A batalha do Donbass já começou há 24 horas, com os ministérios da Defesa da Ucrânia e da Rússia a fazerem, em espaços de horas, sínteses dos avanços e recuos, apontando sucessos e escondendo as derrotas episódicas, mas nada do que dizem está a ser verificado no terreno por jornalistas independentes, mostrando, mais uma vez, que a verdade nem sempre é a primeira vítima das guerras, por vezes nem sequer chega à linha da frente, como é o caso, onde os media ocidentais estão empenhadamente a servir de correia de transmissão do lado ucraniano e os media russos, a cumprir papel idêntico do outro lado da barricada.

O avanço das forças concentradas da Rússia, com mais de 140 mil homens, estimam os analistas, com forte apoio aéreo e terrestre, primeiro com ataques de artilharia pesada e misseis, sobre as unidades ucranianas, perto de 60 mil homens, os melhor preparados e equipados das forças leais a Kiev, que estão na região desde 2014, enfrentando as milícias das repúblicas do Donbass, Donetsk e de Lugansk, apoiadas por Moscovo, aconteceu na madrugada de segunda-feira para terça-feira, estabelecendo uma nossa e, presumivelmente, definitiva fase desta guerra.

Mas os russos estão a debater-se com uma inesperada resistência onde, a esta altura, teriam pensado que já não existiria, concentrada nos labirintos subterrâneos, com quilómetros de extensão, nas instalações da metalúrgica Azovstal, em Mariupol, onde, depois de semanas de devastadores confrontos que reduziram a cidade a escombros, os últimos combatentes do Batalhão Azov, formado por aguerridos neo-fascistas ucranianos e mercenários estrangeiros extremistas, se refugiaram e teimam em não se renderem, mesmo não tendo por onde sair e com o seu comandante a admitir, numa publicação nas redes sociais, que "provavelmente estão a viver os seus últimos dias".

O comando militar russo deu, por duas vezes, em 48 horas, oportunidade, na forma de ultimato, a estes resistentes, perto de 1500 militares do Batalhão Azov, segundo algumas fontes, e perto de mil civis, que não se sabe se são escudos humanos impossibilitados de sair ou combatentes voluntários, embora com eles estejam dezenas, ou mesmo centenas, de familiares, obtendo apenas uma dupla confirmação de recusa em deporem as armas.

Já hoje, quarta-feira, 20, as forças russas voltaram a tentar limpar o terreno sem uso de armas, mesmo que nas últimas horas estejam a usar praticamente tudo o que têm no seu arsenal convencional, inclusive as superbombas, denominadas FOAB, com 7.100 kg de explosivos de alta intensidade, as mais poderosas fora das opções nucleares, anunciado um cessar-fogo limitado à área da Azovstal, de forma a permitir que os civis, e militares desarmados, possam sair se quiserem e puderem.

Há notícias não confirmadas de que dezenas de civis já conseguiram deixar o local nas últimas horas mas o grosso das forças do Batalhão Azov remanescente ali permanece entrincheirado com Moscovo a acusar o Governo de KIev de estar a impedir a rendição destes militares para ganhar tempo, mesmo que isso signifique a sua eliminação física nas próximas horas.

Esta tomada da Mariupol é de grande importância para a estratégia russa, pelo menos no entender de alguns especialistas militares citados pelos media ocidentais, como o major-general Agostinho Costa, vice-presidente do EuroDefense Portugal, na CNN Portugal, que defende que Mariupol é fundamental para que as unidades russas ocupem integralmente o corredor entre a Península da Crimeia, anexada em 2014 por Moscovo, após referendo, e o Donbass, e, com isso, tenham território livre para tentarem fechar o cerco às unidades ucranianas nas imediações de Donetsk e Lugansk.

Alguns destes analistas admitem, todavia, que esta batalha do Donbass, vai ser mais dura que o previsto pelos estrategas russos, porque essas forças ucranianas tiveram muito tempo para prepararem o terreno, não apenas com a escavação de fortificações robustas mas também através de uma colocação táctica de milhares de minas anti-carro que vão retardar bastante o avanço das unidades blindadas russas.

Apesar de a Rússia estar a destruir intensamente as linhas de transporte de material de guerra mais pesado, como os blindados e artilharia pesada, que precisa de caminhos-de-ferro para chegar à frente de combate, através de misseis de precisão, Kalibr e Iskander, e ataques aéreos com caças Su-35 e MIg-29 (na foto) e Helicópteros, especialmente os KA-52, uma parte substantiva deste apoio militar oriundos dos países da NATO, tanto da Europa ocidental como dos Estados Unidos, está a chegar e isso vai permitir enfrentar as forças russas com maior eficácia e prolongar esta guerra por tempo que alguns analistas temem ser quase ilimitado.

