Na quinta-feira, o Secretário-Geral da ONU chega à capital ucraniana, Kiev, para a última etapa do seu "tour" diplomático que o levou primeiro a Ancara, Turquia, e depois a Moscovo, com um objectivo em mente: ajudar a acabar com a guerra na Ucrânia. Isso não vai acontecer de imediato, mas António Guterres sabe, como político experimentado que é, que mesmo a mais longa caminhada, começa num primeiro passo. E esse está a ser dado...

Depois de um longo dia em Moscovo, onde esteve à mesa com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, por quem passará sempre, seja qual for, o desfecho desta guerra, e depois com o Presidente Vladimir Putin, de quem ouviu promessas de acrescentar a ONU e a Cruz Vermelha Internacional num grupo especial onde estarão ainda ucranianos e russos para manter abertos, com sucesso, corredores humanitários para tirar civis dos campos de batalha, o que, se em Kiev conseguir que o Presidente Volodymyr Zelensky apoie essa ideia, ser o seu primeiro sucesso desta empreitada diplomática.

Se tal vier a suceder, a situação na cidade portuária de Mariupol, onde mais de 2.500 combatentes do neo-nazi Batalhão Azov, estão entrincheirados, em conjunto com centenas de civis, nos subterrâneos da metalúrgica Azovstal, será a primeira a poder contar com esses bons ofícios do chefe das Nações Unidas, mas, primeiro, há que lidar com a exigência do Presidente russo, que é a parte ucraniana obrigar os combatentes daquele famigerado batalhão a deixarem os civis sair dos tuneis onde os mantêm encurralados para servirem de escudos humanos, como sucedeu com os radicais islâmicos do estão islâmico, na Síria.

Apesar de Putin não ter avançado quaisquer evidência de que os militares que se escondem nos subterrâneos da Azovstal estão a usar civis para se protegerem e obrigarem as forças russas, que os cercam há semanas, a não entrarem ou usarem cargas explosivas de grande capacidade para evitar a morte de civis, esta questão também não pode ser negada porque nas últimas horas, o Kremlin anunciou a abertura de corredores, retirando as suas forças para uma distância alargada, de forma a que os civis, na sua maioria mulheres e crianças, pudessem sair na direcção que entenderem. E isso não sucedeu, tendo Kiev acusado os russos de obstruir a sua saída.

Agora, depois de aterrar em Kiev, na quinta-feira, com uma agenda em tudo semelhante à que seguiu em Moscovo, terá um primeiro encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmitri Kuleba, e, depois com o Presidente Zelensky, num encontro que tem tudo para permitir avanços em ponos cirúrgicos mas que os analistas admitem poder ser tenso, porque o líder ucraniano teceu duras críticas ao Secretário-Geral da ONU por este ter optado por ir primeiro a Moscovo e só depois a Kiev.

A economia na guerra...

O problema mais sério que António Guterres enfrenta neste seu périplo diplomático é que tanto os Estados Unidos da América como os seus aliados europeus, australianos e japoneses, entre outros, do denominado "ocidente", estão claramente empenhados em prolongar a guerra na Ucrânia com o objectivo específico e já admitido publicamente de fragilizar militarmente a Rússia e deixá-la de rastos economicamente, numa estratégia que se assemelha ao que foi feito em muitos países africanos durante a Guerra Fria, nas décadas de 1970 e 1980, onde os EUA e a então URSS se combatiam através de terceiros que equipavam militarmente, como foi disso o caso de Angola...

Disse-o claramente o Secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, disse-o ainda a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, e disse-o o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, entre outros, com todos eles a defenderem o envio de mais e mais material militar para as forças ucranianas estenderem este conflito até que estes objectivos, esmagar económica e militarmente Moscovo, estejam alcançados... seja pela via do confronto militar directo, seja pelo avolumar das consequências das sanções aplicadas à Rússia desde que começou a invasão à Ucrânia, há 63 dias, a 24 de Fevereiro.

Uma das forças motrizes deste plano ocidental para "esmagar" a Rússia é acabar com as importações europeias do gás e do petróleo russos, que permite a Moscovo receber, diariamente, perto de 800 milhões de euros, mas que a maior parte dos países da União Europeia não pode fazê-lo de um dia para o outro devido à larga dependência das suas economias destas matérias-primas "Made in Rússia", como é o caso da Alemanha, da Áustria, Itália, dos Países Baixos, etc.

E, pelo meio, outro obstáculo foi levantado, desta feita por Moscovo, que, através de um decreto Presidencial, obrigou os importadores europeus a pagarem o crude e o gás em moeda nacional russa, gerando um sério problema, porque se o fizerem, se aceitarem pagar em rublos, estarão a contornar as sanções aplicadas à Rússia pela União Europeia...

Para facilitar a vida a estes países com a corda na garganta, Moscovo abriu uma brecha para o possibilitar, que é os importadores depositarem a verba correspondente no Gazprombank, um banco privado russo, com sede em Moscovo, e ali ser feita a conversaão em rublos com os quais serão pagas as cargas de gás e petróleo exportadas...

Esta situação criou uma discussão acesa na União Europeia, com alguns países a admitirem ir aceitar as imposições de Moscovo, mas outros a negar fazê-lo categoricamente, como a Polónia, Bulgária e Eslováquia - o que levou já a um aumento de mais de 20% no preço ao consumidor final -, alegando que isso iria contra as sanções impostas por Bruxelas. Mas o que os analistas entendem como mais certo é que estes três países, que são os mais belicistas anti-Rússia, mesmo sofrendo, inicialmente, as consequências, pretendem é levar a União Europeia a uma tomada de posição radical, semelhante à dos EUA, que há mais de um mês optaram por cortar todas as importações de gás e de crude da Federação Russa.

