Igor Konashenkov foi preciso a indicar que os ucranianos pretendem levar a cabo esta operação de "falsa bandeira", jargão miliar para uma manobra ficcionada com a intenção de justificar uma acção ou acusar o opositor, na sexta-feira, 19, último dia da visita de Guterres à Ucrânia.
No entanto, a alegada farsa em planificação pelos ucranianos, segundo garante o Ministério da Defesa russo, esbarra numa dificuldade evidente, como, por exemplo, já lembraram alguns analistas militares.
O maior problema dos ucranianos nesta estratégia é a difícil aceitação por parte da opinião pública mais informada de que os russos, como lembrou há pouco tempo Agostinho Costa, major-general e vice-presidente do EuroDefense Portugal, na CNN Portugal, ocupando toda a área da central nuclear de Zaporijia e a área envolvente, tivessem alguma coisa a ganhar ficcionando ataques reais nas imediações dos reactores nucleares da maior central deste tipo em toda a Europa, face a um risco efectivo de, com isso, gerar um bem real acidente nuclear catastrófico.
Moscovo enquadra esta "farsa" ucraniana para ter lugar a 19, esta sexta-feira, e o objectivo é aproveitar a presença do SG da ONU no País para potenciar o plano que visa implicar os ocupantes russos neste acidente.
O chefe da ONU vai estar esta quinta-feira, 18, com os Presidentes ucraniano, Volodymyr Zelensky, e turco Recep Tayyp Erdogan, em Lviv, uma cidade do oeste ucraniano, para oficialmente, discutir questões como a segurança na Central Nuclear de Zaporijia, o acordo de 22 de Julho que permitiu a exportação dos cereais ucranianos e russos, e ainda o conflito e as severas implicações em todo o mundo.
Mas uma suposta agenda paralela estará em cima da mesa quando Guterres, Zelensky e Erdogan, que, com a sua proactividade diplomática secundarizou a União Europeia no seu próprio jogo de "player" pela paz no mundo, que é a urgência de acabar com a guerra que começou a 24 de Fevereiro, com a invasão das forças russas do país vizinho, e que começa a gerar uma alteração na postura das opiniões públicas ocidentais, cada vez menos tolerantes às implicações do conflito na sua qualidade de vida, crise económica e desemprego galopante fruta de uma inflação recorde de 40 anos, nalguns países, como os EUA, o Reino Unido ou a Alemanha.
António Guterres ganhou créditos suficientes para tentar esta jogada arriscada de alcançar um entendimento mínimo que permita encarar uma negociação para a paz entre Kiev e Moscovo, envolvendo Recep Erdogan, com quem desenhou o acordo, assinado a 22 de Julho, que permitiu a retoma das exportações de cereais russos e ucranianos a partir dos portos do Mar Negro e do Mar de Azov.
Agora, como enfatizam alguns analistas militares e políticos, conjugando factores como a aproximação do Inverno, que vai apanhar a Ucrânia sem gás natural para o fundamental aquecimento das casas para fazer face a mais de 20 graus negativos nalgumas regiões, o cansaço que se vai entranhando nos países ocidentais com a extensão temporal desta guerra e as fortes implicações nas economias europeias e norte-americana, e que vai chegando aos "ouvidos" do Presidente Zelensky, como o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmitri Kuleba já admitiu, Guterres e Erdogan têm o tempo a seu favor para tentar um entendimento, resta saber se contam com a boa-vontade dos ucranianos e do Kremlin.
O encontro com Zelensky e Erdogan vai ter lugar esta quinta-feira em Lviv na sexta-feira, Guterres visita Odessa, na costa sul, onde o seu porto marítimo é uma das principais saídas para a exportação de cereais ucranianos no âmbito do acordo que envolve a ONU, a Turquia, e russos e ucranianos, estando previsto que o chefe das Nações Unidas viajará a seguir para Istambul, na Turquia onde vai visitar o Centro de Coordenação Conjunta que fiscaliza a passagem dos navios.
