Na quarta-feira, quando ainda era o alegado massacre de Bucha, onde centenas de civis apareceram mortos nas estradas desta pequena cidade a norte da capital, que fazia as manchetes dos media em todo o mundo, com Kiev a acusar os russos de milhares de crimes de guerra, dois vídeos divulgados nos media russos e nas redes sociais, mostrando prisioneiros de guerra russos a serem torturados e executados selvaticamente por militares ucranianos, prometem vir a dar que falar se se vier a provar a sua autenticidade.

Ao contrário das imagens chocantes de Bucha, que ocuparam horas a fio e páginas inteiras nos media ocidentais, sobre estes vídeos, que mostram as atrocidades cometidas por ucranianos sobre prisioneiros de guerra russos, gravemente feridos e indefesos, salvo raras excepções, de entre os canais internacionais de grande expansão apenas a Al Jazeera destacou este assunto.

Mas factual é o regresso da ameaça nuclear à Europa, depois de se conhecer que a Polónia, o país da NATO que mais agressivamente encara esta ofensiva contra a Rússia na forma de sanções económicas e apoio militar à Ucrânia, pediu aos Estados Unidos que desloquem ogivas nucleares para o seu território para reforçar a capacidade de dissuasão contra a Rússia, o que gerou uma severa reacção de Moscovo.

E nem o facto de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter, pela primeira vez, reagido às acusações que pendem sobre as suas forças militares de crimes de guerra em Bucha, referindo-se a esta situação como uma "provocação grosseira e cínica" de Kiev para, reforçando a posição de Moscovo já conhecida de que se tratou de uma farsa, prejudicar a Rússia, diluiu a enorme headline deste guerra que foi o "convite" do vice-primeiro-ministro polaco, Jaroslaw Kaczynski, para que Washington desloque armas nucleares para o seu país.

A resposta foi imediata por parte do Kremlin, com o seu porta-voz, Dmitry Peskov, citado pelo site da Russia Today, a partir de declarações à francesa LCI, a sublinhar que se tal vier a suceder, se a Polónia acolher armas nucleares ni seu território, a Rússia vai responder de forma simétrica, deslocando parte do seu arsenal nuclear de curto e médio alcance para as suas fronteiras mais próximas dos países europeus da NATO.

Peskov disse mesmo que uma resposta a este tipo de "grave ameaça" à Rússia, é alterar a sua "postura nuclear" de acordo com as novas ameaças, aproveitando para aconselhar Washington a não enveredar por esse caminho, sublinhando ao mesmo tempo que a Rússia é "uma potência nuclear responsável".

Em declarações anteriores, Peskov explicou já, à CNN International, que a doutrina russa para recurso a armas nucleares é conhecida e clara: sempre que existir uma ameaça existencial sobre a Rússia, a possibilidade de recurso ao arsenal nuclear está sempre em cima da mesa.

Esta situação ocorre quando os países ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, reforçaram o caudal sancionatório à economia russa depois do episódio de Bucha, apertando a malha das sanções sobre o sector energético, onde o carvão foi, pela primeira vez, afectado - A União Europeu deixou de importar esta matéria-prima russa -, mas também da banca e de familiares de dirigentes russos, incluindo as duas filhas mais velhas de Vladimir Putin, que viram os seus bens congelados, e estão impedidas de circular nestes países.

E também quando outro dirigente polaco, o primeiro-minisro, Mateusz Morawiecki, ocupou o espaço mediático europeu endereçando fortes críticas ao Presidente francês, Emmanuel Macron, que está a dias de umsa renhidas eleições onde a sua reeleição está a ser disputada de muito perto pela líder da Frente Nacional, partido da extrema direita radical, xenófoba e fascista, Marine Le Pen, por este manter uma linha de diálogo com Vladimir Putin.

Morawiecki, que, tal como o seu vice, Jaroslaw Kaczynski, é um "falcão", claramente defensor de uma intervenção militar da NATO na Ucrânia contra a Rússia, e da entrega de aviões de guerra a Kiev, o que colocaria de imediato a Rússia num confronto histórico, e, provavelmente, nuclear, com a NATO, quer que Emmanuel Macron deixe de falar com o Presidente russo porque a Rússia "é um Estado totalitário e fascista".

A resposta francesa foi igualmente incisiva e clara, com Macron a dizer na TV francesa TF1 que as declarações do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki são "um escândalo e sem fundamento", acrescentando que Paris não tem dúvidas de que manter a linha aberta com Putin ajuda a erguer uma "nova arquitectura de paz".

