Vai a Alemanha, a Itália e os Países Baixos, a República Checa ou ainda a Polónia... aceitar pagar o gás russo, que é perto de 55% de todo o gás consumido anualmente na União Europeia, na moeda nacional russa, o Rublo, como exige o Presidente Putin? Não.
Para já, a respostada da Alemanha, o maior consumidor e a maior economia europeia, foi taxativa, tendo o chanceler Olaf Scholz dito que se os contratos estão em euros ou em dólares, é nessas moedas que vão continuar a ser feitos os pagamentos, quer Moscovo queira, quer não.
Os efeitos desta resposta europeia ao Presidente russo ainda não são conhecidos, mas sabe-se que Vladimir Putin, quando disse que 31 de Março era o último dia de fornecimento de gás em moedas que não o Rublo, também explicou que o argumento de que os contratos são antigos e estão em euros, também há contratos referentes às contas russas no exterior e estas foram congeladas sem apelo nem agravo no âmbito das sanções aplicadas ao país como punição pela invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro.
Os analistas, na generalidade expectantes para ver o que sucede de facto, visto que esta sexta-feira, 01 de Abril, é o primeiro dia do fim do prazo dado pelo senhor do Kremlin, admitem que este braço de ferro poderá ter um desfecho que satisfaça ambos os lados, porque, mesmo não sendo evidente qual, para já, é certo que se a Europa ainda depende do gás russo, a Rússia também depende, e muito, dos perto de 600 milhões de euros que diariamente recebe dos seus clientes europeus do gás natural.
Uma eventual solução seria, segundo informou o portal russo Sputniknews, citando o Think-thank do Instituto para a Energia e Finanças com sede em Moscovo, o decreto de Putin deixa em aberto a possibilidade de não haver uma disrupção no processo das sanções face aos contratos existentes, propondo aos clientes da Gazprom, o gigante do gás russo, estatal, fazendo os pagamentos através do GazpromBank, que receberia os euros, trocando-os por rublos, em Moscovo, depositando-os em contas locais em rublos. Ver-se-á se esta possibilidade vai ser encarada pelos países europeus como válida.
Mas há uma certeza que é assumida por todos os analistas e economistas: se a Rússia fechar mesmo a torneira e a Alemanha e os restantes países europeus accionarem os planos de emergência já definidos para esse momento, que passa, essencialmente, por priorizar as unidades de saúde e segurança, depois as famílias e só depois as empresas, milhares de empregos vão ser perdidos, muitas indústrias vitais para a economia global vão parar, os efeitos serão globais e a insegurança alimentar no mundo vai atingir níveis assustadores...
O pior cenário parece ser também o mais provável porque, a meio da manhã do primeiro dia do novo formato da venda de gás russo, nenhuma das partes parecia estar disponível para ceder.
Com esta "jogada", a Rússia quer, segundo especialistas ouvidos pelos media internacionais, contornar as sanções a que está sujeita, porque, para obterem rublos, os países europeus terão de abrir contas nos bancos russos, o que as sanções impedem, e ou vender bens à Rússia e receber em rublos, com os quais, depois, pagariam o gás, tudo em contramão com os objectivos implícitos no pacote de sanções aplicado a Moscovo.
A saída para este braço-de-ferro pode, todavia, ser uma opção radical dos europeus em passar por um longo período de restrições e racionamento de gás, enquanto do Médio Oriente, de África, possivelmente também de Angola, e dos Estados Unidos, não chegam fornecimentos
Na sua passagem pela Europa, há pouco mais se uma semana, o Presidente dos EUA, Joe Biden, assinou um contrato para fornecer 15 mil milhões de metros3 à União Europeia, o que, parecendo muito, é apenas uma pequena percentagem do gás consumido na Europa, que ronda - valores de 2020 - os 400 mil milhões de metros3/ano.
Novas negociações em curso, as dificuldades são as de sempre
Entretanto, depois de um promissor encontro presencial na Turquia, sob os auspícios do Presidente Recep Erdogan, na terça e quarta-feira, as delegações voltam hoje a encontrar-se, mas por videoconferência, de forma a acertar pormenores sobre o que ficou mais ou menos acertado.
Em cima da mesa vai estar a retirada substancial das forças russas da região de Kiev, o que já se está a verificar no terreno, como confirmaram países ocidentais, ou limar arestas do formato como a Ucrânia vai substanciar o seu estatuto de país neutral, entre outras cedências de um e de outro lado... nomeadamente a não adesão à NATO.
Com os efeitos colaterais a espalharem-se por todo o mundo, desde o aumento recorde do preços dos combustíveis e dos bens alimentares, que já está a levar a protestos nas ruas dos países europeus como já não se via há muitos anos, a inflação galopantes, com os EUA a sentirem pesadamente este "estilhaço" da guerra, ou o aflitivo aumento da insegurança alimentar no mundo menos desenvolvido, como o continente africano, especialmente devido à saída dos cereais ucranianos e russos dos mercados, que são os maiores produtores do mundo, e o celeiro onde se abastecem os países mais pobres, a pressão aumenta sobre ambas as partes de forma a chegarem a um acorde célere que permita um cessar-fogo.