A questão que não está a ser falada publicamente é o que se passará a seguir, depois do encontro a três entre Guterres, Erdogan e Zelensky, em Lviv, que foi, oficialmente preparado por convite do líder ucraniano, sendo que, pelo menos isso, o que se espera é que, de uma forma ou de outra, ou Guterres ou Erdogan, se encontrem com Vladimir Putin, até porque o português falou ao telefone com o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, na segunda-feira, para preparar novas etapas na construção da paz antes da chegada do "general Inverno".
Entretanto, já com Guterres e Erdogan em Lviv, os media turcos avançaram, embora sem grandes pormenores, que Putin e Zelensky podem estar prontos a aceitar discutir as condições para um encontro com intermediação do líder turco.
Os analistas têm sublinhado que se os dois Presidentes, russo e ucraniano, se vierem a encontrar, um e outro deixam de ter condições para impedir a negociação, com mais ou menos sucesso, de um cessar fogo que conduza a um acordo de paz.
Sabe-se, todavia, que se esta iniciativa robusta de Guterres e do Presidente turco, que, com o seu papel de intermediário, que fez com que Bruxelas surja não, como é tradição, do lado da busca incessante pela paz, mas do lado dos falcões da guerra, especialmente devido ao papel militante da sua chefe da Comissão Europeia, Ursula Leyen, e do chefe da diplomacia dos 27, Josepp Borrel, não frutificar, a saída airosa será naturalmente manter tudo como se o objectivo único fosse averiguar o cumprimento do acordo dos cereais e a questão da segurança na central nuclear de Zaporijia, que foi tomada pelos russos em Março e tem sido bombardeada nas últimas semanas, com acusações mútuas entre russos e ucranianos.
E um acordo é essencial ser conseguido até porque as possibilidades de uma escalada perigosa aumentam a cada dia que passa, nomeadamente de um confronto directo entre EUA e Rússia, cujo desfecho seria, provavelmente, uma catástrofe nuclear.
Aviso directo
A embaixada russa em Washington advertiu o mundo para a possibilidade de um conflito directo entre os Estados Unidos e a Federação Russa por causa do comportamento irresponsável dos EUA em todo o mundo, e com a continuação do apoio dos EUA à Ucrânia.
"Hoje, os EUA continuam a agir sem respeito pelos interesses e segurança dos outros países, o que contribui claramente para um crescente risco de confronto nuclear", disse a embaixada russa. Confronto esse que seria inevitável no caso de uma guerra entre russos e norte-americanos como os dois Presidentes, Putin e Joe Biden já admitiram em público.
A embaixada russa em Washington adverte ainda para o crescente envolvimento dos americanos na guerra na Ucrânia, optando por uma envolvência híbrida no confronto com os russos, o que tem tudo para "conduzir a uma escalada imprevisível e a um confronto directo entre potências nucleares".
Nesta nota, a representação diplomática russa nos EUA chama a atenção ainda para a returada de Washington de dois importantes acordos sobre armas nucleares, o de 1987 sobre as armas de alcance intermédio, que bane certos tipos de armamento atómico e o de 1992, que permite que os signatários sobrevoem os outros territórios para vigiar os seus arsenais".
No entanto, no que diz respeito ao uso do nuclear, são os russos que estão a ser acusados por Washington de praticas arriscadas na maior central nuclear da Europa, a de Zaporijia, na Ucrânia, tomada de assalto pelas tropas russas em Março, nomeadamente quanto à sua ocupação como quartel militar e depósito de armamento.
Antony Blinken, o Secretário de Estado dos EUA, acusou os russos de "irresponsabilidade" pela forma como usam esta central nuclear, que tem sido alvo de ataques nas últimas duas semanas, com Kiev a acusar os russos e Moscovo a dizer que são os ucranianos porque não faria sentido estarem a atacar-se a si próprios. Kiev responde dizendo que não faz sentido é os ucranianos estarem a atacar reactores nucleares no seu próprio território e dos quais dependem para ter energia.
A Agência Internacional de Energia Atómica já veio advertir para os riscos inerentes aos disparos de roquetes contra as instalações nucleares, mas admitiu que, para já, a sua segurança não foi directamente posta em causa.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.