Ao longo de 2023, entre legislativas, regionais, presidenciais e plesbicitarias, o continente africano vai às urnas por 31 vezes, incluindo alguns casos de extrema relevância, como as presidenciais no Sudão, em Julho, em Outubro, na Libéria ou, em Dezembro, na República Democrática do Congo, Chade, Gabão, Líbia, Sudão do Sul, Zimbabué e Madagáscar...

Bem dentro deste contexto surge ainda o referendo de Março, no Mali, que visa definir a nova Constituição, num contexto em que é uma junta militar que governa o país após uma sucessão de golpes de Estado, e, logo no início de 2024, em Fevereiro, as presidenciais malianas.

Com este contexto continental faiscante e uma realidade interna de crise séria, que ameaça mesmo a sua estabilidade política e social, a Nigéria vai enfrentar umas eleições presidenciais desafiadoras, no mínimo, tendo o correspondente para África do britânico The Guardian, Jason Burke, considerado, numa posição que é partilhada por diversos analistas, que se trata de uma corrida eleitoral decisiva para a consolidação da democracia em África.

Se a Nigéria não der o exemplo, o que pode bem acontecer, considerando que no noroeste, domina o terror dos jihadistas do Boko Haram, no sudoeste, o país treme sob o fogo das dezenas de grupos de bandidos que varrem localidades inteiras, no Delta do Níger, sobressaem as guerrilhas económicas, como os Vingadores, que exploram as fraquezas das perolíferas e a refinação ilegal de crude roubado, e milhões de jovens lutam por um emprego, com o custo de vida a subir diariamente, tumultos nas ruas em defesa de direitos políticos e sociais, então o mal social e político tem mais potencial para alastrar ao resto do continente.

E isso não parece muito difícil de suceder, porque em vários países vivem-se dramas contínuos há décadas, como na RDC, com as guerrilhas no leste, golpes sucessivos como no Mali e no Burquina Faso, ou na Guiné-Conacri e na Guiné-Bissau, guerras civis brutais como na Somália, na República Centro-Africana... rebeliões, como o norte de Moçambique, tentativas de golpes, como recentemente em São Tomé, Lesoto, Níger...

O facto de o Presidente Muhammadu Buhari não poder ser candidato por ter atingido o limite legal de mandatos, é uma abertura para que o processo eleitoral decorra sem grandes perturbações até que os resultados sejam divulgados, mas os analistas que estão a ser citados pela imprensa internacional, admitem que nada está garantido.

Um dos especialistas em democracia africana, ouvidos pelo Guardian, Nic Cheeseman, professor na Universidade de Birmingham, entende que a Nigéria é uma espécie de charneira no continente, e se estas eleições correrem bem e forem vistas e apercebidas como democráticas e justas, esse exemplo será tendencialmente repetido, mas o contrário é igualmente verdade.

O mesmo pensa Idayat Hassan, director do Centro para a Democracia, em Abuja, que nota que se trata de um momento para ser visto com optimismo e também como um teste, o que "é um sinal de progresso, porque deixa em evidência os 24 anos seguidos de democracia com os presidentes a aceitarem os termos constitucionais do limite de mandatos.

Um dos riscos comummente notado pelos analistas é que a crise económica severa dos últimos anos, com a Covid-19 e com a guerra na Ucrânia como detonadores principais, a Nigéria vive momentos limite para a sua extensa população, que enfrenta dificuldades severas e existe o risco destes momentos serem rastilhos para perturbações mais sérias, social e politicamente falando.

E o mesmo acontece na generalidade dos países africanos, onde esta sucessão vertiginosa de eleições de vários patamares pode ser uma plataforma potenciadora de instabilidade social, política e militar.

Não se pode ainda esquecer neste contexto o potencial perturbador da influência que está a tentar ser exercida pelas potências ocidentais, cujos seus representantes, de ministros dos Negócios Estrangeiros a Chefes de Estado e de Governo, andam em sucessivos périplos pelas mais relevantes capitais africanas, onde Luanda tem estado em destaque.