Para já, certo e garantido, antes de chegar o momento de Zelensky e Putin se sentarem à mesa, e depois de na semana passada os seus ministros dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, da Rússia, e Dmytro Keleba, ucraniano, terem estado a conversar na Turquia, onde, apesar de não ter sido divulgado à imprensa, terá sido desenhado um mapa sólido com os caminhos para uma solução para esta tragédia na Europa, as delegações dos dois Governos que já tinham estado, por três vezes, juntas na Bielorrússia, voltaram hoje a conversar por videoconferência, logo de manhã cedo.

Horas antes do anúncio da retoma das negociações, o Presidente ucraniano, como tem feito até aqui, segundo alguns analistas, de forma a não parecer excessivamente disponível, voltou a criticar a NATO por não ter cedido ao seu pedido de criar uma zona de exclusão aérea nos céus da Ucrânia, de forma a estancar a sucessão de ataques russos, seja com a aviação, seja através de misseis de cruzeiro e balísticos, com os quais as forças russas estão a destruir todas as infra-estruturas militares ucranianas, não deixando operacional nenhum dos locais com capacidade de operar aeronaves do país.

Ao 19º dia de guerra, que teve início a 24 de Fevereiro, com o avanço das colunas militares russas sobre o território ucraniano, as unidades de blindados de Moscovo estão já a cercar as principais cidades da Ucrânia, com Kiev, a capital, Kharkiv, no leste, e a segunda maior cidade do país, e Mariupol, no sul, junto ao Mar de Azov, praticamente sujeitas a um cerco impenetrável, com o avolumar da precariedade da vida das populações que ainda não saíram aproveitando, à excepção de Mariupol, os corredores humanitários para o efeito.

Em Mariupol, que pode, segundo alguns analistas, revelar-se um dos problemas de maior dificuldade na mesa das negociações, as forças russas não estão a facilitar a vida aos milhares de homens que integram o famoso Batalhão de Azov, de raízes nazi-fascistas, uma milícia integrada nas Forças Armadas ucranianas, que Moscovo deve querer aniquilar devido ao rasto de terror deixado nas agora independentes (apenas a Rússia as reconhece como tal) repúblicas do Donetsk e Lugansk, zona do Donbass, onde este grupo é responsável por milhares de mortes entre civis.

Entretanto, nas imediações de Kiev, as forças russas deslocaram as unidades que integravam a já famosa coluna de 64 kms que estava a norte da cidade há semanas, para áreas mais próximas do centro da capital, estado a avançar lentamente e, pelo caminho, a tomar pequenas localidades consideradas estratégicas para o assalto final a Kiev, que, ao que todo indica, só um sucesso claro na mesa das negociações poderá travar, embora os analistas admitam que se Putin der essa passo, de assalto à capital, esta guerra entrará numa fase mais melindrosa devido ao muito elevado número de baixas que sairão de um lado e do outro, o que provocará ódios que não serão fáceis de ultrapassar durante muitos anos.

Entretanto, no campo da desinformação, ambos os lados das barricadas investem fortemente para desacreditar o opositor, com alguns golpes baixos, como sejam as dezenas de vídeos e fotos dispersas pelos media ocidentais de ataques com elevado sucesso das forças ucranianas às colunas russas que, depois, se descobre serem imagens de outros conflitos, da Líbia à Síria ou ainda no conflito israelo-palestiniano, entre outros.

E no campo da outra guerra paralela à militar, a económica, o mundo começa já a dar conta de que o impacto do avanço dos carros de combate tem efeito também na segurança alimentar, com os cereais ou os fertilizantes a dispararem nos mercados, porque Rússia e Ucrânia são, de longe, os maiores produtores mundiais e já deram ordens para parar as exportações, ou ainda nos combustíveis, com os preços a reflectirem o aumento gigantesco do barril de crude nos mercados, que está na casa dos 110 USD, no Brent, que serve de referência à Angola, mas que já andou pelos 130 na passada semana.

OU seja, quando esta guerra se aproxima do seu 20º dia, os efeitos colaterais começam a espalhar-se pelo mundo, sendo que África é uma dos continentes onde se espera que o desastre seja maior, porque o aumento dos cereais e dos fertilizantes vai criar disrupções devastadoras na segurança alimentar muito em breve.

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 60%.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

Milhares de mortos e feridos e mais de 3 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.