A notícia vem no Washington Post mas não convence uma boa parte dos analistas, mesmo sendo aceitável que tenha sido esse jovem, apenas conhecido pela iniciais OG, que tenha despejado os documentos na sala de conversações de um grupo de 20 indivíduos que partilham o gosto pelas temáticas raciais, da religião e da guerra, na plataforma Discord.
O jornal norte-americano embrulha a história com citações de uma fonte que partilhava com OG a sala de "chat" no Discord, descrevendo-o como um rapaz com vontade de sobressair entre este grupo, tendo-se gabado de estar numa posição com acesso a informações "top secret" e a publicação dos documentos do Pentágono serviriam para provar o que dizia e impressionar os seus interlocutores naquela "sala" de uma ainda sombria, para a maioria, rede social.
Este antigo trabalhador de uma base militar norte-americana será, assim, segundo o Washington Post, o autor da fuga mais relevante de ficheiros e documentos altamente sensíveis e top secret desde a Wikileak de Assange.
Só que esta tese é, para alguns analistas, simplesmente demasiado fácil, porque, se alguns dos documentos possam ter acesso relativamente facilitado, por não representarem perigo para a segurança nacional dos EUA, outros há que são demasiado perigosos nas consequências óbvias da sua divulgação nos canais errados que é difícil aceitar que um trabalhador não qualificado e civil de uma base militar pudesse, não só aceder mas também retirar ou fotografar esses mesmos documentos.
Esta aparente solução para um imbróglio que levou, segundo a imprensa norte-americana, a Casa Branca a entrar em "modo de crise", surge depois de a Rússia ter sido, oficialmente, colocada na lista dos principais suspeitos, e ainda depois de ter sido veiculada a tese, exponenciada pela rede tentacular de jornalistas e comentadores ligados aos interesses da NATO e dos EUA nos media ocidentais, de que os documentos seriam factuais mas tinham sido adulterados para deixar mal o lado ucraniano da guerra no leste europeu, especialmente no que diz respeito às baixas em combate (ver links em baixo nesta página).
Apesar de a versão contada pelo Washington Post estar bem alicerçada, com descrição do funcionamento da sala de chat do Discord e dos sub-grupos secretos nela contidos, muitas dúvidas permanecem por iluminar, como, por exemplo, a facilidade de acesso a estes documentos por alguém sem credenciais para o efeito, dentro de uma ase militar onde seria um civil com pouco tempo ali passado.
Outra questão por explicar é o facto de as autoridades não terem ainda conseguido localizar OG, sedo este uma das pessoas mais procuradas nos EUA actualmente e como é evidente os serviços secretos já sabiam antes de se ter conhecido publicamente a sua existência, que estes documentos estavam a circular, pelo simples facto de que se assim não for, isso demonstraia a total inépcia da intelligentsia da maior potência militar do mundo.
Algumas das teses subjacentes a esta fuga são claramente rebuscadas, mas verosímeis, como as que o major general Agostinho Costa, analista militar da CNN Portugal, sublinhou, nomeadamente a possibilidade de existir uma discrepância na análise ao conflito por parte das chefias militares de topo no Pentágono e a classe política em redor da Casa Branca.
Isto, enquadrado na ideia de que os generais norte-americanos, como, alias, os documentos explicitam, estão cientes, como deixa entender as várias declarações do general Mark Milley, CEMGFA, que defende negociações em vez da guerra continuada, de que a Ucrânia não está em condições de poder alcançar uma vitória sobre a Rússia e que manter o curso das batalhas será uma tragédia que não se justifica.
E esta divulgação seria uma forma de travar os ímpetos marciais dos políticos radicais em Washington, especialmente os neoconservadores que claramente, como já o disseram os secretário da Defesa, Lloyd Austin (na foto), e de Estado, Antony Blinken, pretendem manter a guerra até uma derrota clamorosa dos russos, especialmente parar com a contra-ofensiva ucraniana que levará a uma tragédia histórica em vidas perdidas, de ambos os lados, com poucas probabilidades de uma vitória de Kiev.
O que está em causa e são as maiores revelações desta fuga de informação da intelligentsia dos EUA?
A mais melindrosa, e, por isso, a mais sujeita a tentativas de demonstração de ser informação falsa, é um documento onde surge esxposto o número de baixas de um lado e do outro, que desmente totalmente a informação dos serviços secretos norte-americanos e britânicos, que apontam para 200 mil mortos do lado russo, e um número inferior do lado ucraniano, quando a "verdade" agora exposta é que a Rússia perdeu "apenas" 17 mil homens enquanto a Ucrânia "registou" 71 mil mortos, o que pode ter um efeito desmoralizante relevante nas fileiras ucranianas.
