Li Hui, o experiente diplomata chinês que está em Kiev para estabelecer as bases mínimas para começar a erguer um processo que conduza ao fim das hostilidades, seguindo depois para Moscovo, disse ao Presidente Volodymyr Zelensky que a paz merece e só pode ser alcançada com o esforço de todos, depois de, ainda na quarta-feira, o chefe do regime ucraniano lhe ter dito que não aceitará qualquer plano que comprometa a unidade territorial da Ucrânia, mostrando-se indisponível para quaisquer cedências nesse capítulo.
Quando Li Hui, que está neste périplo como enviado do Presidente Xi Jinping, se dirige a Zelensky desta forma, tem bem presente que sem cedências territoriais por parte da Ucrânia, jamais haverá paz entre Moscovo e Kiev, porque a Federação Russa jamais cederá a Península da Crimeia, onde tem uma das suas mais estratégicas bases navais, em Sabastopol, e acesso aos chamados mares quentes (não gelam no Inverno), nem do Donbass (Lugansk e Donetsk), três regiões anexadas, a primeira em 2014 e as segundas em 2022, habitadas maioritariamente por populações russófonas.
E quando se refere ao facto de que cedências devem ser feitas por ambos os lados, provavelmente estará à espera que a Rússia ceda nas províncias de Kherson e Zaporijia, onde está a maior central nuclear da Europa, que, embora tenham sido igualmente anexadas em Outubro do ano passado, têm menos relevância nas ligações históricas a Moscovo.
Mas o enviado de Pequim tem de ter mais trunfos na manga, porque só isto não chega para levar russos e ucranianos a transferir a guerra das trincheiras pelo braço-de-ferro na mesa das negociações... Seja o que for, está ainda no segredo dos deuses da paciência asiáticos.
No entanto, Li Hui deixou um cheirinho daquilo que pode ser um trunfo, ainda não o Ás de trunfo, mas uma boa cartada: Pequim propõe-se, segundo um comunicado emitido já nesta quinta-feira, a criar uma base alargada onde as partes encontrem "trincheiras diplomáticas" com relativo conforto, enquanto procura criar um alargado denominador que permita à comunidade internacional rever-se no mapa que está a ser desenhado para mostrar o caminho para a paz.
O enviado chinês, depois da Ucrânia, seguirá para vários países europeus, incluindo França e Alemanha, antes de aterrar em Moscovo, deixando fortemente sublinhado que pretende estabelecer pontes de diálogo com todos, para já, e, depois, entre todos, incluindo Kiev e Moscovo, porque Li sabe bem, do alto dos seus 70 anos e uma extensa e intensa carreira diplomática, e membro de topo do Partido Comunista Chinês, que "não há fórmulas mágicas" para resolver conflitos e que estas só se começam a resolver no dia em que as partes deixam claro que pretendem acabar com as crises.
Ou seja, esse momento ainda não chegou, porque quando Kiev diz que não admite negociar sequer se em cima da mesa estiver a possibilidade de ceder territórios, sejam eles quais forem e na dimensão que for, e quando Moscovo adverte que as regiões anexadas, todas as cinco (Crimeia, Kherson, Zaporijia, Lugansk e Donetsk) são já parte da Federação Russa, una e indivisível, estão a dizer que ainda não querem negociar nada nem coisa nenhuma.
Porém, quando Pequim sublinha a importância de envolver de forma alargada e abrangente a comunidade internacional neste processo, que deverá ser longo, mas o mais célere possível, está igualmente a dizer que a pressão exterior é uma ferramenta fundamental para desenterrar o cachimbo da paz... actualmente soterrado em toneladas de ódio e sangue gerados em 15 meses de uma guerra que é já, de longe, a mais violenta na Europa desde o fim da II Guerra Mundial, em 1945.
Há, no entanto, um pormenor de extrema relevância neste contexto de conversações entre Li Hui e o Presidente ucraniano, porque o enviado de Pequim disse a Volodymyr Zwelensky que antes de mais esta caminha começa com um primeiro passo, que é a fórmula confuciana para enfrentar quase todos os problemas: mesmo a mais longa das caminhadas começa com um primeiro passo...
