo mostrou-se mesmo, segundo relatos da imprensa local, indignada pelo facto de a situação ser dramática mas uma parte da população não mostrar estar "minimamente preocupada" pela forma como continua a gastar água.
Para evitar esses "abusos", a municipalidade criou mesmo uma página online para que os vizinhos mais responsáveis possam denunciar aqueles que mostram não ter um comportamento cívico adequado nestas circunstâncias pela forma como desbaratam a pouca água que resta à comunidade.
Em algumas áreas da cidade a água já não sai das torneiras, excepto por escassas horas, cada vez menos, por dia, o que é já um sinal evidente de que Cape Town pode vir a fazer história ao ser a primeira grande cidade em todo o mundo a ficar literalmente sem água.
Os turistas que chegam à cidade diariamente às centenas são sensibilizados para pouparem o mais possível a água e é-lhes dada a indicação de que só devem tomar um duche diário de dois minutos com água a correr.
Para já, nos bares e restaurantes estão a surgir novos métodos de uso da água nas casas de banho, sendo as descargas nas sanitas disponibilizadas em recipientes e não via autoclismo, entre outras formas de poupar.
Gangues aproveitam situação para ganhar dinheiro
Quando a câmara municipal se prepara, amanhã, sexta-feira, para votar uma postura que aumenta o preço da água de forma significativa e aponta para bónus monetários aos consumidores que usarem menos água, eis que a imprensa local começa a relatar situações em que gangues organizados ocupam com violência espaços onde ainda existem nascentes naturais utilizadas pelas populações para negociarem a venda de bidons de 25 litros.
Mas não só, algumas pessoas já começaram a armazenar grandes quantidades de água em casa ou em armazéns para posterior revenda, ou em depósitos de grande dimensão que chegam de outras regiões, que é vendida rapidamente por preços muito superiores ao normal, ou fica armazenada a "render juros".
Uma nascente localizada na zona de Newland, normalmente usada por uma cervejeira, foi ocupada pela população, primeiro, e depois por gangues, que, ao controlarem o acesso, estão, com isso, a ganhar quantidades consideráveis de dinheiro.
Especialmente na organização da venda de bidons de 25 litros que deixam o local às centenas em veículos de carga para serem vendidos nas áreas da cidades que já estão com torneiras quase secas.
Os jornais sul-africanos apontam mesmo o recipiente típico de 25 litros como uma espécie de moeda forte que está a ser armazenada para ser usada nas próximas semanas, onde o preço poderá passar a ser aquilo que quem vende pedir por falta de alternativa.
Problema abrange toda a África Austral, Angola não foge à regra
Este problema da seca é uma realidade em toda a África Austral e Cape Town não é o pior caso na África do Sul, é apenas a maior e mais conhecida cidade a ser afectada.
Por exemplo, em Angola, no sul do país, já há registo de fome em algumas áreas da província de Benguela e do Cunene, e milhares de animais estão a morrer por falta de água e pasto, estimando as agências das Nações Unidas que mais de um milhão de pessoas esteja actualmente sofrer de forma severa por causa da seca.
"El Nino" e "La Nina", os maus da fita
Por detrás desta tragédia que evolui lentamente em toda a África Austral e que já está a colocar cerca de 30 milhões de pessoas em risco directo e a necessitar de ajuda urgente, estão os já bem conhecidos fenómenos meteorológicos "El Nino" e "La Nina".
De uma forma simplificada pode-se explicar estes dois fenómenos como estando intrinsecamente ligados porque o primeiro consiste no aquecimento das águas no Oceano Pacífico e a segunda é o efeito contrário, o arrefecimento, que gera, em contacto com a atmosfera, forte influência nas massas de ar que circundam o planeta, gerando fortes chuvas numas regiões e seca noutras.
Estes dois fenómenos meteorológicos são responsáveis pela prolongada seca na África austral, mas têm igualmente efeitos trágicos noutras regiões do continente, como o Corno de África, por exemplo, e resultam das alterações climáticas provocadas pela poluição atmosférica e a emissão de gases com efeito de estufa, quase na generalidade produzidos pela actividade humana.
O que se passa actualmente na cidade do extremo sul da África do Sul, Cape Town, é um dos efeitos mais visíveis deste cenário e, devido ao elevado número de pessoas que nela residem, a segunda maior e mais habitada do país logo a seguir a Joanesburgo, pode vir a ser palco de uma situação dramática, possivelmente nunca vista.
Ajuda internacional
No contexto da África Austral, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), estima que o conjunto dos países mais afectadas necessitem de muitas centenas de milhões de dólares em ajuda distribuída por vários segmentos, desde a compra de sementes para relançar as culturas quando regressarem as condições, para socorrer as pessoas com necessidade imediata, para levar água e alimentos às regiões em maior dificuldade e para apoiar os governos a desenhar planos para prevenir futuras situações semelhantes.
Na primeira linha das transformações necessárias para prevenir secas deste género no futuro, estão a construção de diques e barragens, estudar alterações das culturas agrícolas tradicionais por outras mais resistentes á falta de água, avançar para campanhas de sensibilização adaptadas às culturas sociais locais para melhorar a forma de consumir a água disponível, criar sistemas de armazenamento de sementes, etc.
Apesar de em algumas regiões as chuvas que caíram recentemente possam ter aliviado ligeiramente a situação, estas são muito inferiores ao normal e longe de puderem resolver o problema que, de ano para ano, se vai acumulando.