A explosão que fez saltar a linha férrea em Bryansk, uma cidade a cerca de 380 kms a sudoeste de Moscovo, facto noticiado pelos media russos e confirmada pelo Governador desta região, não é um caso isolado, porque emerge de um contexto em que as unidades especiais das forças ucranianas têm repetido ataques com drones às infra-estruturas essenciais na Crimeia, como depósitos de combustível, que no Domingo deixou uma espessa nuvem de fumo sobre a península, ou as explosões dentro da base naval de Sebastopol, onde está atracada a frota russa do Mar Negro.

Se estas explosões são ou não os primeiros sinais de que a esperada e repetidamente anunciada contra-ofensiva ucraniana está em marcha, ainda é cedo para dar como certo, mas, segundo alguns analistas, como o major general Agostinho Costa, na CNN Portugal, a resposta é afirmativa, são efectivamente sinais de que algo está a acontecer na linha da frente.

Mas se assim for, então, este avanço ucraniano sobre as linhas russas, aparece com uma moldura substancialmente distinta das ofensivas de Outubro e Novembro do ano passado, quando as unidades de Kiev fizeram os russos recuar na região de Kharkiv, e deixaram os comandos russos a pensar que seria melhor sair de Kherson, para a margem esquerda do Rio Dniepre, face ao avanço das forças de Kiev.

Ou seja, se naquela altura, o contra-ataque surgiu de forma inesperada, apanhando os russos da região de Kharkiv "a dormir", agora a fórmula parece ser substancialmente diferente, e passa por falar demasiado na linha da frente, atacando por detrás, para criar confusão nas hostes de Moscovo e, depois, efectuar raides oportunistas nas zonas eventualmente menos protegidas das fortificações russas.

De uma forma ou de outra, esta contra-ofensiva tem tudo para se revelar uma chacina de ambos os lados, mas, provavelmente, como determinam os registos históricos, em maior proporção do lado ucraniano, porque quem ataca tem sempre mais perdas e os seus atacantes vão dar de caras com perto de 800 kms de fortificações cuidadosamente erguidas, apoiadas por milhares de peças de artilharia e carros de combate, dos mais velhos T-62 requalificados aos de última geração, T-14 Armata, posicionados em pontos estratégicos de tiro, além de uma retaguarda flamejada de aviões de guerra às centenas e com mais de 400 mil homens posicionados nas trincheiras e casamatas, em pelo menos três linhas espaçadas de defesa.

Quando e como vai suceder esta batalha, que ninguém pode garantir que vai suceder, até porque avolumam-se as notícias de repetidos ataques com mísseis de longo alcance à infra-estrutura da logística militar ucraniana por todo o país, especialmente a um gigantesco centro logístico em Pavlograd, no centro do país.

Há ainda indicações de que outros hubs logísticos essenciais para a contra-ofensiva foram fortemente visados pelas dezenas de misseis enviados do Mar Cáspio, do Mar Negro e da Bielorrússia.

Porém, se vier a ocorrer, como se espera, pode muito bem ser comparada em mortes e violência às mais duras da II Guerra Mundial, não se sabe ao certo, mas sabe-se que o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, em Kiev, está claramente pressionado para fazer avançar as suas forças, como é claro nas recentes palavras do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, que veio a público dizer que os aliados ocidentais já entregaram 98% do armamento prometido aos ucranianos, desde logo mais de 230 carros de combate, mais de mil blindados e milhões de munições, e a contra-ofensiva só não avança se Kiev não quiser.

Estas palavras foram recebidas pelos analistas de duas formas distintas, ou se trata de uma posição forçada pelos aliados europeus que já estão cansados desta guerra é querem ver o seu fim rapidamente, com ou sem uma vitória clara de Kiev, ou porque as chefias de topo da NATO que fornecessem apoio ao comando ucraniano entendem que os russos estão fragilizados e este é o momento de atacar.

Essa percepção ocidental de uma alegada fragilidade russa, muito difundida pelos media ocidentais e os seus comentadores mais enfileirados no guião norte-americano, que mantém como objectivo "castigar os russos com uma derrota estratégica", pode estar a ser acomodada pelas palavras do líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, que praticamente de dois em dois dias vem a público falar de alegadas falhas clamorosas da logística russa, da falta de munições na linha da frente, da desorganização do comando russo, ameaçando abandonar a frente de batalha de Bakhmut com os seus homens, considerados mercenários no ocidente, mas que são, na perspectiva de Moscovo, uma unidade especial das forças regulares russas.

Ninguém pode dizer se as palavras de Prigozhin correspondem à verdade ou se se trata de uma manobra de deceção, que visa atrair as forças ucranianas para a frente de Bakhmut, onde ali poderão aniquilar mais unidades ucranianas encantadas pela ideia errada de uma vitória fácil face à desorganização russa.

Pode ainda ser uma manobra de criação de falsas percepções para que os ucranianos avancem mesmo com a contra-ofensiva exigida pelo chefe da NATO, porque as forças russas, agora chefiadas pelo CEMGFA Valery Gerasimov, um experimentado e respeitado comandante, no terreno, estiveram largos meses a preparar as suas unidades para este momento e sabem que podem facilmente derrotar os ucranianos, além de destruírem milhares de peças de armamento ocidental fornecido pelos países da NATO

Moscovo pode ter interesse nesta contra-ofensiva porque é já de aceitação quase generalizada que esta guerra vai terminar à mesa das negociações, e se os russos conseguirem levar Kiev para a frente negocial fragilizados, mais facilmente poderão impor a sua vontade.

Há, no entanto, a possibilidade de do lado ucraniano, robustecido com os novos "tanques" Leopard I e II, alemães, os Chalenger 2 britânicos, ou os novos sistemas de defesa antiaérea Patriot e NASAMS ou IRIS T, além das centenas de novas peças de artilharia e respectivas munições, terem exactamente a mesma convicção, a de que podem infligir uma derrota aos russos, levando-os a "coxear" para a mesa das negociações, onde isso lhes proporcionará reaver os seus territórios ocupados, todos ou numa grande parte, pelo menos.

Recorde-se ainda que tanto em Washington como no quartel-general da NATO, evitar um sucesso diplomático da China na resolução deste conflito na Europa é tão ou mais importante que o sucesso ucraniano na frente de batalha, porque, ao assumir uma posição importante na procura de uma saída, depois do Presidente XI Jinping ter telefonado a Zelensky na semana passada, Pequim entre definitivamente na frente que busca uma solução política.

Sendo a China, assumidamente, o adversário estratégico dos EUA "number one", e depois de Pequim ter tido um ruidoso sucesso na aproximação entre o Irão e a Arábia Saudita, o que parecia impossível ainda há meses, com as coisas bem encaminhadas entre a Síria e a Turquia, e a Síria e os sauditas, graças ao esforço conjunto de chineses e russos, os norte-americanos não se podem permitir deixar o gigante asiático obter mais um estrondoso sucesso em solo europeu...

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.