O diplomata de Pequim disse ao seu interlocutor que antes de mais, os dois, China e Ucrânia, devem estar nesta fase com "respeito mútuo e sinceridade" e criar condições de caminharem juntos em direcção a uma relação benéfica para ambas as partes... e há um ponto no horizonte que une o olhar de ucranianos e chineses: quando chegar o momento de reconstruir a Ucrânia, nada nem ninguém tem a capacidade material, financeira e humana para reerguer um país dos escombros como o gigante asiático, que já demonstrou ser capaz de erguer cidades de milhões de habitantes num abrir e fechar de olhos.
Uma das possibilidades em cima da mesa para acabar com este conflito pode mesmo passar por aí, e quando Li Hui fala de envolver a comunidade internacional, então, essa possibilidade poderá transformar-se em projecto com pernas para andar, que é, numa espécie de troca de parte do leste ucraniano para os russos e da Crimeia, o resto do mundo compromete-se a fazer da restante Ucrânia, que é hoje, e já era antes da guerra, o país mais pobre e subdesenvolvido da Europa, uma Nação desenvolvida, moderna e próspera... em tempo recorde.
O enviado especial chinês procura ainda convencer as partes da importância de admitirem a construção de "confiança mútua" como parte essencial do caminho rumo à mesa das negociações, o que só pode suceder se tanto Kiev como Moscovo reduzirem a rigidez das suas posições, desde logo por deixarem de acentuar os seus limites mais extremados.
Chovem misseis russos em Kiev
A passagem pelo diplomata chinês por Kiev não impediu os russos de flagelarem a cidade, bem como várias outras localidades ucranianas, durante a madrugada, com dezenas de misseis de longo alcance, disparados do Mar Negro, e de bombardeiros em voo sobre as regiões russas ocidentais e a Bielorrússia.
Mais uma vez, como sucedeu na noite de segunda-feira para terça, os ucranianos fizeram saber que destruíram todos os misseis russos, menos um, 29 dos 30.
Mas, tal como nas anteriores vagas de ataques, as imagens com explosões em locais específicos começaram de imediato a surgir nas redes sociais, o que põe em causa as afirmações ucranianas sobre o sucesso da sua defesa antiaérea.
Tudo a contrastar com o que dizem os russos, que, segundo o porta-voz do Ministério da Defesa, general Igor Konashenkov, todos os objectivos foram atingidos, incluindo, já esta semana, uma bateria Patriot, o mais sofisticado sistema de defesa antiaérea de longo alcance norte-americana, que custa mais de 1,2 mil milhões USD e a Ucrânia dispunha apenas de duas.
Os russos desmentem ainda as informações veiculadas por Kiev de que no início da semana, quando foi destruída a bateria Patriot, já confirmada pelos norte-americanos, foram abatidos todos os seis misseis hipersónicos Kinzhal, que o Kremlin diz ser impossível deter com os meios ocidentais actualmente disponíveis.
Alias, esta insistência de Kiev no abate de todos os misseis russos já levou alguns analistas militares, como os major general Carlos Branco, VItor Viana ou ainda o coronel Mendes Dias, ouvidos regularmente na CNN Portugal, a dizerem que esta insistência de Kiev não faz sentido e até o objectivo pretendido de galvanizar internamente as tropas e o povo é posto em causa por ser por demais evidente que se trata de uma falsidade.
Com efeito, os dados sobre as características destes misseis, os Kinzhal, e dos Patriot, deixam em evidência a falsa narrativa ucraniana. Os primeiros voam a uma velocidade superior a Mach 10 (10 vezes a velocidade do som), até 14 mil kms/h, enquanto os segundos atingem como velocidade máxima os 4,5 Mach (pouco mais de 6 mil kms/h), sendo que, para uma intercepção poder ter sucesso, o míssil interceptor tem de voar a pelo menos uma velocidade 1,5 Mach superior ao míssil atacante.
Outra coisa é, segundo estes especialistas militares, quando se trata de drones ou misseis de cruzeiro não hipersónicos, que podem ser abatidos com bastante eficácia pelos sistemas ucranianos de defesa antiaérea, que, além dos Patriot, conta com os igualmente modernos IRIS-T, alemães, ou, entre outros, os italianos SAMP/T, além dos antigos S-300 e BUK, da era soviética mas ainda eficazes.
G7 "atacam" Moscovo e Pequim a partir de Hiroshima
É já na sexta-feira, 19, que os líderes do G7, os sete países ocidentais mais industrializados, se vão na cidade japonesa de Hiroshima, Japão, e já se sabe que na agenda está o objectivo quase único, apesar da grave crise económica que quase todos atravessam, robustecer as sanções à Rússia e reposicionar-se com maior dureza face à China.