Um acordo de paz só será possível quando os Presidentes ucraniano, Volodimir Zelensky, e russo, Vladimir Putin, disserem que estão reunidas as condições para que sejam dados passos decisivos para acabar com a guerra, embora as condições, pelo que se ouve de um e de outro lado, pareçam estar ainda mito longe de ser as mínimas para o efeito, desde logo a recusa liminar de cedência territorial de Kiev, e a recusa igualmente sólida de Moscovo de levar a questão da Crimeia, anexada em 2014 após referendo, e das repúblicas do Donbass, Donetsk e Lugansk, reconhecidas pelo Kremlin dias antes do início da guerra.
Mas há outras questões relevantes que permanecem no limbo negocial, como a questão da língua russa, que foi ilegalizada recentemente, do lado de Moscovo, ou a exigência de Kiev de ter garantias externas de segurança na perspectiva de um acordo negociado de paz.
Zelensky não cede "nada" à Rússia
O problema pode vir a durar porque o Presidente ucraniano, depois de ter estado ao telefone com o Presidente dos EUA, e do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, veio colocar água fria no calor do optimismo negocial.
Zelensky disse, num novo vídeo divulgados nas redes sociais, que não acredita nas frases bonitas da Rússia, a propósito da promessa de Moscovo de começar a retirar forças dos arredores de Kiev.
O Presidente ucraniano disse mesmo que as suas forças estão prontas para continuarem a combater os russos no leste, depois de o porta-voz da Defesa russa ter anunciado e o grossos das colunas militares do norte iriam ser deslocadas para o Donbass, no leste, onde a Rússia está a apoiar as forças locais das repúblicas de Donetsk e Lugansk, apenas reconhecidas, antes da guerra, pela Rússia.
"Não acredito nem numa palavra ou frase bonita dos russo", disse, assegurando que vai lutar por cada centímetro do território, o que, se for cumprido, vai levar à eternização desta guerra, porque Moscovo já fez saber que a Península da Crimeia, anexada em 2014, depois de um referendo popular, e as repúblicas do Donbass, não são matéria de negociação.
Tanto o Governo de KIev como os governos ocidentais, desde logo o britânico e norte-americano, têm, nas últimas horas, deixado dúvidas sérias sobre o cumprimento das promessas russas de retirada de forças no norte para as reposcionar no leste, ao mesmo tempo que são noticiados nos media ocidentais um cada vez maior número de episódios de problemas no seio das forças russas, incluindo recusas dos militares em cumprir as ordens dos comandantes e um crescente número de baixas nas fileiras do Exército de Moscovo.
Entretanto, no terreno...
Continua a deslocação das forças russas para o Donbass, onde há largos anos, desde 2014, o grosso das forças ucranianas, e as mais bem preparadas e equipadas, lutam para recuperar as áreas sob controlo de forças pró-russas, hoje das repúblicas populares de Lugansk e Donetsk, adivinhando-se que esta será, nas próximas semanas, a mais renhida frente de batalha desta guerra que já vai em 37 dias.
Os analistas perspectivam que depois de controlada a cidade de Mariupol, onde resistia até agora o famigerado Batalhão de Azov, de cariz neo-fascista e neo-nazi, aberto que está, assim, um corredor de costa no Mar de Azov, entre o Donbass e a Crimeia, as forças russas planeiam agora cercar as ucranianas que mantêm sob pressão as repúblicas populares do leste ucraniano, como, alias, o Pantagono norte-americano já veio evidenciar.
Quando voltou a suceder uma incursão aérea ucraniana em território russo, com dois helicópteros a entrar 80 kms, até à cidade de Belgorod, para incendiar um grande depósito de combustível, as forças russas divulgaram o abate de dois helicópteros ucranianos MI-8, os maiores do mundo, que tinham sido enviados para Mariupol de forma a tentar retirar as chefias do Batalhão Azov. Nâo foi divulgado se o abate destes aparelhos ocorreu antes ou depois de embarcarem.
Foi ainda notícia nas últimas horas que o Presidente ucraniano anunciou a demissão de dois generais por violação do juramento militar de lealdade, com base no estatuto disciplinar das Forças Armadas da Ucrânia, deixando no ar a ideia de que estes generais terão traído o país, embora não tenham sido avançados pormenores.
Além fronteiras
A União Europeia (UE) e a China reúnem-se hoje numa cimeira por videoconferência que será dominada pelo conflito na Ucrânia e na qual o bloco comunitário exortará a esforços chineses para acabar com as hostilidades russas no país vizinho e, ao mesmo tempo, procurar garantir que Pequim não se encolve no conflito através do apoio a Moscovo com material militar ou mesmo logístico.
Isto, depois de a China ter reafirmado a sua ligação privilegiada à Rússia durante a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, à China, onde esteve reunido com o seu homólogo Wang Yi, tendo ambos acordado que urge criar "uma nova ordem mundial mais justa e multipolar" para substituir a actual, dominada pelos países ocidentais, especialmente os EUA, e as suas organizações, como a ONU, o FMI e o Banco Mundial, fazendo valor o facto de o "outro" mundo, ao qual Pequim e Moscovo pretendem agregar, e, aparentemente, com sucesso, a Índia, onde está, por estes dias, de visita Sergei Lavrov.
Entretanto, cerca de 83% dos russos aprova a ação militar de Vladimir Putin, um ganho de 12 pontos face a Fevereiro, segundo um inquérito divulgado pelo instituto russo independente Levada, a primeira sondagem realizada desde o início da guerra.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.