Mas Macron foi mais longe e acusou Morawiecki, que disse ser um "conhecido eurocéptico de extrema direita" e que está a apoiar a sua opositora nas eleições Presidenciais, Marine Le Pen, é um "cúmplice" como "outros", sem explicitar sobre o que é onde coincide essa cumplicidade, mas é facilmente perceptível que se refere a ligações espúrias de partidos da extrema direita que são financiados por russos próximos do Kremlin, como é o caso da Frente Nacional francesa, entre outros.

NATO reafirma apoio a Kiev

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, disse hoje, em Bruxelas, onde decorre mais uma reunião da Aliança Atlântica com a crise na Ucrânia como ponto único da agenda de trabalhos, que "a Ucrânia tem o direito de se defender" da invasão russa.

Stoltenberg deixou este recado à chegada a Bruxelas para reuniões com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba.

"Iremos ouvir as necessidades que Dmytro Kouleba nos apresentará e iremos discutir como responder", disse Stoltenberg, citado pela Lusa.

"Não faz muito sentido" distinguir entre armas defensivas e ofensivas "numa guerra de defesa como aquela que a Ucrânia está a combater", sublinhou o secretário-geral da NATO.

Kuleba disse que vai pedir o envio de mais armamento: "A minha agenda é muito simples, há apenas três pontos: armas, armas e armas".

"Quanto mais rápido forem entregues, mais vidas serão salvas e mais destruição evitada", disse, esta quinta-feira, o diplomata ucraniano, ao chegar à sede da NATO.

"Precisamos de aviões, veículos blindados, defesa antiaérea", insistiu Kuleba.

"A melhor maneira de ajudar a Ucrânia agora é fornecer tudo o que for necessário para conter e derrotar o exército russo [...], para que a guerra não se espalhe ainda mais", acrescentou.

"Sabemos lutar. Sabemos vencer, mas sem um fornecimento sustentável e suficiente de todas as armas exigidas pela Ucrânia, esta vitória imporá enormes sacrifícios", explicou o diplomata.

"Peço a todos os aliados que deixem de lado as suas hesitações, a sua relutância em fornecer à Ucrânia tudo o que ela precisa", insistiu Kuleba.

"Está claro que a Alemanha pode fazer mais, dadas as suas reservas. Estamos a trabalhar com o governo alemão para nos fornecer armas adicionais", acrescentou.

À chegada a Bruxelas, a ministra alemã dos Negócios Estrangeiros garantiu: "Continuaremos a apoiar a Ucrânia para a ajudar na sua capacidade de se defender, mas é importante que nos coordenemos, agirmos juntos e não agirmos individualmente".

Annalena Baerbock propôs a realização de uma reunião informal dos ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO em Maio na capital alemã, Berlim.

E a guerra prossegue

Entretanto, no terreno, a guerra soma e segue, com as forças ucranianas que retiraram do norte, das imediações de Kiev, a dirigirem-se para leste, onde os analistas, e as autoridades militares russas também o anunciaram, vai ter lugar a frente de batalha decisiva.

Isto, porque Moscovo já determinou que vai concentrar o seu poder de fogo na libertação total das repúblicas do Donbass, a de Donetsk e a de Lugansk, onde, como é afirmado pelos analistas militares, a Ucrânia tem o grosso das suas forças de maior capacidade combativa, desde 2014, quando os nacionalistas anunciaram a sua intenção independentista desta área geográfica do leste ucraniano pró-russo, e ainda próxima da Crimeia, que, após referendo, Moscovo anexou também em 2014.

Perto de 60 mil homens, os melhor preparados e equipados, da Ucrânia, deverão enfrentar as forças russas reagrupadas, que visam uma rápida vitória militar, aproveitando a dificuldade de reabastecimento dos ucranianos, de forma a que as comemorações do 09 de Maio, o dia da libertação e da vitória soviética sobre os nazis de Hitler, em 1945, decorram sem a sombra de uma possível derrota histórica da Rússia na Ucrânia.

Esta vitória-relâmpago é ainda fundamental para que a Rússia possa dar por completa a sua tomada da costa do Mar de Azov, sendo que ainda falta terminar a operação de tomada da cidade estratégica de Mariupol, onde decorrem os piores combates desta guerra que já vai em 40 dias.

Nos países vizinhos, apesar de em muito menor número, continuam a fluir milhares de refugiados para os países vizinhos, como a Polónia e a Hungria...

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.