O problema é que os EUA são produtores com largos excedentes de gás e petróleo, e, por isso, o corte das importações da Rússia em nada altera a sua economia, sendo que se a União Europeia fizer o mesmo, coloca a sua economia, de uma maneira geral, em risco de colapso, excepto se conseguir encontrar fornecimento alternativo, como é o caso dos Estados Unidos, embora o seu gás seja substancialmente mais caro, três a quatro vezes, segundo especialistas.

Importar estas matérias-primas dos EUA também apresenta riscos para a Europa porque, no futuro, se ocorrer uma crise, o transporte das cargas por navio poder ser interrompida de um dia para o outro...

E isso deixaria a Europa com uma dependência dos Estados Unidos semelhante à que tem actualmente da Rússia, com uma agravante: a Rússia, uma economia dependente do sector exportador de recursos naturais, mesmo em caso de crise, não pode dispensar, como ocorre hoje, estas exportações, enquanto os EUA, uma economia mais robusta, a mais robusta do mundo, pode dispensar por largo tempo essas verbas.

Também interessante de seguir vai ser o que vai suceder com estes três países europeus - Bulgária, Polónia e Eslováquia, podendo ser mais nas próximas horas - que se recusam a aceitar pagar o gás russo em rublos, porque o prazo definido por Moscovo para que esses pagamentos sejam efectuados termina nesta quarta-feira, 27.

A resposta da União Europeia já foi enviada por Ursula von der Leyen para Moscovo, dizendo esta que a Rússia está a fazer "chantagem com os países europeus", notando que a prova disso é o anúncio da Gazprom, o gigante estatal russo da energia, de que vai interromper o fornecimento de gás à Polónia e à Bulgária de imediato, o que é "inaceitável e injustificado".

Ursula Leyen disse ainda, citada pelo media europeus, que o bloco está preparado para este cenário, apesar de muitos especialistas pensarem o contrário, que a União Europeia poderá entrar numa severa crise, com perda de centenas de milhares de empregos e uma inflação galopante, reduzindo de forma significativa o seu crescimento económico, se se vir sem o gás e o petróleo russos. Um desses exemplos de temor por esse cenário ser possível veio do patrão das confederações industriais alemãs, que já avisou que o risco é gigantesco e que as consequências serão devastadoras para o país que é o motor da economia europeia.

Entretanto, na frente de combate

Nas últimas horas ocorreu um episódio cuja importância no mapa deste conflito ainda não é totalmente claro, com várias explosões sentidas na Transnistria, uma faixa de território na Moldova, com perto de 500 mil habitantes, com fronteira com a Ucrânia, a sul, e que é um auto-proclamada república pró-russa, ocupada por tropas de Moscovo desde o colapso da União Soviética, em 1991.

Os analistas admitem que se trate de uma manobra artificial para levar a Rússia a reclamar esta "república" para o seu universo de influência ou justificar o avanço das suas forças para esta área no sul da Ucrânia. Mas pode igualmente ser o início de uma revolta interna para exigência políticas de natureza ainda desconhecida.

Na frente de batalha, as forças russas continuam a reforçar a sua estrutura ao longo da extensa linha da frente, perto de 500 quilómetros, com os reforços vindos da região de Kiev, que ocuparam no início da guerra, e com reforços provenientes da Rússia, estando, segundo alguns analistas, mais de 150 mil homens fortemente apoiados por meios aéreos e terrestres.

Do outro lado, estão perto de 90 mil ucranianos, as melhor preparadas e melhor equipadas unidades de combate leais a Kiev, que estão a receber de forma quase ininterrupta, excepto quando os russos conseguem destruir os carregamentos de armamento, nomeadamente misseis Stinger e Javelin, Made in USA, mas também artilharia de diversos calibres, oriundos do oeste da Ucrânia, que chegam ao país pelas fronteiras da Polónia e da Eslováquia, na sua maioria por caminho-de-ferro, cuja teia de nós e estações e pontes estão a ser meticulosamente destruídos por misseis de precisão de médio-alcance russos.

Para já ainda não começou a ofensiva russa terrestre, estando as forças de Moscovo a apostar essencialmente, apesar de pequenos avanços de aldeia em aldeia, nos disparos de artilharia e ataques com misseis de precisão nos objectivos militares ucranianos, visando especialmente as suas defesas anti-aéreas e os depósitos de armamento chegado dos países da NATO.

Os especialistas militares chamam a atenção para o facto de os ucranianos terem criado condições de defesa sólidas ao longo dos últimos anos, tratando-se como se trata de unidades de combate veteranas que estão a combater as milícias independentistas de Donetsk e Lugansk, nma guerra de baixa intensidade que já dura há oito anos e já fez mais de 14 mil mortos entre as populações locais maioritariamente russófilas.

O que quer dizer que a ofensiva terrestre russa só deverá começar quando as suas chefias militares entenderem que os bombardeamentos já danificaram estas defesas quanto baste para reduzir os riscos da infantaria que tem de avançar no terreno disputado palmo a palmo, como sucedeu na II Guerra Mundial, prevendo-se inúmeras baixas de um e do outro lado...

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.