A contra-ofensiva ucraniana, que é a última oportunidade concedida pelos países da NATO, liderados pelos Estados Unidos, para expulsar as forças russas que ocupam cerca de 20% do território ucraniano, no leste e no sul do país, só não avança já, como fez questão de dizer alto e em bom som o secretário-geral da NATO, se as chefias militares e o Governo ucraniano não quiserem.

Estas palavras de Jens Stoltenberg, que se tem revelado como o mais aguerrido "falcão" ocidental a pugnar pelo combate aos russos até ao último soldado ucraniano, geraram, como seria de esperar, um burburinho entre ucranianos e os seus aliados ocidentais, porque parecem claramente uma pressão ao mais alto nível para que as brigadas de Kiev avancem sobre as linhas defensivas russas, naquela que é já considerada por muitos analistas militares como a batalha decisiva desta guerra, dela dependendo a vitória ou a derrota que pode comprometer em definitivo o seu desfecho final.

Em defesa da sua posição, que compromete qualquer estratégia que os generais ucranianos tenham planeada, porque vem exigir uma aceleração do início da contra-ofensiva, Jens Stoltenberg alude à condição de que os ucranianos já receberam 230 carros de combate pesados, mais de mil viaturas blindadas de vários tipos, milhares largos de munições, o treino de milhares de soldados no diapasão NATO e mais de 20 aviões de guerra MIG-29 polacos e eslovacos.

Esta pressão do chefe da NATO - a organização militar ocidental liderada pelos EUA não está directamente envolvida na guerra mas tem servido de plataforma logística para os esforços ucranianos - contrasta com as palavras mais recentes das autoridades ucranianas, que têm repetido não estarem ainda em condições de lançar a contra-ofensiva, porque faltam sistemas de artilharia de longo alcance e de defesa antiaérea, bem como aviões de guerra modernos.

Face a este improvável cenário de aparente descoordenação na comunicação entre os aliados ocidentais e os ucranianos, alguns analistas militares estão agora a procurar analisar a situação, sendo duas as teses mais comuns, excluindo a possibilidade de que os ucranianos estão apenas à espera das condições meteorológicas adequadas, como o fim das chuvas, para que os pesados blindados ocidentais, como os alemães Leopard-2 ou os britânicos Chalenger-2, com 70 toneladas, não se afundam na lama.

Uma é que a NATO está a verbalizar a impaciência ocidental, com cada vez mais países europeus a demonstrar um cansaço com esta situação, procurando acabar com o conflito o mais rápido possível, porque o impacto económico, social e político chegou ao limite do suportável.

A outra é que os EUA não podem deixar que os avanços diplomáticos chineses se intrometam nos planos ocidentais, porque a recente, na terça-feira, conversa telefónica entre o Presidente XI Jinping e o seu homólogo Volodymyr Zelensky volta a dar tracção à possibilidade de transferir os esforços do terreno de combate para a mesa das negociações, até porque tanto Moscovo como Kiev já vieram dizer aceitar com boa vontade a intermediação de Pequim.

Sobre um e outro cenário, pesam interesses bem evidentes, sejam porque, depois de a China ter conseguido reaproximar o Irão e a Arábia Saudita, e, com isso, acabar com a guerra no Iémen, limpar a via para que a Síria e a Arábia Saudita e a Turquia voltem aos trilhos diplomáticos normais, tendo Damasco voltado mesmo ao seio da Liga Árabe, os EUA dificilmente podem aceitar mais um sucesso estrondoso na Ucrânia, porque resolver o conflito Rússia/Ucrânia seria a definitiva conquista chinesa de um lugar cimeiro enquanto potência diplomática, estatuto que juntaria ao de grande potência económica e militar.

Na "pressa" de Stoltenberg para ver a contra-ofensiva a rolar sobre a frente de batalha, a questão é muito semelhante, porque são cada vez mais os países da Europa ocidental cansados da guerra e a pugnar de forma mais aberta que nunca por uma saída negocial, o que poderia ser o equivalente à aceitação de uma meia-vitória, pelo menos, para Moscovo, porque dificilmente se veria numa posição de ser obrigada a devolver todos os territórios conquistados desde 24 de Fevereiro de 2022.

