A Polónia é, desde o primeiro minuto desta guerra, o mais proeminente apoiante ocidental da Ucrânia, apenas igualado pelos Estados Unidos, tendo mesmo atacado agressivamente a Alemanha, com o seu embaixador em Berlim a chamar "salsicha de fígado" ao chanceler Olaf Scholz por causa de uma alegada indecisão no apoio a Kiev, mas é agora o país que lidera uma surpreendente frente europeia contra as importações de cereais ucranianos, indo até ao ponto de negar a sua passagem pelo seu território para países terceiros.
Depois da Polónia ter anunciado que iria fechar as suas fronteiras aos cereais ucranianos para proteger a sua própria produção de trigo e milho, por serem muito mais baratos, de imediato se juntou a Hungria contra a importação dos grãos de Kiev e depois foi a Eslováquia e a Bulgária, estando ainda na calha a Roménia.
Esta "guerra" dos países do leste europeu que integram a União Europeia aos cereais ucranianos está a gerar forte polémica e contestação em Kiev e em Bruxelas, porque, segundo alguns analistas, não só a posição da Polónia, Hungria, Eslováquia e Bulgária contraria as normas definidas pela Comissão Europeia, como, segundo alguns analistas, está a mostrar como é frágil a muralha ocidental no apoio à Ucrânia que está a desmoronar face à primeira contrariedade.
Essa contrariedade é, essencialmente, os governos da Polónia, Hungria, Eslováquia e Bulgária, não quererem enfrentar o descontentamento dos seus agricultores que não conseguem colocar os seus cereais no mercado porque o trigo e o milho ucranianos são muito mais baratos por entrarem na União Europeia ao abrigo de acordos de redução de taxas alfandegárias decididas em Bruxelas.
Mas alguns analistas fazem sobressair deste contexto o facto de a Polónia, que se tem destacado como o mais aguerrido suporte político e militar à Ucrânia não estar a aceitar aquilo que é um incómodo interno menor, que é o efeito dos cereais ucranianos baratos no seu mercado, quando se sabe que estes produtos agrícolas são tudo, praticamente, que resta a Kiev para exportar e realizar verbas para financiar a guerra.
E na memória de todos os europeus está ainda a intensa polémica gerada em Maio de 2022 pelo embaixador polaco na Alemanha, Andrei Melnik, que, por um atraso na decisão do Governo alemão para enviar, na altura, sistemas de artilharia para apoiar a Ucrânia, chamou "salsicha de fígado" ao chanceler Olaf Scholz, naquela que foi a mais agressiva falha protocolar diplomática entre dois estados na União Europeia em décadas, sendo que não há registo de outra semelhante.
E, todavia, agora, por uma questão interna, que os especialistas consideram ser de reduzido impacto no geral da economia polaca, como o é na da Eslováquia e da Bulgária, outros dois aguerridos apoiantes de Kiev - a Hungria também está neste grupo mas sobressai por não apoiar Kiev no seu esforço de guerra contra a Rússia e, por isso, estar moralmente menos exposta -, não estão na disponibilidade de fazer um "pequeno sacrifício" para apoiar o amigo Volodymyr Zelensky.
Em Bruxelas, a Comissão Europeia já condenou a decisão destes países, sublinhando que estão a infringir regras da União Europeia, enquanto em Kiev, o Governo de Zelensky também já mostrou a sua indignação com a atitude dos vizinhos a oeste, tendo mesmo surgido em Kiev palavras como "hipocrisia" e "traição", embora, para já, fora do círculo mais próximo do Presidente ucraniano.
Putin foi à linha da frente...
... para deixar claro que a já famosa por antecipação contra-ofensiva da Ucrânia da Primavera vai ser recebida pelas forças russas em prontidão combativa e com as linhas de retaguarda reforçadas em armamento, logística e com as centenas de milhares de novos recrutamentos com a fase de treino concluída.
Pelo menos é isso que o Kremlin quer fazer transparecer com esta inesperada visita do Presidente russo à região de Kherson, uma das quatro anexadas em Outubro de 2022, e onde as forças russas foram obrigadas a uma retirada estratégica, diz Moscovo, humilhante, garante a NATO e a Ucrânia, onde reunião com os generais que comandam as operações no terreno.