Outra importante revelação para o campo de batalha no conflito no leste europeu é que a Ucrânia está à beira de ficar sem capacidade antiaérea para se defender dos misseis e drones russos que tombam em vagas sucessivas sobre a Ucrânia há quase um ano, especialmente munições para o sistema S-300 e BUK. Os paióis ucranianos já só respondem às necessidades até finais de Abril, início de Maio.
Não menos relevantes são os documentos que mostram que os EUA e a NATO desconfiam da capacidade das forças ucranianas para realizarem uma contra-ofensiva até ao Verão e se o fizerem que isso resulte na tomada de territórios ocupados pelas forças russas, sendo esta informação de extrema relevância porque os elementos do gabinete do Presidente Zelensky se têm desdobrado em afirmações galvanizantes de que as tropas ucranianas vão expulsar os russos de todo o território, incluindo a Crimeia.
Outro momento importante deste filme de espiões da vida real é que os documentos revelados mostram a forma como a intelligentsia norte-americana penetra nas muralhas russas, deixando pistas claras para que Moscovo, que os analistas dizem não ser razoável pensar que não estão a par desta realidade, tape alguns buracos paraos quais pudesse estar menos atento.
Outra questão, que incide sobre quatro países tradicionalmente aliados dos EUA, é que estes documentos mostram que o Governo egípcio planeou - embora tenha já desmentido - fornecer armamento à Rússia para uso na guerra na Ucrânia, mostrando o Presidente al-Sisi inquietação para que os seus generais garantam que esse fornecimento se mantivesse secreto de forma a não melindrar os ocidentais.
Sobre a Coreia do Sul, a questão passava por garantir que este país asiático fornecesse munições de artilharia aos EUA para restabelecer stocks embora Seul desconfiasse que estas seriam divergidas para a Ucrânia contra a sua vontade e sem autorização, o que levou Washington a manter a entourage do Presidente Yoon Suk-yeol sob vigilância espiando os seus passos e conversas.
Já sobre Israel, estes documentos mostram que a secreta israelita, a Mossad, apoia os protestos populares contra as reformas judiciais do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o que pode gerar um tremendo desconforto em Tel Aviv no seio do regime.
E por fim nos Emirados Árabes Unidos, que os documentos mostram que, afinal está a trabalhar com os serviços secretos russos contra os EUA e o Reino Unido, o que Washington soube através de interceptação de chamadas telefónicas ou de interferência em sinais electrónicos de comunicação.
Como vai Joe Biden e a sua equipa resolver esta crise global é a grande questão. Alguns analistas admitem que dificilmente sairá incólume deste buraco militar, político e diplomático...
Todavia, sem certeza do que se trata de facto, as teses em consideração mais verosímeis pelos analistas, além das desenhadas por Agostinho Costa, passam por três pontos: primeiro, a possibilidade de se tratar de uma fuga interna com o objectivo de criar dificuldades aos democratas e à Administração Biden, em segundo, uma operação de pirataria informática protagonizada por adversários dos EUA, e em terceiro, tratou-se de uma operação de desinformação/deceção das secretas norte-americanas, que espalharam estes documentos para desviar as atenções ou criar surpresa na guerra da Ucrânia e estes últimos com referências à China e ao Médio Oriente servem apenas para adensar essa dúvida.
Kiev em polvorosa
Entretanto, o Politico, um jornal norte-americano especializado na cobertura política local e internacional, publicou esta quinta-feira uma notícia que sublinha ainda mais o melindre gerado por esta fuga, afirmando que o Governo ucraniano está com os nervos à flor da pele devido a este episódio.
Segundo este media, o regime de Zelensky ficou em polvorosa por ver os documentos a revelarem a incapacidade ucraniana em manter e levar de vencida a Rússia nesta guerra, nºao só colocando dúvidas nessa capacidade mas duvidando de qualquer possibilidade de sucesso da esperada contra-ofensiva da Primavera.
O Politico espreme ainda mais o tema e diz que a questão que mais fere a entourage de Kiev é a revelação de que os Estados Unidos pensam que os ucranianos só serão capazes de conseguir ligeiros ganhos territoriais aos russos quando os seus lideres estão há meses a garantir que vão conseguir expulsar a totalidade dos russos da totalidade dos seus territórios, incluindo a Crimeia.
Citando vários oficiais e governantes ucranianos, o jornal avança que em Kiev se lamenta profundamente haver quem ainda duvide das capacidades ucranianas e continue hesitante em apoiar de forma inequívoca a Ucrânia.
E revela ainda que o próprio Antony Blinken se apressou a ligar pessoalmente para Kiev no sentido de reafirmar o apoio total e incondicional a Kiev, como, de resto, já o fez várias vezes em público, embora os documentos mostrem outra realidade.