Quando o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, reuniu com o Presidente Joe Biden, na terça-feira, o que estava em cima da mesa, que fosse do conhecimento dos media, era a definição do conteúdo do novo pacote de ajuda dos EUA a Kiev, no valor de mais de 3 mil milhões USD, e a escolha do próximo chefe da NATO, que será anunciado na Cimeira da organização de Julho, em Vilnius, na Lituânia... mas não foi isso o que de mais saliente saiu daquele momento.
Foi sim o facto de também Jens Stoltenberg parecer estar a mudar o "chip" de falcão de guerra para uma moderada posição de que o caminho mais razoável para sair do pântano do conflito no leste europeu é deixar as trincheiras para trás e sentar as partes à volta de uma mesa para conversarem...
Isto, porque Stoltenberg era, até aqui, juntamente com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o Governo britânico, todos a defenderem uma derrota definitiva dos russos no campo de batalha, os mais bravos falcões de guerra a voar sobre Moscovo e, agora, tal como Antony BLinken, veio defender que a ofensiva ucraniana em curso visa abrir um espaço mais confortável para Kiev quando chegar o momento de negociar com Vladimir Putin.
Ainda é cedo para se saber ao certo se esta mudança de agulha entre os principais aliados ocidentais da Ucrânia, embora sem deixarem de manter as promessas de apoio sólido a Kiev, mesmo que também aí estejam a surgir sinais de mudança de olhar, ao serem pronunciadas com mais ênfase as palavras "apoio político no pós-conflito", terá consequências ou mesmo se não será um "truque" para testar a disponibilidade russa...
Mas o que se sabe da frente de batalha, especialmente da "Avenida Bradley", a frente de Zaporizhia onde os media norte-americanos CNN e New York Times já admitem elevadas perdas em blindados ocidentais, entre estes em maior número os Bradley, veículos de combate ligeiros norte-americanos, o que levou os russos a assim baptizar a zona, é que estes primeiros 10 dias de contra-ofensiva não estão a correr de feição a Kiev.
Sendo cedo para fazer um balanço cabal da contra-ofensiva, é já tempo, como entendem os major general Agostinho Costa e Carlos Branco, ouvidos pela CNN Portugal, de admitir que as pesadas baixas em material e humanas indiciam problemas sérios nas fileiras ucranianas, o que é igualmente corroborado pelos efusivos pedidos de mais carros de combate pesados Leopard 2 aos alemães, quando vários destes já foram também destruídos, e Bradleys aos EUA...
Estes analistas, a que se junta Tiago André Lopes, analista da CNN, tal como admitem ainda as fontes anónimas ouvidas pelas media norte-americanos nas chefias militares do mais importante aliado de Kiev, consideram, embora os media ocidentais enfatizem isso como sinais de sucesso da ofensiva ucraniana, que as cinco aldeias retomadas por Kiev na frente de Zaporizhia, não têm qualquer relevância no âmbito da gigantesca linha da frente com mais de 1.200 kms.
Alias, é sabido entre os observadores militares e especialistas que as aldeias reivindicadas pela Ucrânia estão na chamada "zona cinzenta", ou terra de ninguém, e a mais de 25 kms da primeira linha de defesa da Rússia, quel ali, é composta por pelo menos três, incluindo campos minados, estruturas em betão anti-tanque, trincheiras e, depois, as posições elevadas fortificadas.
OU seja, se as perdas ucranianas estão nesta dimensão vertiginosa, num rácio de 1/10 para as perdas russas, o que se pode esperar com o avançar das brigadas de reserva de Kiev para a frente de batalha é uma mortandade que pode ser histórica e só comparável na Europa ao período da II Guerra Mundial, sendo que também do lado russo será muito significativa.
Todavia, com as inesperadas mudanças de agulha percepcionadas nas declarações de Antony Blinken e Jens Stoltenberg, que tiveram claramente eco em Moscovo, onde Vladimir Putin disse que não pretende fazer as suas tropas avançar para a capital ucraniana, delimitando os objectivos ao este, sudeste do território em disputa, e que o Kremlim tem as portas abertas para negociar, as possibilidades de travar a fase mais mortífera da manobra ofensiva ucraniana ainda é uma possibilidade.
Alias, na conversa que Putin teve esta terça-feira na capital russa com vários correspondentes dos media russos e bloggers militares, este deixou claro que não tem como objectivo avançar com novas mobilizações e recrutamentos, nem declarar períodos sujeitos à lei marcial ou sequer alterar os objectivos da sua operação militar especial, que é como os russos definem esta guerra com a Ucrânia.
Manteve, contudo, a ideia de desmilitarização da Ucrânia, que diz estar a acontecer de forma acelerada, nota que é fácil para o ocidente encaminhar as partes para negociações, deixando de enviar armas para Kiev, porque os ucranianos não têm nenhuma capacidade de produzir armamento localmente, considera que as populações do Donbass estão agora mais seguras...
Disse ainda nesta longa, várias horas, a falar com jornalistas russos e bloggers de guerra, que se as coisas se mantiverem acesas na região de Belgorod, onde os ucranianos têm conseguido fazer algumas incursões em território russo, admite criar uma "zona tampão" ao longo de toda a fronteira com o país vizinho, mais de 500 kms.
Nesta conversa frizou ainda, como sempre tem dito, que a guerra começou efectivamente em 2014, com os ataques dos ucranianos ao Donbass e que esta operação militar especial iniciada em Fevereiro de 2022 é uma resposta para terminar a guerra e não para começar uma. (ver contexto da guerra, em baixo)
E deixou um conjunto de frases que deverão merecer análise aprofundada pelos analistas miliares e políticos nos próximos dias, ao admitir, numa crítica severa ao seu ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e ao seu CEMGA, Valery Gerasimov, que "alguém" deveria ter pensado na possibilidade de os ucranianos procurem furar as fronteiras da Federação em Belgorod.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.