Rússia e Ucrânia são os dois maiores produtores de cereais do mundo, o que é bastante para que, depois de os dois países terem anunciado severas restrições às exportações de trigo, milho, centeio e cevada para garantir as suas reservas estratégicas em tempo de crise militar, o problema da fome crescer de forma acelerada nos países mais pobres, como é o caso de África, onde, só na sua parte oriental, mais de 20 milhões de pessoas entraram imediatamente na zona de risco.

Mas o problema agudizou-se ainda mais com o impacto da guerra na restante economia global, com a inflação a disparar, especialmente nos produtos alimentares e nos combustíveis, o que colocou dificuldades exponenciais às agências das Nações Unidas que lidam com as situações humanitárias mais dramáticas no que toca à carência alimentar, podendo 2022 ser dos anos mais trágicos em muitas décadas se a guerra não for travada, como o próprio Secretário-Geral, António Guterres, já advertiu.

O documento hoje disponibilizado pela ONU, como notícia a Lusa, mostra que, no ano passado, 193 milhões de pessoas em 53 países estavam em situação de insegurança alimentar aguda, ou seja, precisavam de assistência urgente para sobreviver.

A classificação engloba os níveis entre 3 e 5 da escala internacional de segurança alimentar: "crise", "emergência" e "desastre".

O número de pessoas nesta situação tem aumentado todos os anos desde 2016, quando este relatório passou a ser publicado anualmente pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Programa Alimentar Mundial e a União Europeia.

Como sublinha a ONU no documento, o relatório de 2021 não leva em conta a guerra na Ucrânia, que teve início em 24 de fevereiro deste ano e promete agravar as fragilidades de países altamente dependentes das exportações russas e ucranianas de cereais e fertilizantes, como por exemplo a Somália.

As projecções para 2022, que nesta fase incluem apenas 42 dos 53 países em causa, estimam que entre 179 e 181,1 milhões de pessoas poderão sofrer de insegurança alimentar aguda.

"A guerra já mostrou a natureza interligada e a fragilidade dos sistemas alimentares", sublinha a FAO, avisando que "as perspectivas para o futuro não são boas".

"Se não se fizer alguma coisa para apoiar as áreas rurais, a magnitude dos danos ligados à fome e à deterioração dos padrões de vida serão dramáticos. É necessário uma acção humanitária urgente em grande escala", refere a organização.

O aumento registado em 2021 de pessoas que não sabem se vão ter alimentos no seu futuro próximo decorre de uma "combinação tóxica de conflitos, eventos climáticos extremos e choques económicos", explica a FAO no relatório.

Os conflitos são a causa das dificuldades de sobrevivência alimentar para 139 milhões de pessoas, principalmente em países que passam por crises políticas e humanitárias como a República Democrática do Congo (RDC), a Etiópia, o Afeganistão ou o Iémen, os mais afectados.

As dificuldades económicas ligadas à pandemia de Covid-19 foram, em 2021, menos graves do que em 2020, mas constituíram a principal causa de fome aguda para 30,2 milhões de pessoas em todo o mundo.

A ONU ressalva, no entanto, que os números também aumentaram porque a organização ampliou a cobertura geográfica do seu estudo, passando a incluir novos Estados como a RDCongo.

De acordo com a FAO, seriam necessários cerca de 1,4 mil milhões de euros de ajuda financeira imediata para aproveitar a época de plantio de sementes que decorre com vista a aumentar a produção em regiões de risco.