Como recorda a Lusa, a Ucrânia é o tema em destaque na cimeira de três dias, realizada numa cidade que simboliza os efeitos de uma guerra por ter sido destruída por uma bomba atómica norte-americana em 1945.
O primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, cujo país exerce a presidência rotativa do G7, admitiu haver "o receio de que a situação na Ucrânia se agrave" e de que a guerra seja prolongada.
"É neste contexto que o G7 se deve reunir novamente e mostrar força e solidariedade para com a Ucrânia", afirmou Kishida numa entrevista à televisão japonesa NHK, na quarta-feira, aqui citado pela Lusa.
O grupo dos sete países mais industrializados reúne Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, bem como a União Europeia (UE).
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, deverá discursar na cimeira por videoconferência, poucos dias depois de ter visitado os quatro países europeus do G7, além do Vaticano.
"A Ucrânia impulsionou este sentido de propósito comum" para o G7, disse à agência norte-americana AP Matthew P. Goodman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
A China é outro tema em foco em Hiroxima, dada a preocupação do G7 com a crescente assertividade do gigante asiático na região e a tensão com Taiwan, a ilha que Pequim ameaça tomar pela força se declarar a independência.
Os líderes do G7 deverão ser cautelosos em relação a Pequim, segundo a agência francesa AFP, mostrando unidade em relação a Taiwan, mas tentando evitar o aumento das tensões.
Não se trata de "um G7 anti-China", disse, segundo a Lusa, fonte da Presidência francesa à AFP, com Paris na expectativa de "uma mensagem positiva" de cooperação.
Preocupada com a segurança económica, a cimeira de Hiroxima deverá abordar também a influência chinesa nas cadeias de abastecimento cruciais.
Cereais do Mar Negro
Como se esperava, o acordo que permite à Ucrânia exportar os seus cereais pelo Mar Negro, foi renovado por dois meses, mas os russos exigem, mais uma vez, que as suas questões por resolver, sejam, uma prioridade para a ONU e os países ocidentais.
Desde o início deste acordo, denominado Iniciativa do Mar Negro, que a partir de Julho de 2022, permitiu a abertura de um corredor marítimo para a passagem dos cereais ucranianos até ao estreito de Istambul, onde entram no Mediterrâneo, que os russos têm vindo a aceitar prolonga-lo por 60 dias de cada vez.
Mas em todas elas têm ameaçado também que é a última vez que o fazem, admitindo voltar a fechar o corredor no Mar Negro, onde a sua frota naval domina por completo todas as rotas, porque as sanções ocidentais, da União Europeia e dos Estados Unidos, embora não incidam sobre os alimentos russos, não permitem às companhias de seguros aceitar cobrir os riscos dos navios russos ou ao serviço da Rússia.
Isto tem tido um forte impacto nas exportações de cereais e fertilizantes russos, embora estes continuem a deixar os portos do sul da Rússia no mar de Azov e Mar Negro, com as suas frotas e com navios de outros países que conseguem ultrapassar as dificuldades nesse capítulo dos seguros e da navegabilidade internacional.
Sendo a Rússia e a Ucrânia dos maiores exportadores mundiais de cereais, a Rússia logo em 1º lugar, e a Ucrânia em 5º - embora no que toca à produção, a Rússia seja apenas o 3º e a Ucrânia apareça apenas em 10º -, a renovação deste acordo, que terminaria esta quinta-feira, era essencial, especialmente para os países mais pobres e dependentes dos grãos destes países.
Isto, embora uma das queixas de Moscovo é que, ao contrário do que estava previsto no primeiro acordo, depois de uma gigantesca campanha internacional baseada na excruciante fome em África devido ao fecho do Mar Negro pelos russos, as exportações ucranianas são especialmente dirigidas aos países ocidentais ricos, sendo que o pouco que segue para África, fica maioritariamente no Egipto e não no Corno de África, onde alegadamente começariam a chegar as cargas com este acordo.
Um dos casos mais absurdos estava, e nada indica que assim não continue, a ocorrer com Espanha, um dos maiores importadores de cereais ucranianos, para os usar na alimentação dos porcos da sua milionária indústria de enchidos e carnes.