O The Washington Post noticiou, este Sábado, que o Presidente norte-americano mandou os seus colaboradores avisar o regime de Kiev que o finca-pé na recusa de negociar com Moscovo um novo caminho para a paz não estava a ser tão bem-visto como até aqui em Washington, precisando que Volodymyr Zelensky deve passar a amaciar essa postura trocando-a por outra mais de acordo com os novos tempos, onde o mundo ocidental já não mostra ter a mesma paciência e vontade de alimentar este conflito como há alguns meses.

E já hoje, o The Wall Street Journal foi ainda mais longe e divulgou que a Administração Biden nunca deixou de manter uma linha de conversações e troca de informações com o Kremlin através do seu principal conselheiro para a Segurança Nacional, Jake Sullivan, com a missão objectiva de garantir que esta guerra no leste europeu não escala, seja qual for a circunstância, para o patamar nuclear.

Isso é o mesmo que dizer que as acções da NATO, mesmo que o volume de armamento oferecido a Kiev seja avassalador, estão limitadas fortemente por decisão de Washington, o que contraria profundamente a lógica subjacente a quase toda a retórica despejada nos vídeos-propaganda do Presidente ucraniano onde este defende diariamente uma maior intervenção do ocidente contra a Rússia, nomeadamente o uso preventivo de armas nucleares e o fecho do espaço aéreo ucraniano à aviação russa, o que significa, em ambos os casos, o convite ao conflito directo Washington-Moscovo. Que tanto Biden como Vladimir Putin já admitiram que seria a porta escancarada para um armagedão nuclear.

Colocando ainda neste patamar a questão cada vez mais sobressaída do cansaço crescente dos povos dos países europeus com os efeitos desta guerra, nomeadamente no rasto das sanções em pacotes a Moscovo, cuja inflação galopante, a recessão inevitável e o insustentável aumento do custo de vida misturado com a crise energética alimentada pelo Inverno gelado que se aproxima no Hemisfério Norte - efeitos do refluxo dos castigos atirados contra a Rússia -, a Ucrânia pode ter já muito pouco tempo para recuperar algum do território anexado pelos russos, o equivalente a um Portugal e meio, mais de 120 mil kms2, nos oito meses de duração desta guerra.

E essa derradeira oportunidade, como apontam alguns analistas militares, é Kherson, a única cidade capital de província nas mãos dos russos das quatro, com Zaporijia, Donetsk e Lugansk, que anexaram em Setembro, para onde tudo indica, está a ser preparada uma batalha de proporções apocalípticas, que o Presidente da Sérvia, um aliado relativamente silencioso de Moscovo, já admitiu ter tudo para ser uma segunda Stalingrad (actual São Petersburgo), na II Guerra Mundial, que esteve cercada durante longos meses pelas tropas alemãs de Adolf Hitler, sem terem conseguido os seus intentos, mas mudando decididamente o curso da guerra contra a Alemanha.

Aleksandar Vucic aconselhou mesmo a que os decisores deste conflito analisem o que se passou en Stalingrad, entre 23 de Agosto de 1942 e 02 de Fevereiro de 1943, onde morreram milhares de pessoas, fazendo-se os efeitos desta sangrenta batalha sentir muito além do campo de batalha, apelidando o que espera Kherson em breve como um "desafio para mudar os tempos enquanto a batalha decisiva deste conflito".

Isto resulta de uma análise objectiva ao que se passa em torno da cidade de Kherson, ocupada desde Março pela Rússia, depois anexada e feita território russo em Setembro, mas de onde os civis estão a ser retirados à pressa, mais de 70 mil, em escassos dias, de onde até as bandeiras russas nos edifícios públicos estão a ser retiradas pelos... russos, mas com as redondezas da urbe, situada na margem direita do Rio Dniepre, a serem avassaladoramente fortificadas com reforços em homens e em equipamento, como se de um convite aos ucranianos para entrarem na cidade se tratasse.

Algumas chefias ucranianas já admitiram que os russos estão a preparar uma armadilha para as forças ucranianas serem apanhadas sob um cerco dantesco de artilharia quando ocuparem a cidade de Kherson.

O que vai acontecer, segundo analistas militares, como o major-general Agostinho Costa, ouvido na CNN Portugal, é que Kiev tem aqui uma oportunidade de tomar a única capital tomada fisicamente pelos russos das quatro anexadas, o que seria um momento de grande importância simbólica e propagandística para a Ucrânia, o que deverá ser suficiente para que essa contra-ofensiva siga nesse sentido, como, diga-se, o indicia já os repetidos ataques com tropas especiais aos arredores de Kherson e a destruição das pontes no Rio Dniepre por onde os russos se podem reabastecer, usando para o efeito os misseis HIMARS norte-americanos.

Armamento ocidental adequado a uma derradeira e decisiva batalha

Este cenário, que aponta para a batalha de Kherson como um estrondoso, trágico e letal cair dos panos deste conflito que já é visto como insuportável pelos países europeus e pelo resto do mundo, pode estar a ser visto como uma última oportunidade para testar armamento em contexto de guerra real, com os EUA a apressarem as entregas dos sistemas antiaéreos de médio alcance NASAMS, que produziram em parceria com a Noruega, e que estavam a ser pedidos por Zelensky há meses.