Este cenário poderia lançar uma sombra sobre o legado do próprio secretário-geral da NATO; que está de saída já no final deste ano e foi, ao longo destes 14 meses, a par da presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, o maior defensor entre os lideres políticos e de organizações relevantes de uma derrota russa esmagadora no campo de batalha.

Se a chegada de Pequim ao campo da batalha diplomática mundial para terminar em negociações com a mais devastadora guerra na Europa desde o fim da II Guerra Mundial, for bem sucedida, a NATO e os seus membros, com destaque para os EUA, podem perder muito mais que apenas os biliões enviados para Kiev, podem ver a nova ordem mundial preconizada por russos, chineses e indianos, entre outros do "imenso sul" a ganhar tracção e aglomerar mais vontades onde a influência dos EUA começa a perder chão para Pequim e Moscovo.

Sem ser possível perceber se é uma resposta a estas palavras, a Rússia voltou na noite de quarta para quinta-feira, 28, a lançar uma chuva de misseis sobre a Ucrânia, tendo alvejado a capital, KIev pela primeira vez em quase dois meses. Hà registo de vários mortos civis, embora o comando russo em Moscovo insista que só atinge alvos militares, apesar de os media ocidentais apenas noticiarem ataques a áreas civis.

As acusações de Shoigu

E é precisamente isso que parece estar por detrás das palavras do ministro da Defesa russo esta quinta-feira, que, citado pela Russia Today, acusou os EUA de estarem a chantagear países e organizações em todo o mundo, criando coligações regionais para travar os seus rivais geopolíticos, ou seja Rússia e China.

Estas palavras de Sergei Shoigu foram proferidas durante uma cimeira de ministros da Defesa da Organização para a Cooperação de Shangai (SCO, na sigla em inglês), em Nova Delhi, Índia, sublinhando o governante russo que estão a decorrer uma "pressão sem precedentes" sobre países independentes por parte de Washington, através de chantagens sob a forma de ameças de criar "revoluções coloridas", golpes e desinformação, naquilo que é claramente "o trunfo" norte-americano para procurar travar o seu declínio global.

Todavia, estas palavras de Shoigu surgem num momento em que são os russos que começam a estar na mira internacional como força de alteração de situações políticas, como é o caso do Sudão, onde o Grupo Wagner, empresa privada que tem serviço de braço armado do Kremin além-fronteiras, é acusado de ter estado por detrás da ebulição militar que já dura há duas semanas e já provocou mais de 600 mortos e milhares de feridos, além de um número ainda por calcular de refugiados nos países vizinhos. (ver links nesta página, em baixo)

E no que respeita a um desfecho negociado na guerra da Ucrânia, Moscovo já fez saber que mantém sólida a sua posição inicial que é de concluir os objectivos definidos para a sua operação militar especial, como o Presidente Putin a definiu.

Ou seja, a Rússia está disponível para negociar mas se for depois de ser dado como adquirido em Kiev que as regiões anexadas até agora, a Crimeia em 2014, e Kherson, Zaporijia, LUgansk e Donetsk, em 2022, são efectivamente parte da Federação Russa - fica sem se saber o que admite então Moscovo negociar - enquanto Kiev mantém firme a posição de que só á espaço para negociar após a saída do último militar russo de todo o seu território - deixando também em saliência o que admitem os ucranianos negociar -, sendo que para um e outro lado há questões em aberto, como a entrada ou não da Ucrânia na NATO, a sua neutralidade, o seu desarmamento, etc.

No entanto, ainda entre as acusações do ministro russo da Defesa, consta que "os americanos insistem em infligir uma derrota estratégica à Rússia", demonstrando a sua "política criminosa" de procurar manter sempre a China sob ameaça" com o objectivo de "não perder a sua hegemonia global" que só serve os seus interesses.

Estas palavras de Shoigu foram proferidas perante os seus homólogos dos países que integram a SCO, além da Rússia, a China, a Índia, Cazaquistão, Paquistão, Quirguistão, Tajiquistão, e o Uzbequistão.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.