Chegou o tempo de "el loco"" mandar no segundo mais importante país da América Latina, conseguindo-o com um conjunto de propostas que no mínimo podem revolucionar a forma de fazer política onde o desespero reinar, como é o caso da Argentina, um país com 40% da sua população afogada na miséria e no desespero, o "caldo" que leva um país a estar disponível para tudo.

Até para Javier Milei, um antigo economista de 53 anos que se fez conhecido pelas posições estranhas que assumiu ao longo dos últimos anos em programas de televisão onde era convidado para dar opinião sobre tudo e mais alguma coisa, num processo de transição dos ecrãs para a Presidência que contém semelhanças com Volodymyr Zelensky, na Ucrânia.

Ultra-radical economicamente e de extremos em assuntos de costumes, para quem o aborto é impensável mas usar armas sem qualquer restrição é uma boa ideia, acabar com a segurança social, porque todos têm de fazer por si sem estar à espera que o Estado trate de todos, é o caminho, mas trazer para a Argentina o dólar norte-americano e atirar a actual moeda nacional, o peso, para o lixo não cria qualquer incómodo, extinguir o Banco Central e colocar nas mãos de Washington o futuro da sua política externa, tudo boas ideias...

Radical de direita, ultra-conservador, são epítetos que servem para caracterizar extremistas como os ex-Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e dos EUA, Donald Trump, que são o ideologicamente mais próximo de Javier Milei, mas mais próximo não quer dizer próximo, porque além de ser também da extrema-direita ultra-conservadora, "el loco", como é conhecido no seu país, auto-intitula-se um "anarco-capitalista".

Apesar de parecer uma designação engraçada, o termo "anarco-capitalista" tem um propósito bem claro: dizer aos seus concidadãos que não há fronteiras nem morais nem ideológicas para tirar o Estado da economia argentina, excepto no que toca à segurança nacional, estabelecendo como regra uma sociedade onde é cada um por si e o Estado não estará para proteger ninguém...

Por detrás da chegada deste quase desconhecido ao poder, com, na 2ª volta das eleições, 56% dos votos, no segundo mais relevante país sul-americano, a seguir ao Brasil, estão décadas de governos peronistas que, apesar de apregoarem o bem estar social como meta, permitiram que a corrupção, o peculato e o compadrio levassem a Argentina a mergulhar na extrema pobreza, um desemprego sem paralelo e uma inflação que já passou dos 130% ao ano, transformando a vida dos cidadãos menos abonados numa montanha-russa sem travões...

Os analistas argentinos menos empenhados ideologicamente, ouvidos pelos media internacionais, admitem que foi o desespero dos argentinos que levou a este desenlace eleitoral, cansados de apostar na "razoabilidade" peronista, viraram-se agora para uma solução tão radical como as ideias de MIlei, embora, no limite, o objectivo colectivo pode muito bem ser querer dar uma lição aos políticos "main stream", a que ele chama "a casta", uma espécie de vacina democrática.

Outros, por sua vez, mais preocupados, colocam como desafio à democracia argentina sobreviver a este "terramoto" radical de direita que lhes entrou pela casa adento, admitindo o colapso das instituições que pode levar a um golpe militar como única solução, porque se "el loco" cumprir todas as suas promessas, a Argentina deixará de ser um país passa ser um... meme.

Javier Milei, que antes de tomar de assalto, com as suas análises populistas, as televisões, era um gestor de uma empresa de grande dimensão, a Corporacion America, gestora de aeroportos, vai tomar posse a 10 de Dezembro, mas antes, diz que vai visitar os EUA e Israel, para se inspirar, enquanto a sua equipa já está a trabalhar nas medidas que vão ser aplicadas de imediato, logo a 11 de Dezembro.

E algumas não serão surpresa, porque foi aquelas que mais frisou: privatizar as empresas estatais "todas", mas com especial empenhamento, as do sector dos media, acabar com os subsídios sociais, nos combustíveis, na electricidade e nos transportes, e reduzir a despesa do Estado em 15%, enquanto a mais dramática no contexto das suas bandeiras, a dolarização da economia, queimando o Peso, só em 2025 será realidade.

A justiça social é para Milei o mesmo que o Peso, é para atirar para o lixo, e é de tal modo assim que chegou mesmo a chamar "imbecil" ao seu compatriota, o Papa Francisco, por defender que o Estado deve proteger os mais pobres, porque, no seu entender, e plagiando Donald Trump, que admite ser o seu "herói", os pobres são pobres porque são preguiçosos.

Na área dos costumes, há já umas quantas certezas: o aborto será abolido rapidamente, embora precise de o conseguir através de um plesbicito, a educação sexual é coisa de marxistas e tem os dias contados, porque visa apenas destruir os valores tradicionais da família, e as alterações climáticas são uma inevitabilidade natural e nada tê a ver com a actividade humana e o uso dos combustíveis fósseis e o respeito pelos Direitos Humanos merece-lhe a mesma dedicação que as bactérias nocivas.

Alguns analistas argentinos citados pelos media internacionais admitem que por detrás deste "circo" criado por Javier Milei está uma tentativa de afastar as atenções dos media dos seus planos mais rebuscados, que passam por aplicar de forma inapelável medidas políticas radicais, retirando ao Estado social o dinheiro para reduzir a dívida externa e conta, para isso, com uma nova boa vontade do FMI, que verá no Presidente-eleito argentino um exemplo a apresentar noutras latitudes e encara como uma boa aposta abrir-lhe as portas do cofre para conseguir ter sucesso seguindo a via radicalmente liberal de austeridade.

Para já, uma certeza quanto à sua política externa: a Argentina era um dos países alinhados para aderir aos BRICS, como ficou desenhado na CImeira destes países na África do Sul, este ano, e já não é. MIlei já garantiu que não quer nada nem com russos nem com brasileiros ou mesmo chineses.

A esperança de muitos argentinos, como alguns entrevistados nas ruas de Buenos Aires, é que algumas das suas ideias mais idiossincráticas nunca vejam a luz do dia, sejam questões como o comércio livre de órgãos humanos, uma das mais bizarras, seja o ataque ao Estado social, que permite que mais de 10% da população não sucumba à fome e pelo menos mais 30% ainda mantenha um módico de dignidade.

Até porque "el loco" não é um maluco qualquer, é um professor universitário com vários livros publicados e um economista renomado, muito apegado ideologicamente à escola austríaca, que defende, em síntese, o domínio do individualismo sobre o colectivo, porque é a motivação e a acção dos indivíduos que permite resolver problemas, e que, há alguns anos, tomou de assalto o espaço do comentário político e económico conseguindo cativar as atenções populares através de outras artes que aparentemente também domina... as artes circenses.