Foi o ministro da Defesa ucraniano, Aleksey Reznikov, que confirmou esta chegada ao país dos NASAMS, assim como os italianos ASPIDE, misseis terra-ar, oferecidos por Espanha, Noruega e EUA, um reforço substancial para o aparato antiaéreo ucraniano que está a ser montade em redor das suas maiores cidades e locais de importância estratégica, como as centrais eléctricas, os alvos mais atingidos nesta fase da guerra pela Rússia, que deixou uma larga maioria do país sem energia eléctrica e levou mesmo o Governo de Zelensky a admitir já que terá de retirar os três milhões de cidadãos que habitam em Kiev por falta de condições mínimas para aguentarem o rigoroso Inverno que pode chegar a 10 graus negativos.

Estas armas, com grande mobilidade, podem ainda ser de utilidade efectiva depois de os ucranianos reocuparem Kherson, para se defenderem não só da aviação russa mas também dos seus furtivos misseis Kalibr ou Iskander, ou ainda dos seus drones, difíceis de detectar pela actual parafernália antiaérea de que dispõem.

A pergunta agora que mais se coloca é "quando" é que os ucranianos vão avançar sobre Kherson, porque a questão não é já "se", e logo de seguida, pergunta-se se efectivamente a retirada estranha dos russos de Kherson é estratégica para cercar e destruir o grosso das suas principais tropas com a intensa e cerrada chuva de artilharia que estará a ser preparada, ou se se trata, na verdade, de uma retirada por falta de condições para manter a cidade face ao volume e qualidade de forças ucranianas dispostas para a contra-ofensiva, finalmente, ao que tudo indica, com um número elevado de sistemas de misseis de precisão HIMARS e os obuses M777, de grande eficácia, ambos, a distâncias de 70 kms ou mais, fornecidos pelos Estados Unidos.

A resposta só poderá ser efectiva se acontecer em breve ou se a chuva enlameadora dos caminhos e frio intenso que tudo gela em seu redor chegarem antes da Ucrânia dar este passo, porque isso quererá dizer que já não o vão fazer, pelo menos até ao início da Primavera.

O papel de Sullivan no diálogo com Moscovo

A par deste cenário bélico intenso, que se estende, recorde-se, por uma linha da frente com mais de 1.000 kms, e com pontos muito quentes em permanência, como Bakhmut, no plano diplomático, as coisas parecem estar melhor encaminhadas, como o demonstra a recente notícia do Wall Street Journal, que descreve os encontros regulares do principal conselheiro de Joe Biden para a Segurança Nacional, Jake Sullivan, com o conselheiro para a política externa de Vladimir Putin, Yuri Ushakov, e Nikolay Patrushev, presidente do Conselho de Segurança Nacional da Rússia.

Estas conversas que, afinal, e ao contrário do que se suponha, nunca foram interrompidas, mas apenas mantidas em segredo por ambos os lados, e agora revelados por um dos principais jornais norte-americanos, foram assim conduzidas, a pretexto de não permitir um escalar do conflito para o patamar nuclear, mas, aparentemente, com o objectivo real de não interromper as ligações directas entre a Casa Branca e o Kremlin, apesar da retórica agressiva mantida em público.

O que alguns analistas dizem agora é que esta divulgação coloca em cheque o Presidente ucraniano, que apostava tudo no deslaçar completo das ligações do ocidente com Moscovo, no seu esforço, que muitos admitem algo alucinado, de conduzir a NATO para uma guerra directa com os russos... e agora percebe que esse desígnio, a última bóia a que se agarrava para conseguir sair com uma vitória final e decisiva, está afinal fora do campo das possibilidades por decisão estratégica de Washington.

E foi, aparentemente, embora as notícias careçam de precisão nesse detalhe, neste contexto que os EUA resolveram chamar Zelensky à pedra, como noticiou The Washington Post, para lhe dizerem que está na hora de mostrar maior flexibilidade negocial com Moscovo para que seja possível realinhar a bussola com outro norte, desta feita o de um acordo de paz.

Em suma, isto quer dizer que depois de os EUA e o Reino Unido terem retirado à força os ucranianos das negociações que tinham em curso com os russos logo em Março, são agora também os norte-americanos que voltam a empurrar os ucranianos para a mesa das negociações, o que pode levar o Governo de Kiev a deparar-se com uma situação algo humilhante por ficar claro que se move a reboque de ordens de Washington.

Quanto aos aliados europeus, da União Europeia, a questão é como vai ficar a posição da presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, e do seu responsável pela diplomacia dos 27, Joseph Borrell, dois defensores acérrimos da guerra total até à vitória definitiva da Ucrânia no campo de batalha?

Ver-se-á em breve, mas também essa postura tende a ser insustentável se este realinhamento das posições norte-americanas não forem apenas uma jogada em contexto eleitoral, com as eleições intercalares a terem lugar esta terça-feira, 08, com as sondagens a apontarem para uma derrota dos Democratas de Joe Biden devido à crise económica que os eleitores vêm como tendo origem na guerra na Ucrânia, pelo menos em grande parte.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.