A tentativa melhor conseguida até hoje da secreta russa para o exterior, SVR, antigo KGB, surgiu esta terça-feira no britânico The Guardian, que dá destaque, na sua edição online, a uma missiva dirigida pelo chefe destes serviços "especializados" russos dirigida aos funcionários das embaixadas da Ucrânia em todo o mundo.

Neste documento, Sergey Naryshkin, pede aos funcionários das embaixadas e consulados da Ucrânia espalhados pelo mundo para, literalmente, fugirem para a Rússia, prometendo-lhes protecção integral, incluindo as suas famílias, se entenderem que as decisões do seu Governo em Kiev, no contexto da guerra em curso, estão a prejudicar as hipóteses de um futuro risonho para o seu país.

"Se se sentirem responsáveis pelo destino da vossa Pátria, pretenderem viver em paz e segurança na Europa e estão sob pressão do regime criminoso de Kiev, que está a dirigir a Ucrânia para uma catástrofe nacional, venham para Moscovo, onde vocês e os vossos familiares serão acolhidos com total garantia de segurança", avança Sergey Naryshkin, que The Guardian cita a partir da agência estatal russa TASS.

Este responsável diz ainda, segundo as mesas fontes, que "as consequências da sólida degradação da situação política e sócio-económica na Ucrânia, bem como os métodos repressivos com que o regime controla o país, estão a afectar o pessoal das representações diplomáticas no exterior".

Narishkin acrescenta ainda que "decorrem profundas purgas entre as estruturas do país no exterior como forma de libertar estas de funcionários desleais a Kiev e de os obrigar a regressar ao país".

Este tipo de método, que visa subverter a estrutura de comando e controlo e gerar dúvidas no universo dos funcionários diplomáticos ucranianos, como também aconteceu no início da guerra do lado ucraniano visando desestabilizar as estruturas de Moscovo externas, não é novo em contexto de conflitos, como sucedeu, por exemplo, nas guerras do Iraque, onde centenas de elementos das embaixadas iraquianas fugiram para o lado ocidental, mas aqui a novidade é o facto de esta iniciativa do SVR ter chegado às páginas deste relevante jornal britânico.

Mas não termina aqui a ofensiva das secretas russas, que estão claramente a apostar na desestabilização do edifício diplomático externo de Kiev.

Isso mesmo, além da notícia divulgada por The Guardian, os media russos estão esta terça-feira a divulgar um relatório do SVR onde a intelligentsia de Moscovo informa que as suas congéneres ocidentais começam a ficar convencidas de que as possibilidade de sucesso ucraniano neste conflito com a Rússia estão quase reduzidas a zero.

Segundo o jornal russo Rossiyskaya Gazeta, citado pelo online da Russia Today, o SVR recolheu informações sólidas sobre a convicção dos serviços secretos ocidentais de que a contra-ofensiva ucraniana vai levar a resultados contrários aos objectivos definidos.

Sergey Naryshkin, em entrevista ao jornal russo, disse que elementos de comando da intelligentsia europeia e norte-americana e dos departamentos militares não colocam de parte a possibilidade de um desfecho totalmente contrário ao que era esperado inicialmente.

"Por detrás dos palcos, os analistas militares ocidentais e as suas unidades de recolha de informações começam a expressar sérias dúvidas sobre a possibilidade de sucesso da aventura ucraniana", disse este responsável.

Estas notícias dificilmente poderão ser confirmadas enquanto o conflito estiver a decorrer, porque em nenhuma circunstância seriam corroboradas oficialmente, mas enquadram-se claramente nos parâmetros mais comuns da contra-informação estratégica, que visa fragilizar a capacidade do inimigo em infligir danos e a gerar dúvidas entre os seus aliados.

Neste caso, Sergey Naryshkin pretende não só gerar dúvidas entre os próprios ucranianos como criar confusão entre os aliados de Kiev sobre o esperado sucesso da ofensiva em curso contra as posições defensivas russas, acção "psicológica" que é acompanhada da difisão de imagens da destruição sucessiva de equipamento militar moderno ocidental, de onde se destaca o simbolismo dos carros de combate pesados alemães Leopard 2 por terem sido apresentados como as armas que iriam mudar a guerra a favor da Ucrânia.

A ameaça nuclear volta ao palco principal

No mesmo dia em que os russos voltaram a lançar um vasto ataque aéreo sobre diversas cidades ucranianas, incluindo Kiev e Lviv, o Presidente norte-americano, Joe Biden, resolveu trazer para o palco principal deste conflito a questão nuclear advertindo que "o perigo de a Rússia estar a falar a sério sobre a possibilidade de recurso ao arsenal nuclear é real".

Isto foi dito nas últimas horas por Joe Biden depois de se ter sabido que a Rússia enviou um conjunto importante de armas nucleares para a Bielorrússia, como elemento de dissuasão face às suspeitas de que países ocidentais poderiam tentar invadir o principal aliado de Moscovo na Europa.

Esta movimentação de ogivas nucleares e lançadores russos para a Bielorrússia foi severamente criticada pelos países da NATO, os mesmos que já possuem dezenas de ogivas nucleares norte-americanas apontadas à Rússia, tendo Biden sublinhado que se trata de um "acto de grande irresponsabilidade".

Recorde-se que, dias antes da invasão russa da Ucrânia, numa das últimas conversas telefónicas entre Putin e Biden, ambos admitiram publicamente que um confronto militar directo entre a NATO e a Federação Russa levaria inevitavelmente o mundo para uma devastadora guerra nuclear.

Agora, com o Presidente norte-americano a voltar a insistir neste tema, admitindo que os russos podem mesmo usar armas nucleares tácticas, que se distinguem das estratégicas pela sua menor e limitada acção destrutiva, muitas dúvidas podem emergir entre os países da NATO.

Uma das questões sublinhadas pelos analistas, na altura em que os dois lideres, Putin e Biden, admitiram que o risco de confronto nuclear era - e é - real, é que se o assunto for definido como aquilo que é, a questão principal em cima da mesa pelo seu potencial de total aniquilamento da Humanidade, então, muitos dos países que hoje estão a armar Kiev podem começar a pensar duas vezes antes de seguir por esse caminho, porque um Armagedão nuclear é mais sério que uma eventual perda de territórios por parte da Ucrânia.

Isto, porque a contra-ofensiva ucraniana está claramente aquém dos resultados esperados para 15 dias de acção continuada, com os russos não só a defenderem solidamente as suas linhas como as perdas em equipamento e humanas são muito maiores do que estava previsto do lado ucraniano, embora sejam volumosas de ambos os lados.

A defesa avançada russa está a permitir a Moscovo recuar e recuperar aldeias perdidas para os ucranianos uma e outra vez, o que faz com que a contra-ofensiva tenha permitido a Kiev avançar apenas alguns quilómetros que os analistas dizem ser apenas em "terra de ninguém", sem posições estratégicas importantes.

Se nos próximos dias os ucranianos não conseguirem avanços significativos na linha que vai de Zaporizhia ao Mar Negro ou Mar de Azov, cortando a ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia, então esta contra-ofensiva poderá ser dada como um fracasso devido ao volume de perdas na frente mecanizada das brigadas de Kiev.

Mas essa circunstâncias, avanço ou consolidação de posições, só será visível nas próximas duas a três semanas.