Nas declarações feitas após o encontro, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, lembrou que nada obsta a que se prepare um encontro entre os Presidentes dos dois países, "porque o Presidente Putin nunca rejeitou essa possibilidade" mas Lavrov advertiu que um encontro a esse nível tem de ser para obter resultados e "não apenas para se mostrar ao mundo" que ocorreu essa conversa.

Por outro lado, o ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, sem fechar a porta a esse encontro entre Presidentes, admitiu que o próximo passo seja um novo encontro com Lavrov "no mesmo formato", deixando claro que o seu país está aberto a uma solução diplomática equilibrada mas avisou que "a Ucrânia nunca se renderá".

Dmytro Kuleba deixou ainda como impressão após este encontro que "o lado russo não está em posição de avançar para um cessar-fogo" e que disse ao seu homólogo que a Ucrânia "está pronta a defender-se dos ataques" porque o país "não pode acabar com um conflito se o lado que a começou não mostra vontade em fazê-lo".

Nas declarações pós-encontro, Lavrov explicou que este encontro não podia nem devia substituir as negociações que decorrem na Bielorrússia entre as comitivas dos dois Governos, logo não era para conseguir resultados ao nível dos corredores humanitários, como o seu homólogo lamentara antes não ter sido conseguido.

Mas respondeu às perguntas persistentes dos jornalistas sobre um bombardeamento a uma maternidade em Mariupol, uma das cidades do sul da Ucrânia cercadas pelas forças russas, afirmando que essas notícias "não correspondem à verdade" e que já foi explicado que essa unidade de saúde não foi bombardeada enquanto tal, porque já não estava a ser usada para esse fim e afirmou que esse tipo de "truques" são repetidos pelas forças nacionalistas ucranianas, para denegrir a imagem das forças russas, apontando o dedo ao Batalhão Azov, criado com elementos que defendem ideologias fascistas e nazis.

"Os media ocidentais não ouviram porque não quiseram as duas partes sobre este assunto", acusou Lavrov, acrescentando que "essa maternidade já estava há muito a ser usada pelo Batalhão Azov e sem nenhum paciente no seu interior".

No entanto, Kelba insistiu momentos antes neste ponto, aludindo a uma persistente recusa das forças russas em permitir a abertura eficaz de corredores humanitários, especialmente em Mariupol - que é a sede do tal batalhão "fascista" -, onde centenas de milhares de pessoas "buscam desesperadamente deixar a cidade diariamente fustigada pela artilharia russa".

O diplomata ucraniano notou ainda que espera que seja possível muito em breve um cessar-fogo global de 24 horas para acudir às necessidades humanitárias das populações que se encontram contra a sua vontade no caminho da guerra, garantindo "total empenho" na procura da paz.

Mas Lavrov aproveitou o momento para deixar recados mais abrangentes e com dimensão de geopolítica, assumindo que a Rússia "vai sair desta crise com olhar renovado sobre o mundo e sem ilusões sobre as intenções ocidentais", acusando esse mesmo ocidente de uma "avassaladora campanha contra a Rússia", apontando o dedo não só às chancelarias ocidentais mas também aos media, que alinham em "mentiras sucessivas" sem o mínimo de respeito pela verdade.

O chefe da diplomacia russa avisou ainda que Moscovo "nunca usou o crude e o gás como armas" contra o ocidente mas deixou um viso à navegação: "Nós, depois destas campanhas contra a Rússia, vamos criar condições de facto para nunca mais dependermos em nada do Ocidente".

Enquanto Kuleba deixava, na conversa com os jornalistas após o encontro com Lavrov, uma ideia clara de que o seu país está pronto para manter a resistência ao avanço das forças russas, Lavrov optava por dizer que, "ao contrário do que dizem os media ocidentais", a "operação militar especial" decorre como programado e que não se trata de uma invasão da Ucrânia mas sim da defesa dos interesses vitais da Federação Russa.

E advertiu que os milhares de misseis Stinger (tanti-aéreos)) e Javelin (anti-tanque) fornecidos pelos países da NATO à Ucrânia estão, na sua grande maioria, sem qualquer controlo e vão, "mais cedo ou mais tarde", aparecer noutros conflitos onde as vítimas do seu uso poderão muito bem ser os países que agora os estão a enviar para a Ucrânia.

Como conclusão para este encontro que poderia ser histórico mas acabou por ser apenas mais ma etapa de uma caminhada que se antevê longa e complexa, fica a abertura de um encontro ao nível Presidencial e a vontade mostrada por ambas as partes em alcançar uma solução pacífica o mais breve possível.

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte vital das suas garantias de segurança soberanas, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem ao grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados a sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 60%. Estas sanções abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.