Zelensky quer ganhar a guerra...

O próprio Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse na terça-feira que se obtiver o apoio em material militar que precisa e que os países ocidentais prometerem entregar, pode ganhar a guerra em pouco tempo, deixando algumas acusações em forma de ironia belicista, ao afirmar que "as forças ucranianas vão continuar a resistir e vão vencer sem precisar de nada do ocidente".

Por outro lado, de Moscovo, Sergei Shoigu, o ministro da Defesa russo, tem repetido a acusação aos Estados Unidos e ao Reino Unido de estarem a "fazer um grande e empenhado esforço para garantir a continuidade desta guerra até ao último combatente ucraniano"

E Washington e Londres estão a fazer esse esforço, que já analistas, antes, tinham sublinhado tratar-se de uma opção que visa desgastar e testar a capacidade de manter a pressão miliar da Federação da Rússia, através do fornecimento permanente de material militar, visando, reafirmou, citado pela agência TASS, "empurrar a Ucrânia e o seu Governo para uma situação de manter a guerra até que o seu último homem caia".

Para já, Zelensky pode estar a gostar das notícias que lhe estão a chegar, com os EUA a anunciar que já fizeram chegar à Ucrânia um conjunto de aviões de guerra e peças sobressalentes para reforçar a sua Força Aérea, embora sem fornecer dados sobre que tipo de aparelhos se trata e a quantidade, avançou a agência AFP.

Sabe-se, no entanto, que as autoridades ucranianas já admitiram que apenas pretendem receber aviões de guerra de fabrico russo, porque são aqueles para os quais têm pilotos treinados de forma adequada, sendo o mais provável que os EUA tenham trocado alguns dos seus F-16 por MIG-29 com alguns países do leste europeu, membros da NATO, que possuem grande número de aviões russos nos seus hangares.

Estes aviões são parte do pacote de apoio militar de 800 milhões USD anunciado há 10 dias pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, mas mostra ainda que se está a verificar uma alteração relevante nos planos ocidentais de entregar apenas material militar de defesa, e não de ataque, como é o caso dos caças e de artilharia pesada, o que vai elevar mais um patamar de risco de alargar este conflito para um nível perigoso, de confronto directo entre a NATO e a Rússia.

O anúncio foi feito directamente pelo Pentágono, o Ministério da Defesa norte-americano, e chega quando, do lado russo, já tinha sido feito uma séria advertência, em forma de nota diplomática enviada pela embaixada da Federação Russa em Washington a 21 países da NATO, de que este crescendo de apoio militar a Kiev terá consequências sérias para a segurança mundial. Alguns analistas viram no conteúdo desta nota uma ameaça de uso do seu arsenal nuclear...

E as negociações, pfff...

Para já, face a esta realidade, as negociações de paz, que foram já secundarizadas pelos dois lados, parecem agora a última das "armas" disponíveis para acabar com esta guerra.

Esse caminho negocial está ainda atrofiado pela posição assumida pela União Europeia, onde a presidente da Comissão, a alemã Ursula Leyen, e o responsável pela diplomacia europeia, o espanhol Josep Borrel, já disseram que este conflito vai ficar decidido no campo de batalha, o que é uma posição nova na forma como Bruxelas olha para todos os conflitos, para os quais tem pedido soluções diplomáticas.

E ainda porque a ONU se tem colocado igualmente fora do campo dos possíveis negociadores depois do seu Secretário-Geral, António Guterres, a quem o Kremlin acusa de nunca ter tentado falar com o Presidente Putin desde o início do conflito, a 24 de Fevereiro, ter assumido uma posição inequivocamente ao lado de Kiev, pedindo apenas uma trégua pascal de 4 dias, o que alguns analistas russos estimam tratar-se de uma tentativa de oferecer tempo às forças ucranianas para que lhes chegue parte do armamento enviado pelo ocidente, que precisa de pelo menos uma semana para transpor os 1.200 kms entre a fronteira oeste e o Donbass.

Armamento dos EUA com destino desconhecido

Nas últimas horas, a CNN, citado fontes do Pentágono, avançou que os EUA começam a estar preocupados com o facto de não conseguirem monitorizar o destino final das armas enviadas para a Ucrânia, havendo o risco destas irem parar a forças adversárias dos EUA em países longe do conflto no leste europeu.

Esta realidade é especialmente aplicável aos sistemas de defesa de pequeno porte, como os mísseis Stinger, ou anti-blindado, o Javelin, que valem milhões no mercado negro do armamento e são facilmente passados para fora da Ucrânia pelos grupos de criminalidade organizada com ramificações em todo o mundo, que abundam no país.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.