A utilização da força não chegou, nunca, a ser excluída por Pequim para conseguir a retoma da ilha de Taiwan para sua administração directa, mas foi sempre considerada como a saída menos desejada para aquilo que garante ser uma questão de tempo.

Apesar de já terem passado mais de 73 anos desde que os rebeldes de Chiang Kay-Sheck e o seu "Kuomintang", derrotados pelas forças comunistas de Mao Tse Tung, se refugiaram na ilha, iniciando um processo político fortemente independentista, nunca reconhecido por Pequim ou por as grandes potências ocidentais, a China Popular nunca deixou de anunciar que essa é uma questão existencial.

Este pronunciamento de Pequim surge depois de uma polémica visita de Nancy Pelosi, a líder do Congresso dos EUA, e 3ª figura do Estado, há pouco menos de duas semanas, a Taiwan, tendo ficado apenas duas horas em Taipé, a capital da ilha independentista, mas gerou uma tempestade que dura há vários dias, com uma crescente tensão militar a partir dos gigantescos exercícios militares que Pequim e Taipé estão a conduzir nas águas em volta de Taiwan.

"Vamos trabalhar com grande sinceridade e fazendo os melhores esforços para conseguir uma reunificação pacífica, mas não renunciamos ao uso da força e reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias para isso", diz Pequim em comunicado emitido pelos Negócios Estrangeiros.

"Esta contingência é imposta pelas interferências externas e não visa os nossos compatriotas chineses em Taiwan", diz ainda o documento.

Depois de ter aterrado no aeroporto de Taipé, capital da ilha independentista, na terça-feira, o3 de Agostop, Nancy Pelosi encontrou-se com a Presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, a quem reiterou a indómita vontade dos Estados Unidos manterem e aprofundarem a amizade e a cooperação com a ilha - Washington nunca deixou de, oficialmente, considerar esta como parte da República Popular da China no âmbito da política de "uma só China" de Pequim - enquanto, já na conferência de imprensa que se seguiu ao tête-à-tête, prometia o renovado e empenhado apoio americano à segurança de Taiwan.

Se a visita à ilha, que não estava na agenda oficial do "tour" da 3ª figura do Estado nos EUA pelo sudeste asiático, foi uma bofetada diplomática na China Popular continental, o encontro de Nancy Pelosi com Ing-wen foi uma alfinetada no orgulho do Partido Comunista da China, que sustenta o Governo enquanto partido único, porque a história de Taiwan está fortemente marcada pela derrota de Chiang Kai-shek em 1949 face às forças do fundador da China "vermelha", Mao Tse Tung, obrigando o "rebelde" a refugiar-se na ilha, que governou até 1975, ano em que morreu, sem conseguir, apesar de tudo, desvincular-se totalmente da "soberania" de Pequim, que mantém este território adjacente no mapa oficial de todo o território chinês.

O problema em pano de fundo é que todos os governos eleitos em Taiwan desde 1975 mantiveram a questão em cima da mesa, ora com empenhado esforço rumo à independência total, ora mantendo o status quo - que é o que defende actualmente Washington, pelo menos no papel -, ora visando, embora mais raramente, buscar um entendimento visando uma forte e sólida autonomia face à China continental, sendo que Washington e os seus aliados no Indo-Pacífico, especialmente o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália ou os menos empenhados mas, ainda assim, aliados neste contexto, Singapura e Malásia, defendem sem rebuço os interesses de Taipé face a Pequim, gerando uma tensão que perdura há décadas no Mar do Sul da China.

E isso mesmo ficou claro quando, na conferência de imprensa após o encontro com Tsai Ing-wen, Pelosi sublinhou o "crucial" apoio e solidariedade dos EUA para com Taiwan, o que não é, do ponto de vista diplomático, menos que uma bofetada no Governo de Xi Jinping, que tem em escassos meses um estratégico Congresso do PCC, no qual busca a sua recondução no cargo, e, sem dúvida, a forma como gerir esta crise determinará o seu sucesso ou insucesso nesse desígnio.

Para já, o Governo de Xi Jinping, via Ministério dos Negócios Estrangeiros, mandou chamar o embaixador dos EUA em Pequim para obter explicações sobre esta "chocante e provocadora" visita a Taipé da 3ª figura do Estado, ao mesmo tempo que mandava avançar as suas poderosas forças navais, terrestres e aéreas para exercícios de grande envergadura no estreito de Taiwan, com recurso a fogo real e lançamento de misseis de última geração, numa demonstração de que Pequim não está para brincadeiras, como, alias, antes da chegada de Pelosi a Taipé, o líder chinês tinha advertido o Presidente Joe Biden: "Quem brinca com o fogo, acaba por se queimar", disse-lhe.

Mais disse ainda o chefe da diplomacia de Pequim, Wang Yi, ao considerar, durante uma deslocação oficial ao Cambodja, legítima a "punição clara de todos aqueles que ofendem a China", descrevendo esta visita como uma "farsa" que recorre à democracia para ferir a soberania chinesa.

Nada que tenha travado o passo nesta desafiante iniciativa de Pelosi, que já chegou aos 82 anos e não parece querer baixar a "espada" neste duelo com as autoridades chinesas continentais, afirmando a partir de Taipé que "a mensagem mais relevante" que tem para Pequim é "o empenho inquebrantável na garantia da segurança de Taiwan" fundando esse preceito "na partilha de valores da democracia e da liberdade" onde a ilha é "um exemplo para o mundo".

E, num remoque particular, Pelosi atirou ainda: "Se o Presidente da China tem problemas com a sua situação política, isso já não sei, não nos diz respeito", reforçando, todavia, a ideia de que a sua situação política é clara e que nos seus planos está a garantia de que os EUA "não vão abandonar" a ilha face às ameaças de Pequim, que, recorde-se, já disse que Taiwan voltará para as mãos da República Popular da China, a bem, de preferência, ou a mal se tiver de ser, o que quer dizer que do outro lado do estreito se prepara há muito uma acção militar sobre Taipé.

Embora essa opção esteja fora da cartilha de Pequim, para já, o Governo chinês emitiu, segundo a Bloomberg, avisos de interdição do seu espaço aéreo em torno de Taiwan devido aos exercícios militares que vão decorrer até Domingo.