Esta deslocação a esta região, a sul da extensa linha da frente com mais de 1.200 kms, por onde alguns analistas, como o major general Agostinho Costa, admitem que os ucranianos vão tentar forçar a expulsão das forças russas na aguardada contra-ofensiva da Primavera, que, segundo a revista Newsweek, que retirou essa informação dos documentos expostos pela fuga "top secret" do Pentágono, vai ser lançada a 30 de Abril, é igualmente simbólica.
É simbólica porque se trata de uma das cinco regiões, contando com a Crimeia, em 2014, anexadas pela Rússia - Kherson, Zaporijia, a sul, Lugansk e Donetsk, a leste, em 2022 - que o Kremlin considera território indivisível da Federação Russa, embora nenhuma dessas anexações tenha sido reconhecida internacionalmente.
Com este périplo, Putin visa, além de pressionar as suas chefias para a severidade da resposta a dar ao avanço ucraniano na contra-ofensiva, mas ainda, e provavelmente mais isso, enviar um recado a Kiev e aos seus aliados ocidentais de que estas regiões anexadas são tanto Rússia como Moscovo ou Vladivostok.
Segundo o canal russo Russia Today, Putin esteve em Kherson no posto de comando regional, onde reviu o progresso da operação militar especial contra as forças ucranianas, que, recorde-se, garantem ir lutar até à recuperação total dos territórios ocupados pelos russos, incluindo a Crimeia, deixando claro que essa é a única condição aceitável para dar por concluída esta guerra.
Alias, esta posição de firmeza dos dois lados é vista por muitos analistas como um indício de que esta guerra está para durar e não vai terminar com a contra-ofensiva ucraniana, como demonstra a forma aguerrida e sacrificial como os dois lados se batem em Bakhmut (Artyomovsk, segundo os russos), com avanços milimétricos das unidades de combate russas, que já ocupam mais de 85% da cidade.
Após mais de seis meses de intensos combates em Bakhmut, segundo os documentos secretos que escaparam do Pentágono nas últimas semanas, Kiev não vai conseguir aguentar a cidade, e o número de baixas do lado ucraniano, embora os serviços secretos ocidentais, incluindo do Reino Unido e dos EUA, digam o contrário, é muito superior ao das baixas do lado russo.
Alias, estes documentos caíram com estrondo do lado ucraniano porque mostram que, pelas contas dos Estados Unidas, especialmente da CIA, ao longo da guerra, a Ucrânia perdeu 71 mil militares, enquanto a Rússia viu morrer "apenas" 17 mil, o que coloca dúvidas suplementares sobre as informações com que as secretas ocidentais inundam os media, procurando em permanência mostrar uma Rússia sobre brasas e uma Ucrânia em vantagem considerável desde o início do conflito.
Esta contra-ofensiva, que esses mesmos documentos norte-americanos mostram que é a última oportunidade para Kiev conseguir dar a volta ao seu destino nesta guerra, vai igualmente ter uma importância de longo prazo estratégica, porque em confronto vai estar o melhor armamento da NATO e da Rússia.
Oo seja, do lado ucraniano vão estar os melhores blindados, carros de combate pesados e de transporte de pessoal, como os alemães Leopard 2 e os britânicos Chalenger 2, as armas mais aguardadas pela Ucrânia deste o começo do conflito, ou ainda os sistemas de artilharia mais modernos, como os HIMARS, enquanto do lado russo, à sua espera vão estar os carros de combate pesados T-90M, os mais modernos, as múltiplas plataformas de artilharia pesada, como os famosos GRAU ou os igualmente temidos morteiros pesados Tyulpan 2s4, além dos misseis antitanque portáteis 9M133 Kornet, com os quais os analistas russos dizem que vão "esmagar" a ameaça dos Leopard e dos Chalenger.
E os analistas admitem, quase em uníssono, que as próximas semanas serão, de facto, esclarecedoras, porque nem um nem outro lado, seja qual for o resultado, da contra-ofensiva ucraniana, e da russa, se a primeira for sustida, se podem queixar de falta de tempo e de uma eventual surpresa.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.