O relatório refere que em pelo menos 19 ocasiões, as tropas de Kiev instalaram bases militares em zonas residenciais - incluindo em escolas e hospitais - nas regiões de Donetsk, Kharkiv e Mykolaiv, com o objectivo de atacar as forças invasoras a partir dessas instalações, tornando os locais alvos militares para os russos.
Os investigadores da Amnistia Internacional entrevistaram vários cidadãos locais que sobreviveram aos ataques russos, com vários a questionar a opção do Governo: "Não percebo porque é que os nossos militares estão a disparar a partir de cidades e não dos campos"(...) "Os militares ficaram numa casa próxima da minha e o meu filho levava-lhes comida frequentemente. Quando aconteceu o ataque, ele estava no jardim da nossa casa e foi morto de imediato" (...) "Não tomamos decisões pelas forças armadas, mas pagamos o preço", são alguns dos muitos testemunhos citados no relatório.
Os investigadores encontraram provas de ataques lançados pela Ucrânia a partir de zonas repletas de civis, refere o documento.
"Estar numa posição defensiva não isenta os militares ucranianos de respeitar a lei humanitária internacional", afirmou Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional, em comunicado, onde acrescenta que "estas violações não justificam de maneira alguma os ataques indiscriminados da Rússia, que têm matado e ferido muitos civis".
Todas as provas recolhidas no terreno serão agora enviadas para o Tribunal Penal Internacional (TIP), à semelhança do que tem acontecido nas investigações dos crimes de guerra russos.
O Governo de Kiev já reagiu a este relatório, com Mykhailo Podolyak, conselheiro de Zelensky, a acusar a Amnistia Internacional de contribuir para a campanha de desinformação e propaganda russa, com o objectivo de desacreditar o exército ucraniano, e Dmytro Kuleba, ministro dos Negócios Estrangeiros, a considerar este documento "injusto".
No entanto, nenhum dos governantes comentou os relatos concretos de cidadãos ouvidos no terreno, nem as provas documentadas pelos investigadores da Amnistia Internacional.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.